Caso se confirme, uma questão de ordem a ser apresentada pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão plenária desta quarta-feira (21) terá sido o clímax de uma tensão crescente na corte diante da iminência da prisão do ex-presidente Lula, que pode sair já na próxima semana. O magistrado, que tem fama de ser “voto vencido” por constituir minoria em muitos julgamentos, é relator de duas ações que questionam a constitucionalidade da prisão depois de condenação em segunda instância – caso de Lula, sentenciado a 12 anos e um mês de cadeia. Imbuído de sua tendência a divergir, Marco Aurélio pode jogar a fagulha definitiva no ambiente cada vez mais inflamável do Supremo.
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Segundo o regimento interno do STF, a apresentação da questão de ordem, instrumento por meio do qual discussões técnicas são levantadas, implica votação de plenário, com máximo de 11 votos – o regimento também prioriza a análise de habeas corpus, independentemente da pauta pré-definida, caso o investigado esteja preso ou em vias de ser preso. Caso a demanda de Marco Aurélio seja aprovada pela maioria do pleno, ou seja, caso ao menos seis ministros considerem pertinente a reanálise sobre a prisão já na segunda instância, ela deverá ser incluída na pauta de julgamentos já na próxima sessão plenária, segundo ministros dispostos a rediscutir o assunto. A possibilidade foi publicada em primeira mão pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, na noite desta terça-feira (20). A jornalista informa ainda que Marco Aurélio quis levantar a questão de ordem na semana passada.
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Presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia, voluntária ou involuntariamente, tem tido papel fundamental na manutenção da alta temperatura no fórum máximo do Judiciário. Nos últimos dias, a magistrada tem repetido enfaticamente, em veículos de imprensa com grande alcance nacional, que não cede às pressões dos interessados na retomada do julgamento. E, nesse sentido, tem contrariado ao menos cinco ministros do Supremo, de um total de 11, que se posicionam contra a antecipação da pena. Diante das pressões para que paute o assunto diante da excepcionalidade do caso (primeira prisão de um ex-presidente), Cármen tem dito não ver razões para a providência.
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Ex-procuradora-geral do Estado de Minas Gerais, Cármen protagonizou um desencontro que traduz o estado de tensão do STF às portas da prisão de Lula. Como foi amplamente noticiado nos últimos dias, os 11 ministros da corte deveriam ter se reunido informalmente com Cármen ontem (terça, 20), por sugestão do decano do tribunal, Celso de Mello. Mas a ministra não convidou sequer um colega para o encontro – que, por óbvio, não se deu por falta de convidados. Ela alegou, por meio de sua assessoria de imprensa, não ter ficado claro, depois do acerto da reunião com Celso, que lhe caberia a tarefa de convocar os pares para a conversa.
Nesta terça-feira (20), Celso de Mello reafirmou que a sugestão para a reunião foi feita e acatada por Cármen na última quarta-feira (14), no gabinete dele. “Se não houve convite por parte da presidência, isso significa que ela não se mostrou interessada”, lamentou o decano, para quem o encontro teria servido para evitar uma “cobrança inédita” sobre a colega de toga, acerca da prisão após segunda instância, caso uma questão de ordem viesse a ser apresentada.
“Isso nunca aconteceu na história do Supremo. Ao menos nos quase 29 anos em que estou aqui. É para evitar um constrangimento inédito que se sugeriu – e a presidente aceitou – esse encontro que manteve comigo, com o ministro [Luiz] Fux. Ambos estiveram no meu gabinete quarta-feira [14] à noite”, afirmou Celso de Mello a jornalistas que cobrem o STF. Questionado se poderia ser ele a formular tal questão de ordem, o decano desconversou. “Não sei. Vamos aguardar amanhã.”
Ironicamente, Cármen é ministra do STF desde junho de 2006 por indicação de Lula, a quem pode julgar em breve. Além disso, é prima de terceiro grau do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence, que agora defende o petista nos tribunais superiores. Sepúlveda era o decano do Supremo naquele ano, quando a parente apenas iniciava sua trajetória na corte. Ambos se reuniram em 14 de março último (foto abaixo), no gabinete de Cármen no STF, em visita oficial que constava da agenda da ministra – ao contrário da ocasião em que foi ela foi anfitriã, em sua casa em Brasília, do presidente Michel Temer (MDB), alvo de dois inquéritos suspensos e dois ativos no Supremo.
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Artigo 5º
Cabe a Cármen, como presidente do STF, organizar a pauta de matérias a serem analisadas no pleno. Decidida a não pautar o tema da vez, a ministra tem recebido críticas de juristas, de setores da advocacia e de parlamentares, para quem é responsabilidade do Supremo se posicionar como Poder moderador quando questões de extrema importância se apresentem. Ante à possibilidade de inédita prisão de um ex-presidente da República, opositores da antecipação da pena consideram um erro grave a reinterpretação do conceito de presunção de inocência em detrimento do dispositivo constitucional pertinente (artigo 5º, inciso 57 da Carta Magna).
