Fábio Góis
O ex-diretor geral do Senado Agaciel Maia completou, no último dia 10, 33 anos de serviço público, em trajetória marcada tanto pela polêmica, com envolvimento com denúncias de trens da alegria e atos secretos, quanto pelo bom trânsito nos bastidores políticos de Brasília. Amigo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), epicentro da maior crise da história da instituição, e apontado em sindicância como um dos responsáveis pela emissão de centenas de documentos sigilosos, as fotos e o nome de Agaciel migraram nas últimas semanas das páginas de política do noticiário para as ruas, em cartazes e adesivos de carro. Com a marca da autopromoção típica dos candidatos a cargos eletivos.
Um sinal de que, em pleno ano eleitoral, uma candidatura estaria a caminho. Afinal, depois de perder o cargo de diretor-geral, Agaciel se filiou ao PTC no início de outubro de 2009. “O futuro a Deus pertence”, despistou na ocasião.
Alguns meses depois, o futuro concedido por Deus materializou-se em cartazes como o que ilustra a reportagem. Ou em adesivos com o endereço do blog de Agaciel ou com os dizeres “Amigos do Agaciel”. O que significa tudo isso? O ex-diretor geral do Senado jurou ao Congresso em Foco, em entrevista concedida na sexta-feira (19), que não quer dizer candidatura. “Não sou candidato a nada”, garantiu o servidor do Senado, instalado em uma sala na Subsecretaria de Pesquisas do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), para onde foi transferido depois de afastado da Diretoria Geral pelo próprio Sarney. Em cima da mesa, chamava a atenção uma coleção de livretos infantis do dinamarquês Hans Christian Andersen, autor de clássicos como “O soldadinho de chumbo”, “O patinho feio” e “A roupa nova do Imperador”.
Segundo Agaciel, toda essa promoção gira em torno do blog que criou. “A construção desse blog é para dar vazão à minha atividade acadêmica, apesar de todo o trabalho que tenho. É uma atividade que quero desenvolver para não ficar parado. Eu prefiro me manter em movimento”, disse, adiantando que prepara um livro com detalhes da biografia de todos os senadores da história do Senado, desde a primeira sessão, “em maio de 1826”.
Ele acrescenta que, após décadas de trabalho sem ausências e “sem tirar sequer um atestado médico”, sentiu falta da rotina nas atividades legislativas da instituição – 14 anos só à frente da Diretoria Geral, por indicação de Sarney. “Foi o pior castigo que recebi. Imagine, depois de tanto anos de trabalho, ficar em casa, olhando para a empregada. Ou você bebe ou você engorda de tanto comer.”
Agaciel explicou que o material distribuído serve como divulgação de seu blog e de sua atividade “acadêmica”. E que a iniciativa é apoiada por um “patrimônio de amizade” construído em 35 anos de Brasília – natural de Brejo do Cruz, município da Paraíba, ele chegou a Brasília no final de 1974. “Você não vai encontrar ninguém em Brasília que vá dizer que eu fiz mal ou prejudiquei alguém”, disse o economista por formação, que chegou a ser aplaudido em seu retorno ao trabalho, em setembro de 2009. “O pessoal se dispôs a fazer a divulgação do blog.”
“Inferno astral”
O afastamento temporário como servidor efetivo, em junho de 2009, na verdade foi uma licença-prêmio de três meses (remunerada), formalizada no calor das denúncias que quase implodiram a atividade legislativa do Senado e quase tiraram Sarney da Presidência.
No ofício de licença, que recorre à Lei 8.112/90 do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, Agaciel alega direito adquirido por assiduidade e faz sete “considerações” para justificar seu pedido de afastamento. Entre elas, menciona declarações feitas por senadores como Arthur Virgílio (líder do PSDB-AM) e Cristovam Buarque (PDT-DF), que o acusam de chantagem por meio do conteúdo dos atos sigilosos. “Os senadores Eduardo Suplicy [PT-SP] e Pedro Simon [PMDB-RS] negaram esse negócio de chantagem.” Versões à parte, fato é que a temperatura levou a pronunciamentos drásticos contra o ex-diretor.
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Sobre as acusações que recebeu durante a crise do Senado, Agaciel é enfático. “É 99,9% de coloração política”, disse, em menção à vendeta que transpôs o terreno político e chegou às entranhas administrativas da Casa, em que grupos a favor e contra o ex-diretor até hoje travam velada disputa. Ele considera que a “guerra política” teve início depois que Tião Viana (PT-AC) perdeu para Sarney a corrida para a Presidência. A partir daí, grupos opostos foram formados e passaram a municiar a imprensa com informações comprometedoras, reciprocamente.
“Antes eu era unanimidade na Casa. Tenho documento assinado por todos os líderes partidários”, declarou Agaciel, referindo-se aos serviços de modernização e aprimoramento institucional que disse ter recebido o aval da totalidade dos senadores. “Sempre tive uma atividade acadêmica, não era só um burocrata administrativo.”
