O ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que cumpre pena de 15 anos e quatro meses de cadeira por imposição da Operação Lava Jato, e o operador financeiro Lúcio Funaro estão em fase de conclusão, simultaneamente, dos respectivos acordos de delação premiada sobre um esquema de corrupção que envolve o presidente Michel Temer. A próxima etapa, de depoimentos a procuradores, terá início nos próximos dias, informa o site BuzzFeed com exclusividade. Ambos foram mencionados em gravação de áudio feita por Joesley Batista, um dos donos do Grupo J&F, com Temer em encontro secreto no Palácio do Jaburu, em 7 de março, e foram apontados como beneficiários de pagamentos para permanecerem em silêncio e negarem fechar acordo de colaboração judicial.
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Segundo a reportagem assinada por Severino Motta, as duas delações premiadas tendem a atingir em cheio o Palácio do Planalto e o PMDB na Câmara, grupo político que tem Michel Temer entre seus próceres. Por meio de redes sociais, parlamentares já comentam o fato de que Funaro foi transferido do Presídio da Papuda, onde cumpre pena em Brasília, para a carceragem da Polícia Federal, em movimento que sinaliza o início dos depoimentos ou algum outro tipo de procedimento investigatório. Os relatos devem ser usados para encorpar a próxima denúncia contra Temer, já denunciado por corrupção passiva. A nova peça acusatória em gestação pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve enquadrar o presidente por obstrução da Justiça.
PublicidadeA notícia vem à tona no momento em que Temer tenta angariar o máximo de apoio na base aliada contra a denúncia em exame na Câmara. O maior desafio do governo é fazer os membros do grupo de sustentação relevarem o fato de que, segundo a acusação de Janot, Temer é beneficiário dos R$ 500 mil contidos na mala de dinheiro recebida pelo ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), um dos principais aliados do presidente e ex-assessor da Presidência há até poucas semanas. Para o Ministério Público Federal, que coordenou o flagrante articulado pela Polícia Federal, o dinheiro era a primeira das várias parcelas que, por cerca de 25 anos, serviriam como uma espécie de aposentadoria para Temer e Loures e totalizariam, ao final, algo em torno de R$ 600 milhões.
“Os investigadores e as defesas de Cunha e Funaro já estão negociando, separadamente, as cláusulas do acordo de colaboração, conforme o BuzzFeed apurou junto a fontes que participam dos processos. Os cardápios das delações, uma espécie de roteiro das ilegalidades a serem descritas e os personagens envolvidos, já foram entregues pelas respectivas defesas. Entre os fatos a serem narrados, os dois vão confirmar que, mesmo presos, continuaram a receber recursos dos esquemas de corrupção de que participaram. Funaro já completou um ano na cadeia, Cunha foi preso em outubro do ano passado. Entre os esquemas está o da JBS que, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF) com base na delação de Joesley, visava calar Cunha e Funaro em troca de dinheiro”, diz trecho da reportagem, com menção ao trecho mais impactante da gravação feita por Joesley respeito das “pendências zeradas” com Cunha.
Esse trecho da conversa, dizem os investigadores, são referência à propina para calar Cunha seguida do aval de Temer, que nega ter autorizado a compra do silêncio do correligionário. Ainda segundo essa linha de investigação, os repasses da JBS vinha mantendo o silêncio dos presos, que tinham razões para fechar suas delações, mas relutavam em firmá-las – “realidade que, após o estouro da JBS e proximidade do fim do mandato de Janot, foi alterada”, observa o BuzzFeed.
“Com o trabalho neste mês, investigadores que atuam no caso esperam deixar todo o material das delações pronto e entregar o acordo para homologação do Supremo Tribunal Federal nos últimos dias de julho. Desta forma a homologação poderá acontecer no início de agosto e Janot conseguirá enviar a segunda denúncia contra Michel Temer pouco tempo depois da volta do recesso do Judiciário”, acrescenta a reportagem.
