Terminou com bate-boca a segunda sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar recursos da Ação Penal 470, do mensalão, esquema de desvio de dinheiro público para comprar apoio político no Congresso. A reunião desta quinta-feira (15) foi encerrada abruptamente pelo presidente da corte e relator do caso, Joaquim Barbosa, por discordar das teses apresentadas por Ricardo Lewandowski. Antes da discussão, os ministros rejeitaram os embargos de três condenados.
Não é a primeira vez que Joaquim e Lewandowski batem boca durante o julgamento do mensalão. Durante a análise do mérito, entre agosto e dezembro do ano passado, os dois – respectivamente relator e revisor – travaram diversas discussões, muitas vezes àsperas, por conta de divergências na análise dos casos.
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Para Lewandowski, o ex-deputado do PL Carlos Rodrigues poderia ser inocentado de alguns crimes, já que participou da negociação para receber dinheiro do “valerioduto” antes da vigência da lei que aumentou as penas contra a corrupção. Com penas menores, caso poderia até estar prescrito. No ano passado, ele foi condenado a seis anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A posição do ex-revisor do mensalão – a fase de embargos não possui um segundo relator – irritou Joaquim Barbosa, já que a condenação de Rodrigues foi unânime no ano passado. “Vossa Excelência participou dessa decisão, mas Vossa Excelência mudou de ideia”, disse o presidente do STF. Mais à frente, Lewandowski perguntou para que serviriam então os embargos. “Não é para isso, para arrependimento”, respondeu. Lewandowski quase convencia os ministros a interromper o caso para que analisasssem-no mais detidamente no cafezinho, para evitar um pedido de vista.
Mesmo assim, Joaquim ficou nervoso. Em uma nova crítica, disse a Lewandowski: “Temos que fazer nosso trabalho, e não chicana”. O colega se irritou: “Está dizendo que eu estou fazendo chicana? Eu peço que Vossa Excelência se retrate”. O presidente do STF disse então que não pediria desculpas. O ex-revisor disse que era obrigação dos ministros “fazer justiça”.
Irritado, Joaquim encerrou a sessão, mas os ministros ainda tentaram acalmar o clima ruim. A discussão continuou fora das câmeras do plenário e chegou ao cafezinho, onde os dois falavam em alta voz termos como “palhaçada” e “respeito”.
PublicidadeConversa reservada
Na área reservada ao lanche dos ministros, a discussão continuou em voz alta, com Lewandowski e Joaquim gritando a ponto de os jornalistas, de dentro do plenário, conseguirem ouvir trechos. Em conversa reservada no plenário, permaneceram os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Luiz Fux e, por algum tempo, Rosa Weber.
Durante a discussão, Celso de Mello tentou apaziguar os ânimos apoiando uma proposta de vista em mesa. Marco Aurélio apoiou a ideia. Assessores de Lewandowski disseram que o normal seria analisar a proposta do ministro, mas entendem que Joaquim encerrou a sessão apenas por conta do clima ruim.
Em entrevista, Marco Aurélio disse que as afirmações de Joaquim foram apenas “arroubos de retórica”. “A essa altura, ele já deve estar arrependido”, disse, embora considere que o bate-boca fragiliza a imagem e a credibilidade do Supremo. Até o bate-boca com Lewandowski, o julgamento parecia seguir tranquilo. “Íamos tão bem, não é?”
Rejeição
O ex-deputado Bispo Rodrigues recebeu R$ 150 mil do valerioduto em 17 de dezembro e 2003. Ele foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a seis anos de prisão mais multa de R$ 726 mil. Em sua defesa, afirmou que os valores eram para saldar dívida do PT com o PL, parte do acordo para apoiar a eleição do então presidente Lula em 2002.
“A alegação não tem pertinência, porque, na origem, tratou-se de pagamento de vantagem indevida para prática de atos de ofício em favor do governo”, disse Joaquim Barbosa, ao citar trechos do acórdão anterior.
Para Marco Aurélio, se Rodrigues recebeu o dinheiro em dezembro de 2003 – quando a lei anticorrupção era mais rigorosa – sem ter participado do acordo para receber os recursos, ele deve ser julgado com regras mais severas, como aconteceu no julgamento original. Caso o então deputado tenha participado do acordo, mesmo recebendo o dinheiro na vigência da nova lei, o ministro entende que as regras devem ser as mais brandas.
Penas altas
Hoje, os ministros rejeitaram os embargos dos réus e ex-deputados Romeu Queiroz, Roberto Jefferson e Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, além de começarem a análise do recurso de Rodrigues. Queiroz foi deputado federal e segundo secretário do PTB entre 2003 e 2004. Ele foi condenado a seis anos e três meses de prisão, por corrupção passiva (3 anos) e lavagem de dinheiro (3 anos e 3 meses). Um de seus principais argumentos era que as penas tinham sido elevadas pelos mesmos motivos que as criaram. Mas os embargos dele foram rejeitados por maioria, vencido o ministro Marco Aurélio.
O recurso de Roberto Jefferson chegava a pedir o perdão judicial por seu papel na revelação do escândalo. Apesar de ter sido noticiado em 2004, foi só após uma entrevista do ex-presidente do PTB em junho de 2005 que o caso passou a ser investigado pelas autoridades. A defesa Jefferson ainda pediu a inclusão do ex-presidente Lula no caso, como já havia tentado outras vezes. Mas os ministros não aceitaram nenhum dos argumentos, mantendo a pena do ex-deputado em sete anos (regime semiaberto) mais multa de R$ 740 mil.
No recurso de Simone Reis Vasconcelos – condenada por corrupção ativa, evasão de divisas, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro a 12 anos e sete meses de prisão mais multa de R$ 374 mil –, ela reafirmou ter participação de menor importância no esquema, assim como aconteceu com a ex-colega Geiza Dias. Ambas eram funcionárias das agências de Marcos Valério. Mas o relator disse que o papel de Simone não era inexpressivo.
“Coube a ela parcela extremamente importante na divisão de tarefas da quadrilha. Entregava o dinheiro em espécie à maioria dos beneficiários, levando o dinheiro a hotéis e ao escritório da SMPB em Brasília. Sua conduta possibilitou que os crime de corrupção e lavagem de dinheiro fossem praticados por longo tempo.”
Marco histórico
Antes de votar, novamente o ministro mais novo, Luís Roberto Barroso, comentou suas impressões sobre o julgamento do mensalão. Desta vez, disse ao relator que não desprezava os efeitos do processo, que condenou políticos acusados de montarem um esquema de desvio de verbas públicas e privas, lavagem de dinheiro e corrupção. Para Barroso, o mensalão “pode ser um marco histórico” contra a impunidade se, além das punições aos réus, forem tomadas medidas para melhorarem os sistemas político e eleitoral.
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