A Reavel Revendedora e Locadora de Veículos Ltda. assinou contrato com seis deputados federais, entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2015, para locar veículos mesmo depois que a empresa teve suas atividades declaradas inativas, compulsoriamente, pela Secretaria de Fazenda de Salvador-BA, dez anos antes. A locadora recebeu quase R$ 180 mil de dinheiro público da verba indenizatória para locar seis veículos neste período de onze meses. Como comprovação da prestação do serviço, além dos contratos firmados com os deputados, a empresa emitiu notas fiscais de preenchimento manual, as mesmas que foram apresentadas pelos parlamentares à Câmara para que os gastos fossem integralmente ressarcidos. E o foram.
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Além da inativação compulsória da empresa – ato que, por si só, impediria que ela confeccionasse legalmente as notas fiscais emitidas aos deputados –, desde o dia 1º de novembro de 2010 esse tipo de documento fiscal foi extinto na capital baiana, por força da Portaria 083/2010, da Secretaria da Fazenda do município. Em seu lugar foi adotada a Nota Fiscal Eletrônica de Serviço (NFS-e), substituída três anos depois pela Nota Salvador, também de emissão eletrônica e ainda vigente.
Além das notas fiscais sem amparo na legislação atual e do fato de a Reavel estar inativa desde 2005, uma estranha combinação de datas, veículos locados e deputados federais adiciona ainda mais tempero a todo esse embrolho.
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Os deputados em exercício Francisco Floriano (PR-RJ), Sérgio Brito (PSD-BA) e João Carlos Bacelar (PR-BA), além de Marcos Medrado (SD-BA) e Maurício Trindade (PROS-BA), que deixaram a Câmara ao final da legislatura anterior (2011-2014), dividiram os mesmos veículos em períodos iguais. Os parlamentares contrataram a Reavel para locar carros em seus estados de origem e por eles pagaram, com dinheiro público, valores que variaram de R$ 2 mil a R$ 6,5 mil por mês e foram integralmente ressarcidos pela Câmara.
O deputado Francisco Floriano, apesar de ser do Rio de Janeiro, locou da empresa baiana, em setembro de 2014, um Ford Ecosport placa JQC-6007 (nota fiscal Nº 1209) que também foi alugado no mesmo mês pelo deputado Sérgio Brito (nota fiscal Nº 313). Os contratos mensais tinham duração de três meses – prazo máximo previsto pelas regras da Câmara – e chagaram a ser assinados em dia de feriado internacional, 1º de janeiro.
Em outubro de 2014, o mesmo veículo foi dividido por Francisco Floriano (nota fiscal Nº 1217) e Maurício Trindade (nota fiscal Nº 0315). No mês seguinte, novamente o Ecosport gerou ônus aos contribuintes. Dessa vez foram três os deputados que o locaram simultaneamente – novamente Francisco Floriano (nota fiscal Nº 1221), Sérgio Brito (nota fiscal Nº 1324) e Maurício Trindade (nota fiscal Nº 1323).
Mas nada superou o mês de janeiro de 2015
Além do veículo Ecosport locado ao mesmo tempo por Francisco Floriano (nota fiscal Nº 1225), Marcos Medrado (nota fiscal Nº 1347), Maurício Trindade (nota fiscal Nº 1330) e João Carlos Bacelar (nota fiscal Nº 1333), a Pick-up Nissan Frontier, placa OKJ-4643, também foi dividida entre os parlamentares acima, exceto Maurício Trindade, que preferiu alugar um Zafira e um Siena.
A locação de veículos por deputados federais e paga com o dinheiro público da verba indenizatória é regulamentada pelo Ato da Mesa 43/2009 da Câmara. Atualmente, cada um dos 513 deputados pode locar veículos em Brasília ou em seu estado de origem, para uso próprio ou de assessores. O limite de gasto mensal é de R$ 10,9 mil e não define marca, modelo e valor do veículo.
Essa mesma regulamentação prevê que a Câmara deve fiscalizar o uso da verba apenas no que diz respeito à regularidade fiscal e contábil da documentação comprobatória (notas e cupons fiscais), deixando a cargo do parlamentar a responsabilidade de assegurar que o contrato foi honrado pela empresa contratada e que tudo foi feito dentro da legalidade.
Nem um, nem outro
Se por um lado a Câmara não cumpriu sua única obrigação, que é a de checagem dos documentos entregues – ou seja, se eles foram emitidos em conformidade com a legislação fiscal –, também não o fizeram os próprios deputados – que por serem gestores públicos, devem observar os princípios legais ao contratar uma empresa, o que inclui se certificar de que ela está apta a servir ao Estado.
Além disso, como poderia um mesmo veículo ter sido alugado a cinco deputados ao mesmo tempo? Não se tratou de uma “vaquinha” em grupo para dividir também o valor da locação, e sim de locações simultâneas de um mesmo bem que certamente não foi utilizado por todos os que o contrataram.
De acordo com a Secretaria de Fazenda de Salvador, diligências feitas no endereço do estabelecimento não encontraram a empresa. Ainda segundo o órgão fiscalizador, foi aberta uma ação fiscal para apurar o caso, pois há indícios de fraude nos documentos fiscais emitidos aos deputados.
O outro lado
O deputado Francisco Floriano (PR-RJ) informou que devolveu à Câmara Federal o valor da locação tão logo identificou a ilegalidade em que operava a empresa, e que utilizou os veículos descritos nas notas fiscais. Mas, segundo apuração feita pela Operação Política Supervisionada (OPS), constatou-se que apenas as locações de janeiro, fevereiro e março de 2015 tiveram seus valores devolvidos aos cofres públicos.
A assessoria do deputado Sérgio Brito (PSD-BA) informou que também devolveu o dinheiro à Câmara por não ter recebido da locadora os documentos exigidos para a regularização do contrato. Disse ainda que desconhece qualquer irregularidade com as notas fiscais recebidas da Reavel e que os veículos, objetos do contrato, também foram utilizados no período do contrato.
A assessoria do deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) reconheceu a ocorrência de irregularidades e garantiu que o parlamentar baiano devolverá o valor das locações aos cofres públicos. Entretanto, até o momento não há informação sobre tal ressarcimento à Câmara.
Os ex-deputados Marcos Medrado e Maurício Trindade não foram encontrados para comentar o assunto.
Investigação
A Câmara dos Deputados, em nota, admite ser responsável por verificar a regularidade fiscal e contábil da documentação comprobatória da despesa. Informou ainda que “no momento em que se deu a análise da despesa por esta Coordenação (Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar – Cogep) os elementos técnicos disponíveis indicavam a plena satisfação dos requisitos legais […]”.
A análise realizada pela Câmara Federal limita-se a verificar a regularidade fiscal da empresa apenas junto à Receita Federal, desconsiderando assim qualquer outro impedimento legal que possa haver em nível estadual ou municipal. No caso específico da empresa Reavel, o seu cadastro foi automaticamente suspenso pela Secretaria de Fazenda do município de Salvador por não haver movimentação contábil no período de dez anos seguidos, fato que implica na impossibilidade de emissão de autorização para a confecção de notas fiscais de preenchimento manual, caso estas ainda fossem adotadas.
A Câmara informou ainda que vai apurar os casos envolvendo a utilização da verba indenizatória para pagamento à empresa Reavel e que, se for o caso, providenciará a recuperação dos valores reembolsados de forma indevida.
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