Leia a íntegra da reportagem do Buzzfeed
Cunha e Funaro: estilos opostos e relação de 20 anos
A reportagem lembra que Funaro é um operador financeiro com muito trânsito no mercado de capitais em São Paulo, além de “profundo conhecedor do propinoduto que abasteceu o PMDB”. “O fato de ele e Cunha fecharem uma delação ao mesmo tempo não é surpreendente dada a ligação estreita entre os dois. Eles se conhecem há 20 anos”, diz o texto.
Preso em junho de 2016, foi o único delator da Ação Penal 470, o julgamento do chamado “mensalão do PT”. Por meio de uma empresa sob seu controle e que se valia de laranjas, a Garanhuns Empreendimentos, Funaro transferiu R$ 6 milhões ao ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), presidente nacional do Partido da República que cumpriu pena até 2015, quando recebeu perdão judicial. Funaro admitiu, com a contrapartida de receber benefícios como delator, que fez os pagamentos ilegais ao então líder do PL, partido embrião do PR.
Com a descoberta do esquema de cobranças por ele operado, em nome de Cunha, de empresas em busca de acesso a empréstimos do fundo de investimento do FGTS, a juros abaixo dos praticados no mercado, Funaro foi preso e passou a causar apreensão ao grupo do PMDB na Câmara – do qual Temer faz parte e era um dos principais beneficiários, segundo o MPF. “Na época do mensalão, Cunha morava em um apartamento de Funaro sem pagar aluguel em Brasília e depois o operador pagou carros de luxo registrados em nomes de empresas do ex-deputado”, registra a reportagem.
O texto lembra ainda que, ao contrário de Cunha, que apresenta “temperamento frio e distante” e não é de muita conversa com colegas de presídio, Lúcio Funaro tem comportamento “explosivo” e costuma ameaçar quem não se alinha aos interesses do seu grupo ou deixa de cumprir acordos.
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“Desde a prisão de sua irmã recebendo uma mala de dinheiro da JBS na Ooperação Patmos (ela depois foi solta), Funaro não tem escondido dos presos com quem convive na penitenciária da Papuda sobre o que está acontecendo em sua vida. A um dos detentos disse não só que ele e Cunha estão fechando termos dos acordos como falou que sua delação irá atingir de maneira muito forte o ministro Moreira Franco e o presidente Michel Temer”, relata o BuzzFeed, acrescentando que a prisão de Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Temer e membro do grupo do PMDB na Câmara, foi provocada pela informação de que Geddel pressionava a esposa de Funaro para convencê-lo a ficar em silêncio.
No pedido de prisão acatado pela Justiça, investigadores apresentaram mensagens de WhatsApp enviadas recentemente (entre os meses de maio e junho) por Geddel à esposa de Funaro. Para provar tanto a existência desses contatos quanto a afirmação de que a iniciativa partiu do político, Funaro entregou à polícia cópias de diversas telas do aplicativo. Para assegurar o silêncio dos presos Cunha e Funaro, segundo a investigação, Geddel tem atuado no sentido de assegurar que ambos recebam vantagens indevidas, além de “monitorar” o comportamento do doleiro para constrangê-lo a não fechar o acordo – ou seja, trata-se da manutenção, mesmo sem atividade pública, do caráter “operativo” que sempre norteou a vida de Geddel e sua relação com os correligionários.
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Nas mensagens, o ex-ministro, identificado pelo codinome “Carainho”, sonda a mulher do doleiro sobre a disposição dele em se tornar um colaborador do MPF. Para os investigadores, os novos elementos deixam claro que Geddel continua agindo para obstruir a apuração dos crimes e ainda reforçam o perfil de alguém que reincide na prática criminosa. Por isso, eles pediram a prisão “como medida cautelar de proteção da ordem pública e da ordem econômica contra novos crimes em série que possam ser executados pelo investigado”.
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