De acordo com a ocorrência registrada na Polícia Civil à qual o Congresso em Foco teve acesso, o ex-congressista xingou a empresária em um evento patrocinado pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF) em 16 de março. O episódio ocorreu na inauguração de um painel do artista plástico mineiro Carlos Bracher na sede do Sinduscon.
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NR: em dezembro de 2015, a assessoria de Paulo Delgado enviou a seguinte nota ao Congresso em Foco: “O episódio já foi solucionado entre as partes por meio de acordo e sem litígio, tendo sido absolutamente superado, resultando em um acordo onde os envolvidos concordaram em não divulgar mais nenhum dado sobre o acontecimento”. O ex-deputado doou R$ 30 mil a uma instituição de caridade indicada pela vítima.
Pelo relato, ratificado por duas testemunhas, o ex-deputado e a jornalista foram acomodados em uma mesa com diversas pessoas. “Passado algum tempo, este [Paulo Delgado] comentou que estava reconhecendo-a da época em ele deputado federal e ela o entrevistava como jornalista. Ele comportou-se amistosamente, de modo que passaram a conversar. De repente, Paulo disse: ‘Você não presta e tem coisa muito ruim dentro de você. Veio só para fazer coisas ruins e deve ir embora [sic]”, diz o trecho da versão da vítima, transcrita na denúncia com outras três versões – a das testemunhas de acusação e a do ex-deputado.
Ofensas
O relato contém ofensas sexuais e palavrões. Segundo a denúncia, ele disse aos gritos que a empresária fazia sexo oral em “Lula”. Para a jornalista, o alvo da insinuação era o ex-presidente,companheiro de partido de Delgado. “Ele demonstrou muita mágoa com o ex-presidente”, afirmou. Ainda de acordo com a denúncia, Delgado afirmou que a empresária fazia sexo com uma amiga que a acompanhava no evento – uma jornalista que já trabalhou na empresa da vítima e que figura no processo como uma das testemunhas de acusação.
Em entrevista ao Congresso em Foco, a autora da denúncia disse que vai levar o caso adiante por considerar que se trata de machismo, uma vez que era a única mulher na mesa que não estava acompanhada por um homem. “Duvido que ele gritasse aquelas coisas horríveis comigo se tivesse um homem do meu lado”, disse à reportagem. Jornalista por formação e responsável por contratos de comunicação social, ela diz que não quer ter seu nome divulgado para não ficar “estigmatizada” no meio profissional.
A ocorrência foi registrada em 16 de março na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher do Distrito Federal e encaminhada em 10 de junho ao 2º Juizado Especial Cível e Criminal de Brasília e ao Ministério Público. A jornalista disse que não se fechou, nesse tempo, a uma retratação.
Embriaguez
No depoimento que prestou à Polícia Civil logo após as ofensas, Paulo Delgado admitiu estar embriagado e disse que tudo não passou de “brincadeira” mal interpretada. “[O acusado] declarou ‘que chegou ao evento, juntamente com sua esposa, por volta das 15h. […] Que segundo declarante, durante o evento, almoçou e ingeriu bebida alcoólica, e como estava entre amigos de longas datas, houve muitas brincadeiras apimentadas. […] Que o evento já estava no final, razão pela qual o declarante já estava um pouco embriagado. Que [a empresária] iniciou uma conversa sobre política, tendo o declarante, na tentativa de mudar o assunto, feito uma brincadeira com ela, dizendo: ‘Vamos parar com a conversa de política… O que importa é o seguinte… Você tem ou não um caso com essa menina?’”, diz trecho do documento registrado na Delegacia da Mulher.
O ex-deputado acabou indiciado por crimes contra a honra (difamação e injúria), com enquadramento nos artigos 139 (“Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”) e 140 (“Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”) do Código Penal. O primeiro crime implica pena de detenção de três meses a um ano, mais multa; o segundo, de um a seis meses, ou multa. Quem assina o indiciamento, com data de 1º de julho, é a delegada Carolina Nunes Carvalho Bernardes da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam).
O Congresso em Foco tentou, por e-mail e ligações telefônicas, conversar com o ex-deputado antes de publicar esta reportagem, mas não obteve retorno. O escritório de Delgado informou, na sexta-feira (22), que o ex-parlamentar estava em viagem e que não havia previsão sobre quando ele poderia ser contatado novamente. Recados foram deixados em seu número de celular. O espaço segue aberto para que o ex-deputado se manifeste a qualquer momento.