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diz a norma vigente no Título I (“Dos direitos e garantias fundamentais”).
Ao menos um ministro, Gilmar Mendes, já anunciou que irá modificar seu voto anterior, proferido em 17 de fevereiro de 2016, de modo a reverter o placar final no sentido de que se aguarde ao menos o recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes que uma pessoa comece a cumprir pena. Em via contrária, a ministra Rosa Weber, que votou contra a antecipação da pena, já sinalizou disposição em votar diferentemente.
Alexandre de Moraes, o novato do Supremo, pode decidir a questão, pois não participou da votação daquele ano. Além de Gilmar Mendes, votaram a favor do cumprimento da pena antes do fim de todos os recursos os ministros Teori Zavascki (morto em 2017 e substituído por Moraes), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux. De maneira oposta votaram, além de Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. No julgamento anterior, Dias Toffoli abriu uma via de interpretação ao defender a prisão após a terceira instância, ou seja, após esgotadas as possibilidades de recurso no STJ.
E, nesse contexto de reinterpretação da Constituição, foi o ex-ministro Sepúlveda quem enxergou mais uma maneira de evitar a prisão de Lula – que, caso se confirmem as previsões na reta final de seu caso em segunda instância, será decretada já na próxima semana. Cármen Lúcia negou a inclusão do pedido de habeas corpus preventivo de Lula nas pautas de março e abril, mas seu primo de terceiro grau descobriu algo que pode mudar os rumos do processo: não havia sido publicado até 7 de março o acórdão (formalização do trânsito em julgado) em que o STF decidiu, em liminar de outubro de 2016, pela autorização de prisão em segunda instância. Nesse caso, nos termos da lei, a apresentação de um embargo de declaração obrigaria o reexame da decisão.
Com a publicação do acórdão há apenas duas semanas, abriu-se o prazo de cinco dias úteis para interposição de recursos. E assim foi feito: no último dia do prazo, o Instituto Ibero Americano de Direito Público ajuizou o embargo de declaração que enseja uma nova análise do caso, com possibilidade de postergação dessa deliberação e impedimento para a prisão de Lula. Assim, mesmo que Cármen não paute a discussão da prisão em segunda instância, qualquer ministro do STF pode se valer da previsão regimental sobre a prioridade do habeas corpus, a despeito da pauta, e provocar uma decisão pelo conjunto do pleno.
Roda Viva
A semana é ainda mais decisiva no STF também em função de outro tribunal. Está previsto para a próxima segunda-feira (26) o julgamento final do caso Lula no Tribunal Regional Federa da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS), o mesmo que aumentou a pena imposta ao petista pelo juiz Sérgio Moro na primeira instância (nove anos e seis meses para 12 anos e um mês). É provável que os magistrados do TRF-4 neguem deferimento para os últimos embargos apresentados pela defesa de Lula, o que abriria caminho para a decretação de prisão do ex-presidente. Mas esta e as demais possibilidades dependem da eventual apresentação da questão de ordem nesta quarta-feira (21).
Cabe mencionar uma curiosidade a respeito da eventual prisão de Lula. Caso não haja questão de ordem e o STF siga sem reexaminar a prisão em segunda instância, caberá a Sérgio Moro, juiz original do caso e responsável pela Operação Lava Jato em Curitiba (PR), decretar a prisão do cacique petista. Segundo os desembargadores do TRF-4, a ordem de prisão pode ser emitida tão logo seja proclamado o resultado do julgamento do dia 26, em caso de rejeição dos últimos recursos.
Em ministra-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República entre 2010 e 2014, no primeiro governo Dilma Rousseff, a jornalista Helena Chagas lembrou em artigo veiculado ontem (terça, 20) que Moro participará, em transmissão ao vivo, do tradicional programa Roda Viva, da TV Cultura, naquele mesmo dia 26. A emissora, em um dia que poderá ser histórico, poderá ter transmitido a primeira entrevista de Moro depois da eventual decretação de prisão de Lula – um “escárnio” para os aliados do ex-presidente, mas “uma festa para os xerifes da Lava Jato”, nas palavras de Helena.
“O tempo parece estar passando ainda mais rapidamente no STF, que só teria até esta sexta [23] para tomar alguma decisão em tese sobre a determinação da prisão em segunda instância. Mas a Corte está dividida e perplexa com a resistência de sua presidente, Cármen Lúcia, perante os holofotes da mídia, em colocar o tema em pauta. Mal-estar é pouco para definir o clima hoje no STF. É por aí que os bombeiros vão tentar fazer a única coisa que sabem: jogar água fria. Dentro e fora do STF, a começar pelo TRF-4. Ninguém vai se surpreender se os embargos de Lula não forem julgados no dia 26, ao contrário do que se espera”, registra a ex-ministra em seu site, Os Divergentes.
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