Um grupo de jornalistas da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que reúne veículos públicos como Agência Brasil e TV Brasil, reagiu à orientação de dois chefes de reportagem para que fosse reduzida a cobertura do caso Marielle Franco, vereadora do Psol assassinada na última quarta-feira (14). Entre sexta-feira (16) e ontem (segunda, 19), ao menos dois e-mails foram enviados a um grupo de jornalistas com ordens expressas contra a veiculação de notícias sobre o assunto. A ideia é evitar, segundo uma das mensagens, que o Psol fizesse uso político da execução.
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No assunto do e-mail enviado pelo gerente-executivo da Agência Brasil, Alberto Mendonça Coura, lê-se a seguinte solicitação: “Menos matéria da vereadora”. “Peço a gentileza de orientar Akemi a não fazer manifestações sobre a morte da vereadora. Estão repetitivas e cansativas. Nos jornais só há artigos e, você sabe, não publicamos esta forma de opinião. Claro que, se houver fato novo relevante, deve fazer”, diz o conteúdo da mensagem, referindo-se a uma das repórteres do grupo.
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Em outro e-mail, a recomendação do gerente de Redação da Agência Brasil, Roberto Cordeiro, é ainda mais direta. “Precisamos reduzir matérias da morte da vereadora Marielle Franco. Essas homenagens do Psol são para tirar proveito do momento. Ou outras repercussões do gênero. Devemos nos concentrar nas investigações e naquilo que dizem as autoridades.”
Como reação às imposições, repórteres e editores da EBC resolveram denunciar a situação. Nesta terça-feira (20), alguns deles resolveram confeccionar uma faixa em que se lê: “Não vão nos calar! Marielle presente!” (foto abaixo). Nas redes sociais, profissionais de imprensa se solidarizam com os colegas da EBC e manifestam repúdio à conduta da chefia de reportagem, compartilhando conteúdo relativo à linha editorial do grupo de comunicação pública.
A reportagem do Congresso em Foco tem recebido relatos sobre restrições impostas aos repórteres e editores desde a troca de comando da empresa, em maio de 2016, quando estava em curso o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Naquele mês, Dilma foi afastada provisoriamente e Michel Temer, então vice da petista e presidente nacional do MDB, assumiu provisoriamente a Presidência da República, onde seria efetivado em 31 de agosto daquele ano. O comando da EBC nega a tese de cerceamento de liberdade jornalística.
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Reação
Depois de veiculação do caso pela imprensa, a diretoria da EBC resolveu se manifestar. Por meio de nota divulgada nesta terça-feira (20), a empresa pública se declarou “surpresa com a orientação” de Roberto Cordeiro, e informa ele foi “formalmente advertido”. “A orientação sempre adotada pelo comando editorial da empresa – e repassada a seus veículos – é a de acompanhar todos os temas da agenda nacional, como o caso Marielle, e noticiar todos os fatos do dia a dia”, diz a EBC.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal também condenou a postura da EBC. “Jornalistas e radialistas da Empresa Brasil de Comunicação protestam contra restrição da cobertura do assassinato de Marielle e Anderson. Chefias da Agência Brasil orientaram a não cobrir mais os atos alegando que eles seriam uma “exploração política”, censurando manifestações legítimas e importantes. Enquanto isso, o site faz cerca de 10 matérias por dia sobre o Fórum Mundial da Água por ter feito contrato com a Agência Nacional de Águas no valor de R$ 1,8 milhão.”
O próprio Psol protestou, por meio de suas redes sociais, contra a interferência da chefia na produção jornalística. “Direção da EBC, empresa pública de comunicação, toma decisão política de censurar a morte de Marielle Franco. Temer quer esconder o fato de que uma mulher, negra e de esquerda foi morta por motivos políticos. O PSOL se solidariza com os trabalhadores da empresa. Nenhum passo atrás! A quem interessa censurar a morte de Marielle? #MarielleVive”, diz o partido.
Denúncias caladas
Além da execução da socióloga negra, bandidos ainda não identificados assassinaram também o motorista Anderson Gomes, que conduzia o carro de Marielle na noite do crime. A vereadora havia participado de um evento na Lapa, centro do Rio de Janeiro, com mulheres negras. Até o momento, investigadores constataram que dois carros foram utilizados na execução de Marielle e Anderson. Polícias envolvidas no caso agora examinam interceptações telefônicas feitas no perímetro do duplo assassinado.
Socióloga com mestrado em Administração Pública, Marielle nasceu em 27 de julho de 1979 e foi criada na Maré, bairro da periferia do Rio. A parlamentar cursou Sociologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC), com auxílio de uma bolsa integral, e concluiu o curso de mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua dissertação de mestrado teve como tema “UPP: a redução da favela a três letras”. Como profissional, entre as atividades mais recentes, foi assessora parlamentar do deputado estadual Marcelo Freixo, um dos líderes do Psol fluminense, antes de se eleger vereadora.
A vereadora havia sido escolhida como relatora da comissão parlamentar que acompanha os trabalhos da intervenção federal que Michel Temer decretou, em meio a dúvidas e muitas críticas, na segurança pública do Rio de Janeiro. Feminista e ativista contra o racismo e a homofobia, Marielle era contra a intervenção e vinha denunciando há anos os excessos policiais e a atuação das milícias no estado.
Um dia antes do assassinato, em uma de suas mais recentes postagens no Facebook, Marielle registrou a seguinte mensagem: “Nós, mulheres negras, somos a maioria da população. E ainda assim precisamos mover estruturas para garantir direitos iguais. Por isso, amanhã, quarta-feira (14), vamos reunir mulheres incríveis pra compartilhar nossas vivências, seguindo os passos das que vieram antes de nós. Somos resistência, afeto, luta e esperança! VEM! Esse evento lindo faz parte da campanha 21 dias de ativismo contra o racismo!”.
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