Depois de dois anos de debates, nem sempre produtivos, o Governo do Distrito Federal conseguiu viabilizar uma grande mudança na gestão da saúde pública local. Em votação confusa, a Câmara Legislativa aprovou, por 13 a 9, a criação do Instituto Hospital de Base do Distrito Federal (IHBDF), sob a forma de um “serviço social autônomo, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública”.
A pouco usual natureza jurídica da entidade é a chave para muitos dos atrativos do modelo propagandeados pelo GDF: autonomia financeira, processos mais rápidos de compra de medicamentos (sem licitação), mais opções para contratação de mão de obra. Nas palavras do secretário de Saúde, Humberto Fonseca, o governo dispõe agora de “uma ferramenta de gestão mais moderna”.
A expectativa é de que o Hospital de Base comece a funcionar como IHBDF em janeiro de 2018. Como os recursos públicos destinados ao hospital, mediante contrato de gestão, devem permanecer no montante gasto de modo direto atualmente (R$ 550 milhões por ano), na prática, o que se promete, no novo modelo, é fazer mais com o mesmo.
Sem entrar em detalhes exóticos do formato proposto pelo GDF e aprovado pela CLDF, como a possibilidade de cessão de servidores para entidade não pertencente à administração pública, o que chama a atenção é a falta de instrumentos para a própria sociedade avaliar o cumprimento ou não da promessa feita.
O projeto aprovado pela CLDF prevê, como enfatiza o secretário, a supervisão da execução do contrato de gestão pela Secretaria de Saúde e a fiscalização pelo Tribunal de Contas do DF – o que, aliás, não poderia ser diferente já que há transferência de recursos públicos.
O texto, porém, não menciona nenhum mecanismo concreto de transparência.
A única referência a controle social – a fiscalização cidadã exercida diretamente pela sociedade – é a possibilidade de o Conselho de Saúde fazer recomendações de “medidas que julgar necessárias para corrigir falhas ou irregularidades”. Por emenda feita na CLDF, foi acrescentada, como uma das diretrizes de atuação do IHBDF, a “participação social”. E só.
Não existe, por exemplo, determinação para que relatórios, balanços, processos de compras e contratações sejam disponibilizados num site ou no Portal da Transparência do DF. Fica no ar, assim, imaginar como o Conselho de Saúde e qualquer outra entidade ou pessoa terão acesso às informações necessárias para identificar falhas ou irregularidades.
A adoção de um novo modelo de gestão na saúde causou discussões acaloradas nos últimos dois anos. De um lado a ênfase na necessidade de melhorar e no potencial de ferramentas “mais modernas”; do outro a preocupação com a ausência de controles típicos da administração pública.
Para a população que usa o Hospital de Base e todas as outras unidades de saúde do DF, o que interessa é muito anterior a discussões filosóficas, disputas (pseudo)ideológicas ou corporativismos. O que as pessoas querem é ter seu direito à saúde atendido com mais qualidade, segurança e respeito.
Mas nem por isso a administração pública pode se prestar a ilusões. Em outros estados e municípios, tiveram destaque nos últimos anos “casos de sucesso” na adoção de novos modelos de gestão na saúde, principalmente com a participação de Organizações Sociais, que logo em seguida se revelaram grandes esquemas com todo tipo de desvios e malfeitos. Por vezes, melhoras na superfície escondiam verdadeiros sumidouros de recursos públicos, que certamente fizeram falta em outras áreas.Até por isso, o piloto de uma gestão mais moderna, no DF, deveria ser também o piloto de uma gestão mais transparente, a convidar a população a fiscalizar não apenas o serviço na ponta, como igualmente seus custos e práticas.
Há sempre a esperança de que a Secretaria de Saúde, o TCDF e outros órgãos públicos cumpram seu dever, identificando, apontando e corrigindo, imediatamente, qualquer falha, até, se necessário, com a eventual rescisão do contrato de gestão (que pode valer por até 20 anos). Na verdade, a maior esperança agora é a de que o modelo funcione, oferecendo melhores serviços de saúde com menor gasto proporcional.
Ocorre que diferentemente da frase eternizada por um anúncio da década de 1990 – la garantia soy yo – já é hora de o governo entender que ninguém aguenta mais promessas e garantias personalistas. Um modelo sem transparência, a despeito de todo otimismo professado, começa mal.
A transparência não é fim em si mesmo; é instrumento para que, sempre que estiverem envolvidos recursos públicos e direitos básicos da população, a garantia sejamos todos nós.
