É o primeiro grande desafio do governo interino de Michel Temer no Congresso, depois de menos de 15 dias de gestão – e, já nesse primeiro teste, a sessão não dava sinais de que chegaria ao fim tranquilamente. Com um princípio de tumulto em plenário, Renan chegou a cogitar suspender os trabalhos por cerca de dois minutos, para que um acordo fosse buscado em meio ao nervosismo. Por volta das 2h40, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), depois de falar da tribuna por cerca de cinco minutos, foi impedida por Renan de fazer uso da palavra pelo mesmo tempo usado pelo antecessor governista, deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), que falou por 20 minutos. Ao final de seu tempo, Vanessa teve a fala cortada e Renan concedeu a vez ao deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP). Em meio a protestos e aplausos, a sessão teve continuidade, mas a senadora resistia a desocupar o púlpito – que, depois do discurso de Duarte, foi tomado por oposicionistas.
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Durante a votação, ficou óbvio o protagonismo do PSDB, no novo cenário de aliança com o PMDB, no encaminhamento da votação. Por outro lado, partidos como o PT e o PCdoB, agora na condição de oposição ao Planalto, apostaram em instrumentos como obstrução e requerimentos de inversão de pauta e adiamento de votação. Mas, com o regimento a favor dos governistas, Renan conduziu a sessão de maneira a anular as tentativas dos partidos de oposição.
A certa altura da sessão, os governistas chegaram a temer o esvaziamento de plenário, com o avançar da madrugada. A partir daí, líderes se mobilizaram e conseguiram trazer ao palco das decisões do Congresso os parlamentares que estavam ausentes. Renan, em outra frente, articulou acordo para diminuir o tempo de discursos e a agilização de procedimentos. Até a manutenção de vetos de Dilma os governistas aceitaram manter, na deliberação em uma Casa, para que a outra não precisasse se pronunciar e, assim, atrasasse a votação. E o governo pôde então se tranquilizar: o placar eletrônico do plenário, depois da mobilização, chegou a registrar a presença de 453 deputados e 73 senadores (maioria folgada, uma vez que são necessários os votos de 257 deputados e 42 senadores para aprovar a matéria).
“Votei contra o impeachment, mas não posso votar contra o Brasil”, discursou da tribuna o deputado Dagoberto (PDT-MS), relator do projeto de revisão da meta fiscal, ao anunciar seu parecer favorável e pedir aos congressistas a aprovação da matéria.
“Centrão”
PublicidadeA proposição foi encaminhada na segunda-feira (23) pelo presidente interino Michel Temer ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em meio a vaias de oposicionistas inflamados pelo vazamento de um áudio comprometedor para o agora ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB-AL), que retornou ao Senado depois da polêmica (leia mais abaixo). Jucá, aliás, acompanhou a sessão em vários momentos e, nos instantes finais da votação, fez questão de ir à Câmara para discursar. Da tribuna, ele defendeu a aprovação da matéria e fustigou os aliados de Dilma, dizendo que a “herança maldita” de Temer eram os próprios parlamentares do PT, do PDT e do PCdoB.
“O pior é ter que aguentar vocês”, disparou.Depois de voltar ao comando da sessão plenário no início da madrugada desta quarta-feira (25), Renan pôs em votação um pedido do PT para alteração dos itens da pauta, com o objetivo de priorizar projeto para aumentar de seis para dez dias o prazo para apresentação de emendas a medidas provisórias. A tentativa do agora partido de oposição esbarrou na ampla maioria oferecida pelo “centrão” ao governo interino, e o projeto de revisão foi a voto em meio a muita discussão e gritaria – a certa altura da votação, verificou-se no centro do plenário uma confusão envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
Com a aprovação, o governo Temer consegue alterar a meta fiscal antes do feriado de Corpus Christi, na próxima quinta-feira (26). A pressa era justificada pelo fato de que, se não tivesse votado a matéria até o fim do mês, o Executivo passaria a ter restrições de manejo orçamentário para encarar a crise econômica. O presidente interino já havia manifestado sua preocupação aos aliados, por meio de interlocutores no Palácio do Planalto, quando fez um resumo da situação.
“Se não aprovar, daqui a pouco quem estará cometendo pedalada [fiscal] sou eu”, declarou o peemedebista, segundo relato obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Rigor
Segundo a nova previsão sobre a meta fiscal, o governo sinaliza que os cofres públicos terminarão 2016 com déficit de R$ 170,5 bilhões. O valor é 76,3% maior que a revisão (R$ 96,7 bilhões) feita pela equipe econômica do governo da presidente afastada Dilma Rousseff em março. Em coletiva de imprensa convocada para esta terça-feira (24), a equipe econômica de Temer anunciou e detalhou suas primeiras medidas de resgate do desenvolvimento (leia aqui os seis principais pontos).
