A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, nesta quarta-feira (26), a proposta de emenda à Constituição (PEC 10/2013) que acaba com o foro privilegiado para todas as autoridades suspeitas de terem cometido crime comum. Caso a mudança constitucional seja confirmada pelo plenário da Câmara, políticos, procuradores, juízes e outras figuras públicas que gozam atualmente da prerrogativa de serem julgados por tribunais específicos passarão a ter seus casos examinados pela primeira instância. A mudança não vale para qualquer tipo de crime, como os de responsabilidade e outros que só podem ser cometidos por funcionários públicos.
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Veja o relatório da proposta que acaba com o foro privilegiado
A votação foi solicitada pelos integrantes da CCJ logo após a aprovação do projeto que tornou mais rígidas as regras para os crimes de abuso de autoridade. A sugestão foi feita pelo líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos principais investigados na Operação Lava Jato. Relator da proposta, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) aceitou manter o foro privilegiado apenas para os chefes dos poderes, os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os integrantes da CCJ também entraram em acordo para acelerar a votação da PEC no plenário, por meio de um calendário especial, já que não há o expediente do regime de urgência para emendas constitucionais. Alguns senadores defenderam que a votação da proposta, em primeiro turno, seja feita ainda hoje no plenário. “Seria um dia histórico para o Senado”, disse Renan.
Antes do STF
Os parlamentares alegaram que é preciso aprovar a mudança constitucional com urgência para se antecipar ao Supremo, que deve julgar no começo de maio uma ação que pode resultar no fim do foro privilegiado. Senadores da base aliada e da oposição deixaram de lado as divergências políticas e ideológicas e aprovaram o texto, em votação simbólica – aquela em que os parlamentares permanecem como se encontram para manifestar voto favorável – sem qualquer registro de divergência. Roberto Rocha (PSB-MA) pediu que a comissão analisasse seu relatório, que previa a criação de varas especializadas para julgar ações contra determinadas autoridades. Mas o pedido dele foi rejeitado.
O relator estima em 38 mil o número de autoridades que possuem algum privilégio de foro por conta do cargo que ocupam, como governadores, prefeitos, conselheiros de tribunais de contas e integrantes do Ministério Público ou do Judiciário. Nesses casos, o foro vai do Tribunal de Justiça ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo.
Veja o foro das autoridades no Brasil:
– Presidente da República, ministros de Estado e dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União (TCU), o procurador-geral da República e embaixadores são julgados pelo STF;
– Governadores são julgados, em crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), assim como desembargadores dos tribunais de Justiça, membros de tribunais de contas estaduais e municipais, além de integrantes de tribunais regionais (TRF, TRT, TRE, etc);
– Juízes militares, federais, do Trabalho e procuradores da República são julgados pelos tribunais regionais federais (TRF);
– Prefeitos e integrantes do Ministério Público também possuem foro privilegiado.
Impunidade
Para Randolfe Rodrigues, a prerrogativa de foro virou abrigo para autoridades que tentam fugir da Justiça. “É notório que restou ultrapassada a ideia de que o foro por prerrogativa de função serviria para proteger o cargo, não o seu ocupante. O que se observa, ao contrário, é que muitas pessoas buscam o mandato eletivo justamente para fugir das instâncias ordinárias da Justiça, conduta francamente reprovável”, criticou em seu parecer.
Na avaliação dele, o fim do foro virou sinônimo de impunidade. “Hoje o foro especial é visto pela população como verdadeiro privilégio odioso, utilizado apenas para proteção da classe política – que já não goza de boa reputação -, devido aos sucessivos escândalos de corrupção. Oportuno e conveniente, portanto, modificar as regras vigentes, no que tange ao foro privilegiado”, acrescentou.
Em seu relatório, Randolfe destaca levantamento da Revista Congresso em Foco que mostrou que mais de 500 parlamentares haviam sido acusados de crimes no Supremo até 2014. Conforme mostrou este site, antes mesmo da divulgação da lista dos novos investigados na Lava Jato, um em cada três congressistas estava respondia a acusações criminais no STF.
Morosidade
A morosidade é o principal argumento utilizado pelos defensores do fim do foro privilegiado. Randolfe argumenta que os processos – hoje restritos a um número restrito de ministros dos tribunais superiores e desembargadores – poderão ser julgados por mais de 16 mil juízes. Segundo ele, o atual modelo favorece a prescrição de crimes e a impunidade. “É notório que restou ultrapassada a ideia de que o foro por prerrogativa de função serviria para proteger o cargo, não o seu ocupante. Muitas pessoas buscam o mandato eletivo justamente para fugir das instâncias ordinárias da Justiça, conduta francamente reprovável”, observa. De acordo com o relator, o foro especial é visto pela população como “verdadeiro privilégio odioso”, utilizado apenas para a proteção da classe política.
Pela proposta, as autoridades manterão o foro por prerrogativa de função nos crimes de responsabilidade, aqueles cometidos em decorrência do desempenho do cargo público, como os cometidos contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do país, a probidade na administração; a lei orçamentária, o cumprimento das leis e das decisões judiciais, entre outros.
Sinônimo de impunidade
Para Alvaro Dias, autor da PEC, não há justificativa para o foro privilegiado no caso de crime comum cometido por autoridade. Com a eventual mudança na Constituição, deputados e senadores condenados em segundo grau, nas infrações comuns, estarão sujeitos à prisão – a exemplo dos demais brasileiros. Atualmente eles são julgados pelo Supremo e só podem ser presos após condenação definitiva dessa corte. Com a PEC, também acabará a possibilidade de a Câmara ou Senado sustar o andamento de ação penal contra parlamentares.
A proposta mantém a exigência de autorização da Câmara, por dois terços de seus membros, para a admissão do julgamento do presidente da República. Entretanto, permite que ele seja julgado por um juiz de primeiro grau, nos crimes comuns. O julgamento por crime de responsabilidade continua a ser feito pelo Senado.
O texto prevê a suspensão do presidente da República de suas funções, nas infrações penais comuns, a partir do momento do recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo juiz competente. No caso de crime de responsabilidade, a suspensão só ocorre após a instauração do processo pelo Senado.
A PEC ainda elimina a competência originária dos tribunais de justiça estaduais para processar e julgar, nos crimes comuns, juízes estaduais, promotores e procuradores de Justiça. Quando forem acusados de crimes comuns, serão julgados na primeira instância. Seguirá com esses tribunais, porém, a competência privativa de julgá-los nos crimes de responsabilidade.
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