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Hospital de Base: modelo começa mal sem transparência
Depois de dois anos de debates, nem sempre produtivos, o Governo do Distrito Federal conseguiu viabilizar uma grande mudança na gestão da saúde pública local. Em votação confusa, a Câmara Legislativa aprovou, por 13 a 9, a criação do Instituto Hospital de Base do Distrito Federal (IHBDF), sob a forma de um “serviço social autônomo, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública”.
A pouco usual natureza jurídica da entidade é a chave para muitos dos atrativos do modelo propagandeados pelo GDF: autonomia financeira, processos mais rápidos de compra de medicamentos (sem licitação), mais opções para contratação de mão de obra. Nas palavras do secretário de Saúde, Humberto Fonseca, o governo dispõe agora de “uma ferramenta de gestão mais moderna”.
A expectativa é de que o Hospital de Base comece a funcionar como IHBDF em janeiro de 2018. Como os recursos públicos destinados ao hospital, mediante contrato de gestão, devem permanecer no montante gasto de modo direto atualmente (R$ 550 milhões por ano), na prática, o que se promete, no novo modelo, é fazer mais com o mesmo.
Sem entrar em detalhes exóticos do formato proposto pelo GDF e aprovado pela CLDF, como a possibilidade de cessão de servidores para entidade não pertencente à administração pública, o que chama a atenção é a falta de instrumentos para a própria sociedade avaliar o cumprimento ou não da promessa feita.
O projeto aprovado pela CLDF prevê, como enfatiza o secretário, a supervisão da execução do contrato de gestão pela Secretaria de Saúde e a fiscalização pelo Tribunal de Contas do DF – o que, aliás, não poderia ser diferente já que há transferência de recursos públicos.
O texto, porém, não menciona nenhum mecanismo concreto de transparência.
A única referência a controle social – a fiscalização cidadã exercida diretamente pela sociedade – é a possibilidade de o Conselho de Saúde fazer recomendações de “medidas que julgar necessárias para corrigir falhas ou irregularidades”. Por emenda feita na CLDF, foi acrescentada, como uma das diretrizes de atuação do IHBDF, a “participação social”. E só.
Não existe, por exemplo, determinação para que relatórios, balanços, processos de compras e contratações sejam disponibilizados num site ou no Portal da Transparência do DF. Fica no ar, assim, imaginar como o Conselho de Saúde e qualquer outra entidade ou pessoa terão acesso às informações necessárias para identificar falhas ou irregularidades.
A adoção de um novo modelo de gestão na saúde causou discussões acaloradas nos últimos dois anos. De um lado a ênfase na necessidade de melhorar e no potencial de ferramentas “mais modernas”; do outro a preocupação com a ausência de controles típicos da administração pública.
Para a população que usa o Hospital de Base e todas as outras unidades de saúde do DF, o que interessa é muito anterior a discussões filosóficas, disputas (pseudo)ideológicas ou corporativismos. O que as pessoas querem é ter seu direito à saúde atendido com mais qualidade, segurança e respeito.
Mas nem por isso a administração pública pode se prestar a ilusões. Em outros estados e municípios, tiveram destaque nos últimos anos “casos de sucesso” na adoção de novos modelos de gestão na saúde, principalmente com a participação de Organizações Sociais, que logo em seguida se revelaram grandes esquemas com todo tipo de desvios e malfeitos. Por vezes, melhoras na superfície escondiam verdadeiros sumidouros de recursos públicos, que certamente fizeram falta em outras áreas.
Até por isso, o piloto de uma gestão mais moderna, no DF, deveria ser também o piloto de uma gestão mais transparente, a convidar a população a fiscalizar não apenas o serviço na ponta, como igualmente seus custos e práticas.
Há sempre a esperança de que a Secretaria de Saúde, o TCDF e outros órgãos públicos cumpram seu dever, identificando, apontando e corrigindo, imediatamente, qualquer falha, até, se necessário, com a eventual rescisão do contrato de gestão (que pode valer por até 20 anos). Na verdade, a maior esperança agora é a de que o modelo funcione, oferecendo melhores serviços de saúde com menor gasto proporcional.
Ocorre que diferentemente da frase eternizada por um anúncio da década de 1990 – la garantia soy yo – já é hora de o governo entender que ninguém aguenta mais promessas e garantias personalistas. Um modelo sem transparência, a despeito de todo otimismo professado, começa mal.
A transparência não é fim em si mesmo; é instrumento para que, sempre que estiverem envolvidos recursos públicos e direitos básicos da população, a garantia sejamos todos nós.
*Rodrigo Chia
Vice-presidente do Observatório Social de Brasília, presidente do Conselho de Transparência e Controle Social do DF, membro da Comissão de Combate à Corrupção da OAB/DF e empreendedor cívico da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps).
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