Após a Câmara dos Deputados ter rejeitado, na última quarta-feira (2), a continuidade da denúncia contra Michel Temer (PMDB), o Judiciário lida com uma situação inédita: a suspensão do pedido de investigação até 2019 contra o presidente, uma vez que ele tem foro privilegiado até o fim de seu mandato na Presidência da República, em 31 de dezembro de 2018. A partir de 1º de janeiro de 2019, quando está prevista a conclusão de seu mandato, Temer poderá responder às acusações de corrupção passiva como cidadão comum, caso não assuma outro cargo com direito a foro – situação que seria usada como “exemplo de livro”, por ser considerado um cenário absurdo, mas que terá de ser explicado porque agora está configurado, segundo especialistas consultados pelo Congresso em Foco. O relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, já adiantou que vai “ordenar o processo” com celeridade em função do resultado na Câmara.
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O advogado Bruno Rangel explica que, apesar de a Câmara ter rejeitado a continuidade da denúncia no Supremo, a denúncia não está arquivada e fica apenas suspensa. O processo é remetido para a primeira instância da Justiça, uma vez que Temer deixa de ter foro privilegiado se não for indicado para algum ministério, por exemplo, no próximo governo.
O caso de Temer terá a mesma lógica do que atualmente ocorre com as ações penais contra o ex-presidente Lula. O advogado criminalista João Paulo Boaventura reforça a explicação do colega. “Essa ação será remetida à primeira instância, onde o juiz fará uma análise do recebimento ou não [da denúncia]”, disse. Os passos seguintes seriam a intimação de Temer a apresentar sua defesa prévia, e o juiz confirmaria ou não o recebimento da ação. Em caso positivo, se iniciaria a instrução processual. Primeiro, seriam ouvidas as testemunhas de acusação e, depois, as de defesa. Por fim, viria o interrogatório de Temer, que é diversas vezes citado em delações da Operação Lava Jato, a exemplo de vários de seus ministros e aliados no Congresso.
Em primeiro momento, não haveria novas investigações para produzir provas. Rangel lembra que essa foi a primeira etapa do processo, quando o peemedebista foi gravado. “Você teve um primeiro momento de investigação, que seguiu, correu. Tanto é que o Temer foi gravado. Tudo isso que aconteceu antes do inquérito.”
Boaventura também explica que cabe ao ministro Fachin, na condição de relator do processo, informar à presidente do STF, Cármen Lúcia, a respeito do chamado declínio de competência. Cabe à presidente da corte a comunicação entre tribunais. Para Boaventura, é normal que haja confusão sobre como seguirá a ação, mas que há previsão para o caso, que é inédito. “É exemplo de livro. Aquele exemplo absurdo do livro que você exemplifica como um cenário que nunca vai acontecer, mas tem que falar, porque está previsto. É mais ou menos isso.”
Conexão instrumental e “provas emprestadas”
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Fachin estuda desmembrar o inquérito do suplente de deputado e ex-assessor da Presidência da República Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), atrelado ao processo de Temer. Loures ficou nacionalmente conhecido por ter sido flagrado correndo com uma mala de dinheiro em uma rua de São Paulo –R$ 500 mil em espécie que, segundos investigadores, são a primeira parte de uma milionária propina para ele e Temer. Para Cezar Bitencourt, advogado de Loures, o eventual desmembramento viria a ferir a lei, uma vez que há conexão instrumental, ou seja, a conduta de Loures é indissociável da conduta de Temer. Logo, não há como separar os atos.
Essa também uma questão inédita para o STF. “Vai ser interessante ver como o Supremo vai proceder”, comentou Boaventura, para quem Bitencourt tem uma visão interessante sobre o caso, uma vez que o declínio de competência daria mais oportunidades de recursos.
Contudo, ele aposta que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não verá conexão instrumental ou prejuízo em um julgamento com aproveitamento das provas. “Mas, do ponto de vista do direito de defesa, eu acho que teria prejuízo. Até porque a defesa do Temer teria de participar de todos os atos de produção de provas, como se ela tivesse participando da ação. O que não é, porque [o processo] está suspenso. Haveria um contrassenso”, avalia.
Se o caso de Loures for, realmente, desmembrado, o processo contra o deputado continuará na primeira instância da Justiça. Se novas provas que incriminem Temer forem produzidas, elas poderão ser “emprestadas”, diz Boaventura. “As novas denúncias [contra Temer] que se sucederem podem ser oferecidas diretamente na primeira instância também, mas o processo do Rocha Loures vai estar andando. As provas que forem produzidas naquele processo podem ser transportadas para o processo contra Temer. Basta que o juiz abra prazo para que a defesa do, no caso, ex-presidente, se manifeste sobre elas. Chama-se ‘prova emprestada’”, concluiu o criminalista.
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