Um imóvel no prédio pivô da demissão do ministro da Cultura, Marcelo Calero, custa de R$ 2,6 milhões a R$ 4,7 milhões, segundo corretores de Salvador ouvidos pelo Congresso em Foco. O empreendimento, de 24 andares, incluindo uma cobertura duplex, tem 106 metros de altura e é erguido em uma das áreas mais nobres da capital baiana, na região da Barra. Depois de entregar o cargo ontem, Marcelo Calero contou que foi pressionado pelo ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, a intervir no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) para liberar a obra sob o argumento de que ele é proprietário de uma das unidades do edifício. “Não estou aqui para fazer maracutaia”, afirmou o ex-ministro em entrevista à Folha de S.Paulo.
Leia também
Com um apartamento por andar, cada imóvel tem 259 metros quadrados (são dois tipos de planta), com exceção da cobertura, que tem 450 metros quadrados. São quatro quartos, todos suítes, e vaga para quatro veículos. Dois pavimentos do prédio são reservados para área de lazer e outros três, para garagem.
O espaço de lazer inclui piscina de adulto com raia de 20 metros, deck molhado, piscina infantil, quadra, espaço gourmet, fitness com vista para o mar, spa, salas de massagem, sauna e jogos, brinquedoteca, bar, entre outros ambientes. Na cobertura, há piscina privativa, no primeiro andar do duplex, e elevador exclusivo para o segundo piso. Uma corretora que já vendeu apartamentos do prédio diz que apenas seis das 24 unidades (uma por andar) ainda estão disponíveis para negociação. Os demais já foram vendidos.
Cartões-postais
Em construção na avenida Sete de Setembro, o La Vue Ladeira da Barra ocupa um terreno de 1.625 metros quadrados e é composto de uma única torre que, segundo o Iphan, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-BA) e o Ministério Público Federal fará sombra sobre cartões-postais de Salvador na região da Barra. Os prédios vizinhos, também de alto padrão, têm até dez andares.
Pelo projeto arquitetônico, para que todos os moradores tenham a privilegiada vista da Baía de Todos-os-Santos, o primeiro apartamento do La Vue está situado apenas no sexto andar. O edifício está localizado ao lado de pontos históricos como o Forte de São Diego, a Igreja de Santo Antônio da Barra e o Cemitério dos Ingleses.
A obra é construída pela Porto Ladeira da Barra Empreendimentos SPE Ltda e a Cosbat Construção e Engenharia Ltda., empreiteira de Salvador especializada em prédios de luxo. Iniciada em dezembro de 2015, a obra está prevista para ser entregue em julho de 2018. Foram erguidos, até o momento, quatro pisos, segundo relato de corretores.
Por empregos
Em entrevista à Folha, Geddel admitiu ter feito pedido ao então ministro da Cultura para que o Iphan revisse sua posição em relação ao embargo da obra, mas negou que tenha feito pressão ou ameaçado procurar Temer para destituir a presidente do instituto. Segundo ele, seu objetivo era garantir os empregos gerados com o empreendimento em tempos de crise.
“Em 2015, eu fiz uma promessa de compra e venda de uma unidade que estava lançada, sem nenhum problema, com todas as licenças colocadas e que vários outros adquiriram uma unidade de apartamento. O que não me tira, me dá legitimidade para levar a ele um problema por conhecer o que estava ocorrendo, estar preocupado, como todo cidadão fica preocupado em uma situação dessa. O que fica muito distante de pressão indevida. Tanto que o que prevaleceu foi a posição dele.” O ministro disse, ainda, que conversou com o presidente Michel Temer neste sábado e recebeu “apoio” e “confiança” do colega de partido.
Briga com banqueiro
Esta não é a primeira vez que Geddel tem seu nome associado ao empreendimento. Em julho de 2015, o então ex-deputado usou sua conta no Twitter para acusar o banqueiro Marcos Mariani, do banco BBM, de assediar vereadores para barrar construções na região nobre. “O banqueiro Marcos Mariani tá assediando vereadores, pois ele se acha o dono da Lad (Ladeira) da Barra”, atacou na ocasião. Mariani é dono de uma mansão próxima ao local do prédio. Depois da repercussão negativa na Câmara Municipal de suas declarações, o peemedebista voltou à rede social para esclarecer quem era o alvo de seu descontentamento: “Em falsa polêmica ñ entro Meu foco não é Vereador, é banqueiro que para preservar seus privilégios tenta por em risco empregos em Salvador”.
Neste sábado, o deputado federal Jorge Solla (PT-BA) anunciou que apresentará requerimento de convocação de Marcelo Calero para que o ex-ministro da Cultura explique, em uma comissão da Câmara, as pressões que disse ter recebido de Geddel para liberar a construção.
“É uma expressa acusação de crime, tipificado no Artigo 319 do Código Penal, que trata da prevaricação, com pena de um a três anos de prisão. Se Calero acusou outro ministro de Estado ao sair, é um caso muito grave e precisa comprovar o que diz para que o caso tenha a consequência devida à luz do interesse público”, afirma o deputado.
Resistência histórica
A construção enfrentou resistência desde o início. Um parecer do Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização, composto por técnicos do Iphan, do Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (Ipac) e da Secretaria Municipal de Urbanismo se posicionou contra o empreendimento. Com base em parecer individual de um coordenador-técnico do Iphan na Bahia, a prefeitura de Salvador, comandada por ACM Neto (DEM), aliado de Geddel, autorizou a obra.
A seccional baiana do Instituto dos Arquitetos do Brasil entrou com uma ação civil pública na Justiça pedindo a revisão do parecer. O Ministério Público Federal pediu, no último dia 10, a suspensão das obras e da venda das unidades habitacionais até que o projeto fosse readequado com base nos padrões das edificações da região.
O Congresso em Foco tentou falar com Geddel, mas não conseguiu. Os donos do empreendimento não foram localizados pela reportagem.