Segundo Agaciel, denúncias como a de que emitiu atos administrativos clandestinos para fins diversos e ocultou de sua declaração de bens uma casa de cerca de R$ 4 milhões não passam de notícias movidas por disputa política. “Passei por um inferno astral, paguei caro. E tudo era só insinuação, nada disso foi comprovado. Foi tudo provado ao contrário”, reclamou, lembrando que o Tribunal de Contas da União não viu irregularidades na propriedade, como apontou reportagem do jornal Folha de S.Paulo em 1º de março de 2009.
Periferia
Na terça-feira de carnaval, a reportagem obteve um exemplar do calendário 2010 no qual Agaciel aparece sorridente, com cabelo bem penteado e imagem da Ponte JK em segundo plano, adornada pelo já famoso pôr-do-sol da capital federal. Logo abaixo da foto, registra-se a frase “Que as bênçãos de Deus sejam constantes em seu lar”, com a assinatura destacando o sobrenome Maia em letras maiores em relação ao pré-nome.
O que parece uma peça de campanha (foto) foi encontrada em uma oficina de automóveis do Paranoá, bairro da periferia de Brasília. A estampa do material de campanha é típica dos aspirantes a parlamentar: foto bem tratada, dizeres afetuosos e “serviços” como calendário e telefones úteis (bombeiros, Polícia Militar, Procon etc).
Na parte inferior do cartaz, Agaciel disponibiliza seu endereço eletrônico. Uma rápida consulta ao site não é suficiente para perceber a clara orientação eleitoral. Mas aos poucos fica evidente o caráter de auto-exaltação do “blog”: em clique feito às 19h25 da última quinta-feira (18), o primeiro tópico era “8 habilidades essenciais para um bom administrador”, seguida em diagramação vertical pela frase “Hoje faz 33 anos que ingressei na carreira de servidor efetivo do Quadro de Pessoal do Senado Federal”.
Embora diante de todos os elementos de uma peça eleitoral, Agaciel diz que não se arriscaria a testar sua aceitação popular. “Eu não posso fazer futurologia, não me arriscaria a ser candidato sem saber se teria votos suficientes. Candidato todo mundo pode ser, mas tem de ser viável, ter voto”, observa, lembrando que “sempre ajudei todo mundo”.
A reportagem apurou que, ao menos entre os servidores do Senado, Agaciel reuniria quantidade significativa de votos. É o caso da auxiliar de limpeza Lucineide da Silva, que manifestou à reportagem desgosto em relação aos políticos de Brasília. “Eu não tenho candidato. Se ele for candidato, meu voto é dele. Garantido”, disse, com menções impublicáveis aos distritais às voltas com o mensalão do Arruda.
Processos
Às voltas com processos na Justiça comum (“os da Justiça comum eu não tenho preocupação”), e sob risco de perder a vaga no Senado devido aos efeitos de um processo administrativo disciplinar (“não posso responder sobre isso”), Agaciel sabe que, caso disputasse eleição e fosse eleito, passaria a ter direito às polêmicos prerrogativas de foro privilegiado e imunidade parlamentar. Tal condição garante ao eventual réu em ação penal direitos como ser julgado apenas em instâncias superiores da Justiça (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) – o que, via de regra, tem facilitado a vida dos detentores de cargos eletivos.
“O fato é que não me beneficiei de nada no Senado.”
Conhecedor da estrutura institucional que comandou por 14 anos e da simpatia que amealhou entre cerca de 10 mil servidores, Agaciel destaca que as denúncias não ganham espaço entre seus colegas. “Sai no jornal, mas ninguém acredita, porque as pessoas me conhecem e sabem que não fiz nada disso.” Quanto aos processos, ele resume: “Tenho ido a todos disposto a me defender”.
Agaciel defende sua atuação no comando administrativo do Senado lembrando que entregou o posto de diretor-geral com “dois cargos vagos há dois anos”. “Quando podia nomear parente, eu não nomeei.” Para ele, o desenrolar dos processos só o prejudicará se tiver conotação política. “Se for em cima de documentos e fatos, não vai ter problema.”
Integrante de um clã político arraigado no Rio Grande do Norte – com ramificações por estados como Paraíba e Rio de Janeiro, cujo mais notório representante é o ex-prefeito fluminense César Maia –, Agaciel é irmão do deputado federal João Maia (PR-RN). O ex-diretor-geral tem parentesco distante com o também deputado Felipe Maia (DEM-RN), filho do líder do DEM no Senado, José Agripino (RN).
“São primos de diversas gerações que só me dão orgulho. É um orgulho tê-los como parentes. São exemplares como pessoas, pais de família e filhos”, disse César Maia em entrevista sobre o grupo de familiares políticos, por e-mail, ao Congresso em Foco.
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