Iniciadas em 2009 e ultimamente esquecidas em meio a idas e vindas burocráticas, as investigações sobre a chamada “farra das passagens” de parlamentares foram reativadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Série de reportagens que rendeu prêmios diversos ao Congresso em Foco, entre eles o Esso daquele ano, o caso revelou a verdadeira festa com dinheiro público que deputados, senadores, ministros e ex-figurões da República faziam ao usar cotas de passagens áreas restritas a parlamentares, com uma série de restrições. Agora, a cerca de um mês e meio do fim de seu mandato à frente do Ministério Público Federal (MPF), Janot retomou as investigações e informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que vai instaurar “notícia de fato” (apuração preliminar interna) sobre o assunto, com o objetivo de esclarecer o envolvimento de 199 políticos no esquema.
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Entre os investigados estão senadores, deputados, ministros e ex-ministros de Estado ou do Tribunal de Contas da União, ex-parlamentares e demais figurões da República. De acordo com o vasto material a que este site teve acesso com exclusividade, pelo menos entre 2005 e 2009 as verbas reservadas para viagens aéreas, postas à disposição dos congressistas para deslocamento entre suas bases e Brasília, eram livremente usadas e negociadas (vendidas mesmo, em alguns casos) não só por parlamentares, mas também por servidores do Congresso.
Além disso, houve uma verdadeira festa em que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, ganhavam passagens aéreas de deputados ou senadores para viajar pelo Brasil ou pelo exterior, a maioria das vezes com cônjuges e familiares. Ou seja, a verba restrita aos congressistas era presenteada para amigos e parentes, sem qualquer critério ou controle por parte da Câmara e do Senado.
Antes do voo que fez com a esposa em um avião de Joesley Batista, delator da Operação Lava Jato que o gravou clandestinamente no Palácio do Jaburu, o presidente Michel Temer já havia admitido, em 2009, ter utilizado verba pública para fazer turismo com a família na Bahia, curiosamente o mesmo destino para onde ele foi na aeronave de Joesley. O caso foi relevado na época pelo Congresso em Foco justamente na série de reportagens sobre a farra das passagens aéreas. Na ocasião, Temer era o presidente da Casa e minimizou a denúncia, alegando que seu ato não era ilegal. Hoje, além da investigação da PGR, o peemedebista passou à história brasileira como o primeiro chefe de Estado a enfrentar denúncia por suspeita de corrupção cometida no exercício do mandato.
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Em novembro passado, Janot pediu e o STF arquivou alguns casos envolvendo deputados. Entre os que ficaram livres da acusação por peculato, estão o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), e os deputados Afonso Hamm (PP-RS), Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Dilceu Sperafico (PP-PR), todos eles investigados na Lava Jato. Os únicos punidos no episódio até agora foram servidores de gabinetes de deputados, que acabaram exonerados.
Em parecer sigiloso, de março de 2016, o procurador-geral dizia não ter encontrado indícios de que os parlamentares soubessem do esquema de desvio de recursos. Com base na recomendação, o ministro Teori Zavascki, morto em janeiro deste ano, determinou naquele mês o arquivamento do inquérito. Mas só no final do ano passado decisão veio à tona. Além de Aníbal, Hamm, Maranhão e Sperafico, também foram inocentados Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Darcísio Perondi (PMDB-RS), José Airton Cirilo (PT-CE), Júlio Delgado (PSB-MG), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Sérgio Moraes (PTB-RS), Valadares Filho (PSB-SE) e Zé Geraldo (PT-PA).
Nesse mesmo procedimento, a Procuradoria da República na 1ª Região denunciou 443 ex-deputados por peculato (desvio de dinheiro por agente público) e remeteu outros 212 nomes, estes com foro privilegiado, para análise do STF. Provocado por procuradores, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília, encaminhou ao STF em março a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, por suspeita de uso irregular das passagens aéreas concedidas pela Câmara. Um dos principais aliados de Temer, Moreira Franco era deputado federal à época dos fatos apurados. Também em março, o ministro do STF Luiz Fux, que relata o caso das passagens, entregou a Janot uma lista de investigados para que o PGR avaliasse se daria ou não curso à investigação dos políticos.