A equipe econômica do governo da presidente afastada Dilma Rousseff tinha previsto um déficit fiscal de R$ 96,6 bilhões, agora recalculado pelo novo ministro da Fazenda. Para estados e municípios, os ministros da equipe econômica previram um superávit de R$ 6,5 bilhões. Assim, a União deverá registrar um déficit líquido de R$ 163,4 bilhões.
A meta aprovada é próxima ao que vinha prevendo o setor privado nos últimos dias. Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles admitiu que ainda há margens de incertezas na meta e citou o exemplo da regularização de capitais do exterior, contabilizado pelo governo, mas com valor incerto e também não divulgado.
Considerada como rigorosa, a metam, segundo Meirelles, foi concebida para evitar que em alguns meses o governo anuncie um número diferente do que foi divulgado na última sexta-feira (20). “O nosso compromisso é que o cálculo do crescimento da dívida pública seja realista para ser sustentável, se estabilize e venha cair em médio prazo”, disse o ministro na ocasião.
Fator Jucá
Principalmente durante as primeiras horas da sessão, base de apoio ao governo e partidos como PT e PCdoB, agora a nova oposição congressista, trocaram acusações tendo como pano de fundo o áudio em que o senador e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado falam sobre a Operação Lava Jato – trabalho que desbaratou o esquema de corrupção da Petrobras que tem ambos como suspeitos de envolvimento. Afastado da função graças ao diálogo telefônico, veiculado ontem (segunda, 23) pelo jornal Folha de S.Paulo, Jucá foi acusado de ter feito um relato do que seria um acordão para tirar Dilma do poder e, assim, com um arranjo que incluiria até o Supremo Tribunal Federal, “estancar a sangria” das investigações, livrando os próceres do PMDB e de partidos aliados a Temer, como o PSDB.
Repatriação, terrorismo e visita íntima
Em um dos últimos lances da longa jornada, parlamentares derrubaram destaque apresentado por PT, PCdoB e PP contra o veto parcial ao Projeto de Lei 2960/2015, que autoriza a regularização de bens enviados ilegalmente ao exterior e disciplina tal procedimento – a chamada “repatriação de recursos”, alternativa do governo Dilma para reforçar o caixa em tempos de recessão e desequilíbrio fiscal. No veto presidencial parcial, Dilma alegou que a repatriação, nos moldes apresentados no projeto, beneficiava excessivamente os potenciais sonegadores, contaminando-se o propósito original da matéria. Por apertada diferença de votos, os vetos parciais foram mantidos.
Um dos dispositivos vetados por Dilma ordenava a divisão, com estados e municípios, de metade do patrimônio resgatado no exterior pela União. A repartição seria operado por meio de depósito nos fundos de participação dos estados, municípios e do Distrito Federal (FPM e FPE). O governo alega que a natureza jurídica dos valores não significa que sua destinação tenha necessariamente de seguir a mesma fórmula empregada à arrecadação do imposto de renda.
Em outra deliberação, deputados rejeitaram por ampla maioria um destaque do PDT contra item vetado do Projeto de Lei 2016/15, do Executivo, que tipifica o crime de terrorismo.
O item vetado classificava como crime de terrorismo o ato de incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado.
No último item analisado, o plenário rejeitou destaque do PDT e manteve o veto parcial ao Projeto de Lei 2/2011 (agora, Lei 13.271/2016) para proibir a revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho. O veto excluiu da legislação o artigo que previa a revista íntima feita exclusivamente por agentes do sexo feminino em dependências prisionais, sob investigação policial. O Executivo justificou o veto alegando que tal redação permitiria a interpretação de que a revista íntima em estabelecimentos prisionais estaria autorizada. Além disso, diz o veto, também daria a entender que quaisquer revistas seriam operadas unicamente por servidoras, tanto em detentos do sexo masculino quanto do feminino.
Anistia e seguro rural
Mais cedo, outros vetos presidenciais foram derrubados pelo Congresso. Um dos dispositivos rejeitados pelos parlamentares foi um executado na Medida Provisória 682/2015, que atribui à Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda, a função de gerir o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR). A matéria foi convertida na Lei 13.195/2015. Entre os itens está o que exige da instituição financeira a apresentação ao cliente de um mínimo de duas propostas de diferentes seguradoras na contratação de apólice de seguro rural como garantia para empréstimos rurais.
O governo tinha vetado essas partes com o argumento de que as medidas desconsideravam a inexistência de padronização das apólices de seguro rural e sua ampla variação de cobertura. Quanto à dispensa de seguro para o crédito de custeio, o argumento foi de que isso poderia acarretar prejuízos aos cofres públicos.
Também foi derrubada o veto à anistia de policiais e bombeiros militares que participaram de movimentos reivindicatórios em diversos estados contou com apoio de parlamentares de governo e de oposição. Proibidos de se manifestar, esses militares recebem penas administrativas. O projeto (PL 177/15) beneficia militares do Amazonas, do Pará, do Acre, de Mato Grosso do Sul, do Maranhão, de Alagoas, do Rio de Janeiro, da Paraíba e do Tocantins.