Segundo Miriam, as transferências foram feitas por meio de contrato fictício de trabalho celebrado em dezembro de 2002 e com validade de quatro anos. A contratante que aparece nos registros da contratação é a empresa Eurotrade Ltd., cuja sede a Brasif mantém nas Ilhas Cayman.
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De acordo com o contrato, a jornalista Mirian, ex-funcionária da Rede Globo de Televisão, ficaria responsável por executar “serviços de acompanhamento e análise do mercado de vendas a varejo a viajantes”, além de fazer prospecções “tanto em lojas convencionais como em duty free shops e tax free shops” em países europeus. Tais informações deveriam ser repassados à Brasif, que naquela época explorava free shops – lojas com isenção de impostos – em aeroportos brasileiros.
Segundo o jornal paulista, FHC admitiu ter bancado Mirian e Tomás em países da Europa e possuir contas bancárias no exterior, mas disse que não usou a estrutura da Brasif para sustentar os dois.
Em outra entrevista, desta vez concedida à jornalista Fernanda Sampaio, da revista BrazilcomZ, Mirian também detalha a operação midiática que teria sido promovida à época para blindar FHC em meio ao surgimento do caso extraconjugal de seis anos. No relato, registra-se a ação da TV Globo em mandar Mirian a Portugal e a entrevista publicada pela revista Veja com a versão de que seu filho era fruto do relacionamento com um biólogo. Às vésperas da corrida presidencial de 1994, quando o tucano se elegeu presidente pela primeira vez, veículos de imprensa investigaram o caso envolvendo o então candidato, mas a história não repercutiu e pouco foi publicado a respeito.
Serviço não prestado
Apesar das designações de função postas em contrato, Mirian afirma que “jamais pisou” em uma loja, duty free ou não, para trabalhar. Ela declarou ainda que a remuneração mensal acertada no contrato, de US$ 3 mil, serviu para complementar a renda familiar.
“Eu trabalhava na TV Globo e tive um corte de 40% no salário em 2002. Me pagavam US$ 4 mil. Eu estava superendividada, vivia de cartão de crédito e fazendo empréstimo no banco. Me arrumaram esse contrato para pagar o restante”, declarou a jornalista, segundo a Folha, acrescentando que o acerto foi mediado pelo também jornalista e lobista Fernando Lemos, que foi casado com Margrit Dutra Schmidt, irmã de Mirian.
“Ele [Fernando Lemos] disse que tinha de arrumar um jeito de melhorar a minha vida financeira, já que eu tinha uma hipoteca [de apartamento comprado em Barcelona, Espanha] e a Globo tinha cortado meu salário”, acrescenta a jornalista.
Mirian afirmou também que o dinheiro enviado ao exterior era de FHC, e não da Brasif. “Ele me contou que depositou US$ 100 mil na conta da Brasif no exterior, para a empresa fazer o contrato e ir me pagando por mês, como um contrato normal. O dinheiro não saiu dos cofres da Brasif e sim do bolso do FHC”, revela Mirian.
O esquema de repasses ao exterior foi confirmado pelo empresário Jonas Barcellos, dono da Brasif, que no entanto nega conhecer detalhes do acordo. “Tem alguma coisa mesmo, sim. Eu só não sei se era contrato. Vou fazer um levantamento na empresa para esclarecer tudo”, avisou Jonas, que disse estar em Aspen (EUA) e voltará ao Brasil na próxima semana.
DNA
Nas décadas de 1980 e 1990, quando FHC despontou nacionalmente na política, ele e Mirian tiveram um caso extraconjugal – o ex-presidente sempre foi casado do Dona Ruth Cardoso (1930-2008). Na época, Mirian engravidou e, desde então, rumores sobre a possibilidade de o ex-presidente ser o pai da criança se multiplicaram. Há mais ou menos 30 anos, um filho fora do casamento poderia significar uma ameaça aos planos de ascensão do tucano à Presidência da República.
Embora não tenha registrado Tomás, FHC diz manter relação de pai para filho com ele, e garante sempre ter ajudado no sustento do rapaz no exterior. Em 2009, a Folha revelou que o tucano quis reconhecer a paternidade na Espanha, onde Mirian e Tomás viviam. Mas dois exames de DNA, ambos contestados pela jornalista, não reconheceram FHC como pai de Tomás.
O que, segundo FHC, nada mudou em sua relação com o filho de Mirian. “Eu sempre cuidei dele”, declarou o tucano ao jornal em 2009.
Reprise
O caso se assemelha àquele que ainda hoje ameaça o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na Justiça. Como este site tem mostrado desde o surgimento da denúncia, em 2009, Renan é acusado de ter desviado dinheiro da verba indenizatória para custear despesas pessoais. Na época, o lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior (empresa investigada na Operação Lava Jato), pagava R$ 16,5 mil mensais à jornalista Mônica Veloso, com quem o senador tem uma filha. Como mostrou a revista Veja, entre 2004 e 2006 a empreiteira recebeu R$ 13,2 milhões em emendas parlamentares de Renan destinadas a uma obra – feita pela empresa – no porto de Maceió.
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