O conjunto de indícios constante do inquérito que investiga Michel Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), um dos principais aliados do presidente, indica “com vigor” a prática de corrupção passiva. É o que diz trecho do relatório preliminar que a Polícia Federal entregou ontem (segunda, 19) ao Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de mais cinco dias para apurar o eventual cometimento dos crimes de associação criminosa e obstrução de Justiça. O conteúdo do documento foi tornado público apenas nesta terça-feira (20).
LEIA A ÍNTEGRA DO RELATÓRIO DA PF
Leia também
Ao ser abordado pela imprensa na Rússia, onde cumpre agenda oficial em comitiva com ministros e parlamentares da base, Temer se limitou a dizer que o caso relatado pela PF é pertinente à seara do Judiciário. “Vamos esperar. Isso é juízo jurídico, não é juízo político”, resumiu.
Antes de viajar, o presidente anunciou processos contra seu acusador e gravou vídeo garantindo punição a “criminosos”. Já Loures, que está preso desde 3 de junho, tem resistido a firmar acordo de delação premiada. Em imagem que marcou a investigação, o peemedebista foi flagrado correndo com uma mala de R$ 500 mil em uma rua de São Paulo – segundo investigadores, tratava-se da primeira das várias parcelas de um montante que, pago semanalmente em um prazo de mais de 20 anos, seria uma espécie de aposentadoria para Temer e Loures.
Investigado no STF, Temer grava vídeo sem citar Joesley: “Criminosos não sairão impunes”
No documento encaminhado ao ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no STF, a PF diz que tentou ouvir os argumentos de ambos os investigados, mas não obteve êxito na tarefa. “Diante do silêncio do mandatário maior da nação e de seu ex-assessor especial, resultam incólumes as evidências que emanam do conjunto informativo formado nesses autos, a indicar, com vigor, a prática de corrupção passiva”, diz trecho do relatório.
PublicidadeO documento acusa Temer, com a participação providencial de Rocha Loures, de aceitar repasses ilícitos em troca de providenciar vantagens indevidas para o Grupo J&F, controladora da JBS – de propriedade dos irmãos Joesley e Wesley Batista, delatores do esquema que levou à investigação de Temer, a empresa é uma das principais doadoras de campanha de campanha, via caixa dois ou propina, das eleições de 2014. Segundo as investigações, os pagamentos era intermediados com Rocha Loures.
O relatório da PF aponta ainda o envolvimento de Joesley Batista e do diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud, em ações que configuram o crime de corrupção ativa. As delações do grupo, devidamente homologadas no STF, também atingem políticos governistas diversos. Um deles é Aécio Neves (PSDB-MG), afastado de suas funções desde 18 de maio, em decorrência das denúncias. O tucano foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley.
Em depoimento, Saud já havia dito a investigadores que Temer era o beneficiário final dos pagamentos de propina, a despeito do papel de Rocha Loures como intermediador das negociatas. “Nós tratamos propina com o Temer, nós nunca tratamos propina com o Rodrigo. O Rodrigo foi um mensageiro que Michel Temer mandou para conversar com a gente, para resolver os nossos problemas. E para receber o dinheiro dele [Temer]”, assegurou o executivo.
Iminência de denúncia
A entrega do relatório preliminar da PF antecede a denúncia esperada nos próximos dias contra Temer e Rocha Loures por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ontem (segunda, 19), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que só analisaria o pedido de arquivamento das investigações feito pela defesa de Temer depois que a Polícia Federal concluísse definitivamente as apurações. No requerimento de abertura de inquérito, Janot comunicou a Fachin que o presidente de fato avalizou a compra do silêncio de Cunha e um dos operadores do grupo criminoso, Lúcio Funaro, também preso no âmbito da Lava Jato.
A PF conseguiu esclarecer trechos dos áudios gravados por Joesley Batista antes inaudíveis. Para embasar a identificação de corrupção passiva, os investigadores utilizaram dois laudos periciais sobre o teor de conversas entre Rocha Loures e Ricardo Saud, que atuava como lobista da JBS. Temer é relacionado na investigação justamente ao roteiro referente ao episódio da mala de dinheiro recebida pelo ex-deputado.
