Integrante mais conhecido de uma família de tradição na política baiana, o ex-ministro e ex-deputado Geddel Vieira Lima (PMDB) viverá nos próximos dias uma rotina que conheceu por uma semana: a de preso do Complexo Penitenciário da Papuda. De volta à Papuda após a apreensão de R$ 51 milhões em dinheiro em espécie em um apartamento emprestado a ele por um empresário, Geddel ocupa novamente as páginas policiais dois meses após ter sido preso pela primeira vez, acusado de obstrução da Justiça.
Ao longo de seus 58 anos de vida, Geddel colecionou apelidos depreciativos – suíno, agatunado, anãozinho do orçamento e boca de jacaré são alguns deles –, inimigos, troca de ofensas pública e um rosário de suspeitas de corrupção. Na mesma proporção, demonstrou poder político na condição de ministro de Lula (Integração Nacional) e Temer (Secretaria de Governo) e de vice-presidente da Caixa Econômica Federal na gestão Dilma. Cargos ocupados com as bênçãos de Temer, seu amigo de longa data.
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O atual presidente da República deve muito a Geddel pelo sucesso que alcançou em sua trajetória política. Em 2010, implodiu a candidatura de Nelson Jobim à presidência do PMDB, o que abriu caminho para que Temer pavimentasse sua candidatura a vice de Dilma. Quando era deputado e se elegeu pela primeira vez líder da bancada do PMDB na Câmara, em 1995, Geddel foi o principal cabo eleitoral nas campanhas internas de Temer pela presidência da Câmara.
No seu livro de memórias, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conta que Michel foi buscar o aval do Planalto para se eleger líder da então maior bancada da base de apoio ao governo tucano. Ao ser questionado sobre a outra candidatura, a do então deputado João Almeida, Temer avisou que Geddel vetava o concorrente por ser também baiano e não queria perder espaço político no partido no estado.
Naquele ano, o então deputado Temer, de pouco voto e eleito na rabeira do partido, começava a virar um nome nacional. Geddel foi articulador fundamental para que Temer se elegesse duas vezes presidente da Câmara. Em troca, o hoje presidente ajudou o político baiano a ganhar cargos poderosos, como o de primeiro-secretário da Casa. A aliança da dupla fez de Geddel três vezes líder da bancada peemedebista.
Suspeitas e investigações
Preso três dias após a PF localizar um apartamento com R$ 51 milhões, distribuídos em malas e caixas, que havia sido emprestado a ele por um empresário, Geddel vive o momento mais constrangedor de uma trajetória política marcada por denúncias desde o seu início. Acusado de participar de um esquema de corrupção na Caixa Econômica Federal e de tentar comprar o silêncio do doleiro Lúcio Funaro, o peemedebista deixou a Secretaria de Governo no fim do ano passado, após denúncia de que utilizou do cargo em benefício próprio, tentando liberar a construção de um prédio luxuoso em Salvador onde tinha um imóvel.
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Na Lava Jato, foi citado por delatores como beneficiário de propina das construtoras Odebrecht e OAS. O Tribunal de Contas da União também já investigou Geddel por desmandos no Ministério da Integração, cargo que ocupou no segundo governo Lula. Na primeira gestão do petista, destacou-se como um dos principais oposicionistas e frasistas contra Lula e o PT. O vaivém das alianças políticas é uma constante na carreira dele.
ACM
O peemedebista começou a carreira política cedo em Brasília, como assessor do pai, o ex-deputado Afrísio Vieira Lima, falecido ano passado. Com este “pistolão”, no começo da década de 1980 foi nomeado diretor do antigo Banco do Estado da Bahia (Baneb) pelo então governador Antônio Carlos Magalhães, de quem ele e a família eram aliados. Pouco tempo depois foi demitido pelo próprio ACM depois de ser acusado de repassar informações privilegiadas para investidores aliados.
Geddel respondeu processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas o caso terminou arquivado pelo Banco Central. Os processos judiciais também não andaram. Depois disso, só ganhou poder. Junto com a família, rompeu com ACM e se elegeu deputado federal pelo PMDB. Em 1993 foi investigado na CPI que apurou o escândalo dos chamados “anões do orçamento” e acusado, junto com outros parlamentares, de beneficiar empreiteiras ao apresentar emendas superfaturadas ao Orçamento da União.
Chorou no depoimento à comissão e terminou escapando da cassação com a ajuda do então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães. Contra a pressão do pai, o filho de ACM cobrou em troca a lealdade de Geddel para suas pretensões políticas.