Brincadeiras
A empresária afirmou ao site que considerou, inicialmente, a possibilidade de um entendimento antes de levar o caso à Justiça. Mas resolveu partir para o litígio após a repercussão do episódio em seu núcleo profissional e pessoal e a insistência de advogados de renome, a pedido de Paulo Delgado, para que ela esquecesse o episódio mesmo sem uma retratação.
“Não quero mais fazer acordo. A gente já deu duas vezes a oportunidade para ele fazer acordo”, disse a empresária. Ela disse que Delgado deixou de comparecer às reuniões e fez restrições como pedir que ela mandasse por escrito que tipo de acordo gostaria de fazer. Sem avanço nas conversas, uma audiência ficou marcada para setembro com um juiz responsável, já no âmbito do processo judicial.
“Eu quero que ele seja condenado. Além do processo criminal, vamos abrir uma ação cível contra ele por danos morais. Para mim, não importa dinheiro [de eventual condenação]. Ele poderia ter saído de lá e ter atropelado uma pessoa, por exemplo, por estar bêbado ao volante. Só que, antes, ele me atropelou emocionalmente”, acrescentou a empresária.
Segundo a empresária, Delgado estava “muito agressivo” e aumentou progressivamente a virulência depois de cumprimentos e conversa sobre amenidades. Para ela, nada justifica o descontrole do ex-deputado. “Ele me disse, com todas as letras, que eu era podre e estragada, como todo jornalista, e que eu fui lá só para fazer o mal. Foi nessa hora que levantei da mesa”, disse. “Ele gritava e me xingava muito, e as pessoas ainda tinham pena dele!”
Ainda de acordo com a empresária, havia cerca de 20 pessoas na mesa do evento, no qual ela só ficou por algo em torno de meia hora. “Achei que aquilo tinha baixado o nível, e a partir dali só piorou a ofensa e a agressividade. Ninguém me pediu desculpa, e ainda fui aconselhada a deixar o local. Eu chorava e tremia tanto que não tinha condições de falar”, emendou a denunciante.
“Deixa disso”
Desde março, segundo relato da empresária, o assunto tem causado desconforto e impasses – como o fato de as testemunhas de acusação, bem como conhecidos em comum entre ela e o ex-deputado, evitarem ao máximo a exposição de seus nomes. Nesse contexto, disse, figuras famosas na cidade entraram em campo para apaziguar os ânimos.
Entre elas o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criminalista de políticos dos principais partidos do país. Kakay disse ao Congresso em Foco que tudo não passou de um “mal entendido” e que a empresária está levando o caso “a ferro e fogo” por ter ficado “muito indignada” com o ocorrido. O advogado fez a ressalva de que, embora tenha indicado um colega para o caso, não vai se envolver formalmente no processo. “Tentei fazer uma composição”, declarou.
“Tentei intermediar um acordo proporcional ao que aconteceu. Ele [Paulo Delgado] reconheceu que falou coisas que não deveria ter falado, e se arrependeu. Acho que a coisa tomou uma dimensão desproporcional em relação ao que ouvi”, lamentou o advogado.
A empresária mantém a convicção sobre a gravidade do episódio. “Foi muito ultrajante ouvir tantos palavrões, ofensas e palavras de baixo calão de um ex-deputado. Foi a situação mais humilhante que eu passei na minha vida. Fiquei quatro noites sem dormir depois disso”, relatou.
Experiência
Deputado por seis mandatos a partir da Constituinte (1987), Paulo Delgado foi um dos fundadores do PT em Minas Gerais. Apesar da ligação histórica, ele tem manifestado descontentamento com os rumos da legenda. Com longa trajetória partidária e parlamentar, foi secretário de Relações Internacionais do PT entre 2003 e 2004, e um dos vice-líderes da bancada na Câmara em 1989 e de 2002 a 2004. Condecorado com honrarias como a Medalha da Inconfidência, concedida pelo Governo de Minas Gerais, é sociólogo com pós-graduação em Ciência Política e professor universitário.
Autor de diversas publicações, compõe o Conselho Permanente de Educação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Delgado também integra o Conselho de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e coordena o escritório nacional do Centro de Integração Empresa Escola (Ciee).
Em sua página na internet, no resumo biográfico, Delgado registra que, entre outros feitos, é autor da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira. No site oficial da Câmara, há diversos registros de sua participação como ex-deputado em seminários e congressos sobre saúde mental.
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