Conforme apurou o Congresso em Foco, os anexos reproduzidos pela revista foram escritos pelos advogados de Delcídio, na tentativa de convencer o Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça a aceitar sua delação. Para que o depoimento de Delcídio tenha validade jurídica, porém, ele precisa ser aceito pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, o que ainda não ocorreu.
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O próprio Delcídio atesta, de certa forma, a veracidade do que a revista publicou ao optar por um caminho inusitado ao se referir à questão. Em vez de negá-las, disse em nota que não as confirma e reforça dois aspectos cruciais da sua estratégia de defesa. De um lado, afirma não ter sido procurado pela revista para se manifestar sobre a “fidedignidade dos fatos relatados”. Ou seja: avisa aos interessados (sobretudo, ao Judiciário e ao MPF) que nada vazou. Do outro, ao declarar “o seu respeito e comprometimento com o Senado da República”, faz um gesto em relação àqueles que decidirão se ele será ou não cassado.
Preservar o mandato de senador é um componente essencial da estratégia do parlamentar de Mato Grosso do Sul. Sem o cargo, ele será submetido à máquina de moer gente instalada em Curitiba, onde o grupo comandado pelo juiz federal Sérgio Moro já condenou até o momento 62 pessoas, nelas incluídas alguns dos mais poderosos empresários e executivos do país.
Daí por que Delcídio e seus advogados vinham negando insistentemente ter delatado o que sabia sobre irregularidades na Petrobras e em outros setores da administração federal. Pela mesma razão, ele estabeleceu como condicionante para formalizar a delação o estabelecimento de um prazo de seis meses, o que Teori rejeitou.
O rito da delação
Para haver delação premiada, com a consequente redução das penas impostas ao delator, as declarações devem ser checadas pelo MPF, com o apoio da Polícia Federal. O delator deve indicar ainda elementos capazes de provar o que ele está dizendo. Somente após a homologação da delação pelo ministro que cuida do tema no STF, elas são formalmente incorporadas ao processo.
Somente aí a delação premiada passa a ser oficial. A confidencialidade das delações premiadas também não está prevista na lei. O que prevalece nesse caso é o interesse público. Evita-se a divulgação de determinados fatos para evitar prejuízos à investigação.
O que vem agora
As bombásticas declarações do senador Delcídio contra os principais nomes do seu partido provocaram um efeito imediato: forte alta na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou esta quinta-feira (3) com uma valorização de 5,12%, puxada pelas ações das empresas estatais. Isso porque, na interpretação dos analistas de mercado, os novos fatos aumentam as chances do impeachment de Dilma Rousseff.
Enquanto isso, oposição e governo se lançaram a campo com estratégias bastante claras. A primeira, capitalizando ao máximo o impacto das revelações e utilizando-as para engrossar a mobilização para as manifestações pelo impeachment, marcadas para o próximo dia 13. A oposição tem perfeita consciência de que, sem a ajuda das ruas, não conseguirá dentro do Congresso apoio suficiente para aprovar o impedimento presidencial.
Já o governo se empenhou em desqualificar Delcídio e suas palavras, numa operação que envolveu Dilma, Cardozo e vários ministros, além da direção e de diversos parlamentares do PT. O problema, aqui, é que o alvo era até pouco tempo atrás o líder do governo que agora lhe castiga.
No horizonte próximo, duas coisas são certas. A primeira é que a Lava Jato está longe de ter esgotado seu repertório de horrores. A segunda é que Delcídio – hoje suspenso pelo PT, partido que ele representa no Senado há mais de 13 anos – será em breve expulso da legenda.
A delação
Segundo a IstoÉ, as declarações de Delcídio compõem cerca de 400 páginas de depoimento. Dilma, Lula e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo são os três principais alvos dos trechos reproduzidos pela revista, em reportagem assinada pela jornalista Débora Bergamasco, ex-namorada de Cardozo.
Conforme Delcídio, é “indiscutível e inegável a movimentação sistemática” do atual advogado-geral da União e de Dilma “no sentido de promover a soltura dos réus presos na operação”.
O senador diz que uma das manobras foi a indicação do desembargador Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a tarefa de conceder habeas corpus para libertar dirigentes das empreiteiras Odebrecht e da Andrade Gutierrez que se encontravam presos na PF. De acordo com o relato da revista, Dilma pediu ao líder do governo que “conversasse com o desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de soltura de Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo”.
Delcídio diz ainda, de acordo com a IstoÉ, que se encontrou com Navarro no próprio Palácio do Planalto para acertar os detalhes da nomeação do ministro e que este encontro pode ser atestado pelas câmeras de segurança do Planalto. Na reunião, afirmou Delcídio, Navarro “ratificou seu compromisso, alegando inclusive que o Dr. Falcão [presidente do STJ, Francisco Falcão] já o havia alertado sobre o assunto”. Quando assumiu a cadeira no STJ, Navarro, como relator do processo, votou pela soltura dos executivos, mas a decisão foi barrada pelos demais ministros do STJ.
Pasadena
Ele declarou ainda que Dilma sabia das irregularidades da refinaria de Pasadena, desmentindo a versão em contrário da presidente da República. “Dilma tinha pleno conhecimento de todo o processo de aquisição da refinaria”. “A aquisição foi feita com conhecimento de todos. Sem exceção”, reforçou o senador. A compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), foi firmada pela Petrobras em 2006, quando Dilma era presidente do Conselho de Administração da estatal. Há uma suspeita de superfaturamento no contrato no valor de US$ 792 milhões.
Como o entendimento do Ministério Público e do STF é de que a presidente da República não pode responder, ou mesmo ser investigada, por crimes anteriores ao mandato em exercício, a acusação não deve ter efeitos judiciais. Mas pode trazer prejuízos a Dilma no campo moral, território em que suas virtudes costumam ser frequentemente ressaltadas.
Lula como vidraça
Um dos pontos mais fortes das declarações de Delcídio envolve o ex-presidente Lula. Segundo o senador, foi por orientação de Lula que ele marcou a conversa com o ator Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que acabou culminando na prisão do ex-líder do governo.
Também acusou o ex-presidente de ter mandado pagar pelo silêncio de Cerveró e de outras testemunhas. Somente a família de Cerveró recebeu RT$ 250 mil. Delcídio foi preso acusado de tentar atrapalhar as investigações da Lava Jato. Entre as ofertas feitas, uma mesada de R$ 50 mil à família do ex-diretor e um plano de fuga.
De acordo com a revista, Delcídio afirmou que Lula lhe pediu “expressamente” para ajudar o pecuarista José Carlos Bumlai, citado nas delações de Fernando Baiano e do próprio Cerveró. O senador disse que Bumlai tinha “total intimidade” e exercia o papel de “consigliere” da família Lula, expressão italiana usada em referência aos conselheiros dos chefes da máfia italiana.
O ex-presidente, completou o senador, sabia do esquema de corrupção da Petrobras e agiu pessoalmente para barrar as investigações. A assessoria de Delcídio nega que ele tenha feito delação premiada e promete lançar uma nota de repúdio à publicação da revista.
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