Três elementos centrais configuram o envolvimento do presidente na questão dos repasses de dinheiro da JBS, segundo a força-tarefa formada por MPF e PF. O primeiro deles é o fato de que o próprio Loures agendou, em 6 de março deste ano, o encontro entre Temer e Joesley no dia seguinte, no Palácio do Jaburu. Nessa reunião secreta, o presidente disse ao empresário que ele poderia tratar qualquer assunto com o ex-deputado, pois gozava de sua inteira confiança.
Dias depois, como acabaria por revelar as ações coordenadas executadas pela PF, sob monitoramento do MPF, Loures e Saud se encontram em São Paulo e combinam os termos da entrega do dinheiro, posteriormente flagrada em filmagens constantes do relatório parcial levado a Fachin. Segundo a investigação, propina seria uma contrapartida pela defesa de interesses do Grupo J&F, controlador da JBS, junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Cheque nominal
Na noite desta segunda-feira (20), quase no mesmo instante que a PF entregava seu relatório parcial ao STF, o canal fechado Globonews veiculou uma reportagem afirmando ter tido acesso a cópias de cheques da empreiteira OAS e da JBS – ambas enredadas no bilionário esquema de corrupção que saqueou a Petrobras –, de R$ 500 mil cada, movimentados na campanha eleitoral que reelegeria Temer na chapa com a ex-presidente Dilma Rousseff – a mesma chapa absolvida por quatro votos a três no Tribunal Superior Eleitoral, no polêmico julgamento concluído em 9 de junho, depois de quase quatro anos desde seu início, a pedido do PSDB.
Um dos cheques é fruto de propina e financiou, segundo o MPF, a campanha Henrique Eduardo Alves (PMDB) ao Governo do Rio Grande do Norte. Ex-presidente da Câmara, o peemedebista, que exerceu 11 mandatos como deputado federal, é apontado como um dos beneficiários de esquemas de corrupção comandados pelo grupo do partido que reunia, entre outros nomes, Cunha, Loures e o próprio Temer. Sob acusação de ter recebido suborno, Henrique Alves está preso desde 6 de junho, após diligências da Operação Manus, desdobramento da Lava Jato – apura corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro na construção da Arena das Dunas, em Natal.
“Segundo o MPF, parte da propina paga a Henrique Alves veio da OAS. O dinheiro, entretanto, foi depositado não na conta de Henrique Alves, na época candidato do Governo do Rio Grande do Norte, mas sim na conta do então vice-presidente da República, Michel Temer. No pedido de prisão de Alves, o Ministério Público afirma que R$ 500 mil em propina passaram pela conta de Temer antes de chegarem ao Diretório Regional do PMDB no Rio Grande do Norte. Além dos R$ 500 mil vindos da OAS por meio de Temer, Henrique Alves também recebeu do então vice-presidente outros R$ 50 mil vindos da JBS. Nesse caso, entretanto não há manifestação do Ministério Público sobre se esse recursos seriam ilícitos ou não”, diz trecho da reportagem narrada por Natuza Nery, que a assina com o jornalista Léo Arcoverde (veja no vídeo).
“O complicado no caso do dinheiro vindo da OAS é porque a gente consegue mostrar que, de fato, a campanha do então candidato à reeleição na Vice-Presidência da República fez um cheque e o transferiu para a conta de Henrique Eduardo Alves […]. No caso da JBS, ainda não existe manifestação do Ministério Público sobre se esse dinheiro é ilícito ou não. Mas há, nos casos que nós vimos, um modus operandi muito parecido”, afirma a própria Natuza, em comentário após a exibição da reportagem. Ela acrescenta que o maior montante dos recursos de campanha de Temer (R$ 6 milhões) teve origem na JBS, enfraquecendo o discurso de que o governo não tinha uma relação estreita com o grupo empresarial.
Leia também:
Decisão do STF sobre prisão de Aécio e investigação de Temer tiram foco das votações no Congresso