O ex-governador e deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) gastou R$ 392 mil da cota reservada aos parlamentares com gastos relacionados ao mandato com uma gráfica de fachada de Brasília. O chamado cotão é uma verba paga a deputados e senadores mediante reembolso para bancar inúmeras despesas sem licitação. Mas a Gráfica e Papelaria BSB, escolhida pelo peemedebista, não possui nenhuma impressora, bobina ou funcionário. O endereço da empresa é a residência do dono, uma casa simples no setor “P” Norte, de Ceilândia, cidade do Distrito Federal, no final de uma rua pavimentada, mas cercada por outras de terra.
Em entrevista ao Congresso em Foco, o dono da gráfica, o vendedor Edivaldo Francisco de Oliveira, disse que fez contato com uma pessoa de nome Samuel, genro do deputado Carlos Bezerra. Oficialmente, no entanto, Samuel não trabalha no gabinete.
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O dono da gráfica sem maquinário afirma que não tem sócio no negócio, apenas “terceiriza” o serviço. Edivaldo Oliveira não levanta a hipótese de que isso possa encarecer o preço. Ele também não revela quais seriam as verdadeiras gráficas que imprimiram os materiais gráficos. Segundo ele, os informativos e demais impressões foram efetivamente feitos.
Em três anos, Carlos Bezerra contratou a firma de Edivaldo 25 vezes, pagando de R$ 5 mil a R$ 30 mil por nota fiscal. A última foi em fevereiro. Bezerra apresentou à Câmara uma nota de R$ 20 mil para ser reembolsado pela impressão de 140 mil informativos em cores no tamanho de uma folha A4, comum em escritórios e papelarias. A nota não informa o número de páginas do informativo, se apenas duas ou quatro páginas. O gabinete de Bezerra não retornou os contatos do site para esclarecer se os produtos foram entregues e se os preços estavam na média de mercado.
A reportagem do Congresso em Foco solicitou a três gráficas de grande porte de Brasília um orçamento de 140 mil exemplares de um informativo semelhante ao indicado na nota fiscal apresentada por Bezerra. Em formato frente e verso, com apenas duas páginas cada, os preços foram especificados em menos da metade do informado pelo deputado à Câmara: R$ 7.980, R$ 8.106, R$ 9.940.
Com quatro páginas, uma das gráficas também ofereceu orçamento menor do que o pago pelo contribuinte para imprimir os impressos do deputado Carlos Bezerra: R$ 18.340.
Conferência
Ao menos nos registros da Receita Federal, a Gráfica BSB existe desde 2007. Edivaldo enfatizou que todos os materiais gráficos foram produzidos, entregues aos parlamentares e tiveram uma amostra conferida pela Câmara por meio do Núcleo de Controle da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar.
A assessoria da Câmara não comentou o caso específico da gráfica, nem informou se tomará alguma providência. A assessoria disse que a responsabilidade pela legalidade dos gastos é de cada gabinete, que é quem deve atestar a entrega dos produtos e serviços contratados. “Ao apresentar a nota fiscal e solicitar o reembolso, o parlamentar assina um ato”, diz a assessoria. Com esse documento, assume a “inteira responsabilidade” pela despesa. “A Câmara analisa a regularidade fiscal e contábil dos documentos (nota fiscal, cupom fiscal, recibo).”
Mas a Casa não analisa se a empresa existe de fato. Quem faz isso, diz a Câmara, são outros órgãos. “Quanto à fiscalização das empresas que contratam com o serviço público, em todos os municípios do país, ela é realizada pelos órgãos federais de controle externo.” Para facilitar o controle social, no mês passado, a Câmara começou a publicar em seu site os fac-símiles das notas e dos recibos.
Sem retorno
Há quase duas semanas, por telefone, o genro do deputado, Samuel, disse que conversaria sobre o assunto apenas pessoalmente. Depois disso, a reportagem não conseguiu mais contato com ele. A assessoria de imprensa do deputado tentou intermediar uma entrevista, mas Samuel e o próprio parlamentar não retornaram os recados deixados com assessores.
No ano passado, série de reportagens do Congresso em Foco revelou o uso indiscriminado do cotão para pagar despesas em empresas sem sede. Algumas locadoras de veículos não apresentavam frota. As reportagens foram feitas a partir da checagem de documentos levantados pelo comerciante Lúcio Batista, o Lúcio Big da Operação Política Supervisionada (OPS). Com base na papelada, Big fez uma denúncia contra cerca de 20 parlamentares no Tribunal de Contas da União (TCU), que investiga o assunto.
Aos 72 anos, o ex-senador Carlos Bezerra está em seu terceiro mandato na Câmara. Ele também teve passagens pelo Executivo: foi governador de Mato Grosso entre 1987 e 1990. No primeiro governo Lula, presidiu o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), no qual administrou um caixa de mais de R$ 120 bilhões.
No Supremo Tribunal Federal (STF), o peemedebista é réu em ação penal 520) por peculato e violação da Lei de Licitações. O Ministério Público Federal acusa o parlamentar de ter montado um esquema que desviou, em benefício próprio e de terceiros, mais de R$ 100 milhões do INSS, em 2004, quando presidia o órgão. Segundo a assessoria de Bezerra, são questionamentos sobre atos administrativos da Dataprev e da Universidade de Brasília. “O deputado diz não ter responsabilidade”, respondeu a assessoria. É alvo, ainda, de um inquérito (Inq 3128) por crimes eleitorais. Veja os esclarecimentos dele sobre as investigações.
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