A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu o foro privilegiado a deputados e senadores, ao que tudo indica, está longe de ser a solução dos problemas de impunidade no país. O entendimento unânime, finalmente firmado na última quinta-feira (3) pelo tribunal, já começou a provocar a transferência de inquéritos e ações penais para a primeira instância do Judiciário – movimento iniciado pelo ministro Dias Toffoli, que baixou sete processos nesta sexta-feira (3), tirando-os do STF.
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Apesar das críticas à morosidade do Supremo, há controvérsias sobre a possível celeridade dos casos em instâncias inferiores. Além disso, criminalistas apontam possibilidade de perseguição política em rincões Brasil afora. Para o advogado criminalista Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, subprocurador-geral de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Distrito Federal (OAB-DF), a decisão da Corte representa uma “tragédia” diante de uma realidade judiciária desconhecida por grande parte da população brasileira. De acordo com ele, a estrutura judiciária de Brasília e do próprio Supremo está acima da média dos outros estados do país.
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“A tramitação em primeira instância é uma tragédia. A advocacia que milita nas instâncias que nós chamamos de instancias ordinárias conhece a realidade e sabe que o processo leva muito tempo para tramitar. Inclusive processos criminais. Nós temos varas sem juízes. Não é raro. Eu sei de inúmeras varas que não possuem sequer juiz”, declarou Joaquim ao Congresso em Foco.
Hoje, de acordo com o Supremo, tramitam 399 inquéritos e 86 ações penais contra autoridades com foro. Só no âmbito Operação Lava Jato são mais de 100 inquéritos. Um dos principais resultados do foro é de sobrecarga da Corte.
No entanto, o que os ministros decidiram foi o princípio geral. Em resumo, segundo o entendimento do STF, o congressista só terá o processo mantido na mais alta instância judicial se o crime em questão tiver sido praticado durante o exercício do mandato e guardar relação direta com a atividade parlamentar. Ainda não há um levantamento de quantos processos serão afetados, até porque muitas situações, segundo o próprio autor da proposta, o ministro Luís Roberto Barroso, continuam em aberto.
Ao aplicar a nova regra, Dias Toffoli mandou para a primeira instância seis ações penais e um inquérito de parlamentar que estava sob sua relatoria. Nos próximos dias, os demais ministros devem começar a analisar os casos, individualmente, e enviar outras ações para a primeira instância.
Primeiras remoções
Nessa primeira leva, foram enviados para a primeira instância seis ações penais que envolvem os deputados Alberto Fraga (DEM-DF), Roberto Góes (PDT-AP), Marcos Reátegui (PSD-AP), Cícero Almeida (PHS-AL), Helder Salomão (PT-ES) e Hidekazu Takayama (PSC-PR). Além disso, foi deslocado de instância um inquérito que corre em segredo de Justiça e que envolve o deputado Wladimir Costa (SD-PA), processado por tráfico de influência.
O advogado lembrou ainda que os deputados e senadores, afetados diretamente pela decisão do Supremo, são eleitos nos mais variados rincões do país, regiões distantes dos grandes centros e longe dos holofotes do poder central. “Eu não tenho a menor dúvida de que não haverá celeridade. Na verdade, tem regiões no país que tem varas que cumulam vara cível e criminal de um município inteiro e que tem apenas um juiz”, acrescentou o criminalista.
“Imagina a influência que um parlamentar federal pode fazer em um juiz estadual de uma comarca de um rincão do país”, ponderou Joaquim, que também citou a possibilidade inversa, casos em que juízes perseguem políticos. “De repente esse político, naquela comarca específica, pode sofrer uma perseguição. Nesse caso, outro grupo político pode capitanear uma perseguição judiciária. É uma possibilidade, essa perseguição ao parlamentar dependendo do grupo político que estiver mandando ali naquela região”, ponderou.
Conhecido como “o advogado dos poderosos”, por causa de sua extensa e influente carteira de clientes, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse ao Congresso em Foco que a decisão do Supremo deveria ter estendido o fim do foro para todos, inclusive os próprios magistrados.
“Eu acho que essa decisão hoje é incompleta. Não é possível que o Supremo Tribunal tire os poderes do foro dos senadores e dos deputados e mantenha o deles. Não tem sentido. Há uma desigualdade aí. O sistema republicano exige que todos tenham o foro do primeiro grau, inclusive ministro do Supremo e procuradores. Eu não vejo sentido você criminalizar a mais um determinado poder”, apontou.
Para ele, só presidente da República e presidente do STF deveriam ter direito ao benefício, devido à natureza de suas funções na República. “Todos os demais, republicanamente, têm que ser o foro constitucional do primeiro grau. É simples”, arrematou o advogado, manifestando opinião semelhante à do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Como este site mostrou mais cedo, Maia disse ter considerado “seletiva a postura da Corte”. “Estranhei a seletividade do Supremo”, disse o deputado, que já determinou a instalação de um colegiado na Câmara para discutir uma proposta de emenda à Constituição que estenda a restrição do foro a outros cargos.
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Deputados presos
Hoje, por exemplo, casos como o dos deputados presos Celso Jacob (MDB-RJ) e Paulo Maluf (PP-SP) poderiam estar sob o efeito protelador dos recursos judiciais em instâncias inferiores, se não fosse determinações do Supremo. Isso porque, no caso de Maluf, o julgamento só ocorreu no Supremo. Se tivesse em instâncias inferiores, com a decisão de prisão em segunda instância, o ex-governador de São Paulo ainda teria muitos recursos a apelar. A denúncia responsável pela prisão de Maluf foi apresentada pelo Ministério Público Federal de São Paulo em 2006, ano em que o também ex-prefeito foi eleito deputado federal.
Como parlamentar, Maluf tinha direito a foro privilegiado e o caso foi transferido da 2ª Vara Criminal de São Paulo para o Supremo Tribunal Federal. Na Corte máxima, somente em 2011 a ação penal foi aberta e sua prisão só foi decretada em dezembro de 2017.
A situação do deputado Celso Jacob, condenado em primeira instância antes do caso subir para o STF, também não é diferente. O deputado teve apelação negada pelo STF no julgamento da Ação Penal (AP) 971. No processo, ele foi considerado culpado pelos crimes de falsificação de documento público e dispensa indevida de licitação para construção de creche quando prefeito de Três Rios (RJ), em 2002.
Ao contrário dos dois, o deputado preso João Rodrigues (PSD-SC) é o único condenado em segunda instância entre os três. No entanto, teve a execução imediata da pena de cinco anos e três meses de prisão decretada pelo Supremo. O parlamentar foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4) por fraude e dispensa de solicitação, por atos cometidos em 2009.
A acusação é de quando Rodrigues assumiu interinamente a Prefeitura de Pinhalzinho (SC), por 30 dias, em 1999. O caso iria perder a validade em fevereiro, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu que a pena fosse cumprida imediatamente em dezembro do ano passado. Com base no entendimento do STF sobre execução da pena em segunda instância, a Corte determinou a prisão do congressista.
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