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Menos 13
Por meio do despacho ao STF, com data de 24 de julho, mas protocolado na última terça-feira (25), Janot informa ao ministro Fux que, daqueles 212 nomes remanescentes, 13 não goza de prerrogativa de foro especial. Por isso, como explica o documento, Janot solicitou a remessa dos indícios que pesam sobre investigados sem foro privilegiado ao TRF-1 e à Justiça Federal em Brasília.
O procurador-geral diz avaliar que, em relação aos restantes 199 investigados no STF, por enquanto não há nos autos indícios consistentes de ilícitos cometidos pelos políticos, bem como ainda não há como apurar, individual ou coletivamente, a eventual participação de cada deles em um mesmo procedimento investigatório. Diante das incertezas, diz Janot, faz-se “razoável uma apuração inicial no âmbito do Ministério Público”, ou seja, a instauração da notícia de fato sobre o caso.
“Apesar do registro pelas companhias aéreas de emissão de passagens em favor de terceiros, com utilização de verba das cotas de transporte dos parlamentares acima listados, não há nos autos informações suficientes sobre a efetiva participação e ilicitude da conduta dos investigados. Ademais, o grande número de investigados nesses autos, inviabiliza a apuração pormenorizada da conduta de cada um dos envolvidos, mostrando-se razoável uma apuração inicial no âmbito do Ministério Público Federal, a fim de esclarecer a ilicitude da conduta de utilização das verbas fora da autorização normativa e a efetiva participação dos parlamentares. […] Considerando o grande número de envolvidos e que o desmembramento do feito, para individualizar as condutas, causaria enorme transtorno ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-Geral da República requer o arquivamento da presente Petição, informando essa Corte, desde já, que será instaurada de Notícia de Fato no âmbito do Ministério Público Federal, para melhor esclarecimento dos fatos quanto à materialidade e autoria, para, se for o caso, em seguida, requer-se a instauração de inquérito”, escreve o procurador-geral.
O que houve?
A partir do dia 16 de março de 2009, o Congresso em Foco começou a mostrar ao país que deputados e senadores de todos os partidos, líderes de bancada, ministros, ex-parlamentares, integrantes da Mesa Diretora, todos usavam como queriam passagens aéreas pagas com dinheiro público. Até artistas de TV e cantores gospel foram transportados com a cota parlamentar, em uma verdadeira farra com o dinheiro público. Pelo menos 261 congressistas viajaram para o exterior em um determinado período.
As revelações continuaram. Um único parlamentar usou 40 bilhetes para viagens internacionais, todas para fins particulares. A descoberta de que o então presidente do STF, Gilmar Mendes, viajara com passagens custeadas pela Câmara abriu uma nova frente de apuração jornalística.
Gilmar apresentou extratos de cartão de crédito e comprovou ter pago os bilhetes. A revelação obrigou a Câmara a investigar o mercado paralelo de venda de créditos aéreos, com a participação de funcionários do Congresso, de agências de viagem e, segundo os indícios, parlamentares.
Forçada pelas revelações, a Mesa Diretora da Câmara tomou medidas para disciplinar o uso das passagens para o futuro. Uma comissão de sindicância na Câmara abriu processo contra 44 servidores e seis deputados passaram a ser investigados, um deles licenciado.
Alguns deputados devolveram o dinheiro gasto em viagens fora do exercício do mandato. Ao mesmo tempo, a cúpula do Congresso trabalhou para perdoar as irregularidades do passado. As viagens internacionais ficaram restritas na Câmara e proibidas no Senado. Proibidos também os voos a passeio e cujos passageiros são parentes dos parlamentares. As duas Casas determinaram mudanças nas regras, gerando uma economia anual de aproximadamente R$ 25 milhões para os cofres públicos.
Em virtude da grande quantidade de bilhetes emitidos para fins alheios ao trabalho parlamentar, Senado e Câmara determinaram a redução da cota de passagens aéreas. Os deputados tiveram corte de 20% no valor mensal para a emissão de bilhetes, enquanto a redução na cota dos senadores chegou a 25%.
Diante do volume de desmandos no gasto público, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou os fatos noticiados por este site como uma “afronta à moralidade administrativa”.
Leia a reportagem que deu início à série sobre a farra das passagens:
Adriane Galisteu e artistas viajam por conta da Câmara