“Agatunado”
Alguns anos depois, o falecido senador produziu e exibiu vídeos sobre Geddel. Um deles, intitulado “Geddel vai às compras”, conta a história da compra de 12 fazendas e casas pelo ex-deputado em apenas um ano. Em outro, “O Agatunado”, o agora ex-ministro é acusado de façanhas com o dinheiro público. Na resposta, Geddel acusou ACM de ter tomado Viagra demais e Lexotan de menos. O antigo senador chegou a chamar Geddel de “ladrão” durante um depoimento prestado a uma das CPI que o investigava.
O bate-boca ferino é um das características do ex-ministro. Quando era líder do PMDB, em 2002, Geddel chamou o ex-presidente Itamar Franco, então governador de Minas Gerais, de “desleal” e “nômade partidário”. O mineiro respondeu chamando o baiano de “percevejo de gabinete”, “vendedor de sigla” e “anãozinho do orçamento”.
A língua ferina Geddel continua se exercitando no Twitter, onde tem mais de 24 mil seguidores. Nesta rede social, não dispensa agressões e até xingamentos a mães de desafetos, como fez com o ator José de Abreu.
Lava Jato
Geddel foi citado por vários delatores presos na Lava Jato, em depoimentos ou troca de mensagens, como beneficiário de propina. Em um recado eletrônico, o empresário Lúcio Funaro acusou Geddel de pressionar em favor de uma operação de R$ 330 milhões no fundo de investimento do FGTS, o FI-FGTS, da Caixa Econômica, onde o ex-ministro foi vice-presidente no primeiro mandato da presidente cassada Dilma Rousseff. Funaro chama Geddel de “boca de jacaré” para receber propina e de “carneirinho” para trabalhar.
Em depoimento à Justiça, em julho, pouco antes de ser posto em liberdade, Geddel chorou ao negar ter tentado comprar o silêncio de Funaro. Disse que tentou contato com a mulher do doleiro apenas para prestar solidariedade e que pediu para ser solto porque precisava garantir o “sustento” da família. “Me comprometo a cumprir ipis literis e não tomar nenhum passo que possa me levar ao imenso constrangimento que estou vivendo do ponto de vista pessoal e moral. Com toda a convicção, creia nisso”, disse.
O político baiano também aparece em relatórios da Polícia Federal solicitando “apoio financeiro” e fazendo negócios pouco republicanos com Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS também preso na Lava Jato. Faz o mesmo com dirigentes de outras empreiteiras. O ex-ministro é citado nas mensagens do empreiteiro como um operativo lobista para a liberação de prédios em Salvador, como fez para beneficiar o com o La Vue.
Verão passado
Geddel já foi carlista (adepto de ACM), mudou para o PMDB e se elegeu cinco vezes deputado. Foi da base de apoio ao governo de FHC e era um dos mais ferrenhos opositores do primeiro governo Lula. Aderiu ao governo no segundo mandato do petista e, com os novos amigos, ganhou o poderoso Ministério da Integração, responsável pelas obras da transposição do Rio São Francisco. Nessa função, como neopetista temporário, agrediu verbalmente o bispo de Barra, Dom Luís Flávio Cappio, contrário à obra.
O cargo o aproximou do PT da Bahia e, como compensação pela derrota eleitoral quando concorreu ao Senado, terminou vice-presidente da Caixa no governo Dilma. Rompeu com a gestão petista e saiu do posto para articular o impeachment e chegar ao Planalto em um dos cargos mais importantes da República, o de articulador político.
Mesmo tendo perdido as últimas eleições que disputou, em 2010 Geddel conseguiu eleger o irmão mais novo, Lúcio Vieira Lima, deputado federal com 200 mil votos. Ajudou a reeleger ACM Neto prefeito de Salvador e sonhava com a candidatura ao Governo da Bahia ou ao Senado em 2018. Quando ainda era ministro de Temer, ao ser questionado sobre a citação de seu nome por delatores da Lava Jato, e em conversas grampeadas e pouco republicadas de empreiteiros, Geddel respondeu: “Eu sei o que fiz no verão passado”.
Renato Russo
Ns adolescência Geddel foi colega de escola do cantor e compositor Renato Russo. A impressão deixada por ele no líder da Legião Urbana foi a pior possível. A desavença entre os dois é citada no livro Renato Russo: O filho da Revolução, do jornalista Carlos Marcelo. De acordo com o biógrafo, Renato Russo considerava Geddel “in-su-por-tá-vel!”.
Geddel era apelidado à época de Suíno. Filho do então deputado baiano Aprísio Vieira Lima, ele chegava ao colégio dirigindo uma Opala verde e tinha sempre uma piada pronta na língua. Mas, conforme o livro, não era dado aos estudos. E, por isso, foi recusado por Renato Russo, que queria distância dele, inclusive nos trabalhos escolares. “Eu vou ser político”, profetizava o baiano.
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