A cassação do mandato, com o apoio de 450 de seus 512 colegas, não tirou de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) apenas os benefícios garantidos a um parlamentar, como o salário de R$ 33,7 mil, a verba de R$ 92 mil para contratar assessores de confiança, e a cota de R$ 35,7 mil para cobrir despesas ou o apartamento funcional que ocupava. Subtraiu dele também a prerrogativa de ser investigado e julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramitam os processos contra parlamentares e outras autoridades federais. E – o que é pior para o agora ex-deputado – deve empurrar parte de suas encrencas judiciais para o juiz Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato na Justiça Federal em Curitiba. Cunha é réu em duas ações penais e investigado em pelo menos outros seis inquéritos, quase todos sigilosos e relacionados à Lava Jato.
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Desde o início da operação, em março de 2014, Moro já proferiu 106 condenações que somam quase 1.150 anos. Enquanto isso, no Supremo, não houve até agora qualquer condenação. Os casos mais adiantados são justamente os de Eduardo Cunha, que já é réu em duas ações penais. Uma terceira denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava para ser apreciada pelos ministros. Mas, com a cassação do mandato, o caso deve se juntar aos outros inquéritos de Cunha relacionados à Lava Jato que tendem a descer para Curitiba.
O deputado cassado ainda é investigado por corrupção em investigações sem relação direta com a operação e que, por isso, devem ser enviadas para análise de outro juizado. Afastado da presidência da Câmara no início de maio pelo Supremo, Cunha ainda é alvo de um pedido de prisão apresentado na mesma época pela PGR. O STF, no entanto, não se manifestou sobre esse assunto.
Eleito presidente da Câmara em fevereiro de 2015 com 267 votos, Cunha foi cassado nessa segunda-feira pelos colegas: 450 votaram pela perda do mandato, dez votaram contra a cassação, nove se abstiveram e 42 faltaram à sessão, o que o favorecia. Eram necessários 257 votos para cassar o mandato dele sob a acusação de ter mentido em depoimento à CPI da Petrobras sobre a existência de contas bancárias não declaradas no exterior.
Veja a seguir as complicações que Cunha tem na Justiça, agora sem o foro privilegiado:
Navios-sonda
Em 3 de março, por unanimidade, o STF aceitou a primeira denúncia contra Eduardo Cunha pela suspeita de recebimento de propina pela venda de navios-sonda da Petrobras. Nesse processo, o deputado é acusado de receber US$ 5 milhões pagos como propina para liberar contrato do estaleiro Samsung Heavy. Segundo a PGR, o deputado usou requerimentos para chantagear o lobista Júlio Camargo e o grupo Mitsui a pagarem esse valor. É réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Contas na Suíça
Em 22 de junho, o Supremo aceitou, também por unanimidade, denúncia da Procuradoria-Geral da República de que Cunha manteve contas secretas na Suíça abastecidas com dinheiro desviado de contratos da Petrobras. O relator da Operação Lava Jato, Teori Zavascki, argumentou que há “indícios robustos” para abrir a ação penal contra o peemedebista e apurar os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, evasão fiscal e falsidade eleitoral.
Porto Maravilha
Em 10 de junho, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou uma terceira denúncia contra Cunha pela suspeita de recebimento de propina de R$ 52 milhões em obras no Porto Maravilha. De acordo com a acusação, o dinheiro foi pago mediante liberação de recursos da Caixa Econômica Federal a empreiteiras para benfeitorias do terminal no Rio. Ex-vice-presidente da Caixa indicado por Eduardo Cunha para o cargo, Fabio Cleto disse, em delação premiada, que o deputado recebeu essa propina em uma conta no Uruguai.
Schahin
O Ministério Público Federal ainda acusa o peemedebista de se utilizar de requerimentos parlamentares para pressionar donos do grupo Schahin a manter contratos com o doleiro Lúcio Funaro. Os procuradores alegam que, como pagamento, Cunha recebeu a quitação de dívidas de alguns carros que estão em nome de uma produtora pertencente à sua família.
BTG Pactual
É investigado junto com o dono do BTG Pactual, André Esteves, por corrupção e lavagem de dinheiro. O inquérito apura se Cunha vendeu emendas parlamentares que beneficiaram o BTG. Relator da Lava Jato, o ministro Teori Zavascki concluiu que o caso não está relacionado aos desvios apurados na operação e abdicou da relatoria.
Setor elétrico
É acusado pelo procurador-geral da República de “liderar uma célula criminosa em Furnas”, empresa subsidiária da Eletrobras investigada na Operação Lava Jato. Conforme depoimento de delação premiada do ex-senador cassado Delcídio do Amaral (MS), Cunha atuou na Câmara para alterar a legislação do setor elétrico, entre 2007 e 2008, a fim de favorecer a empresa Serra da Carioca II, na venda de ações para Furnas, e o doleiro Lúcio Funaro, considerado operador financeiro de Cunha.
FGTS
Segundo o delator Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal, 1% dos contratos com recursos do Fundo de Investimento do FGTS era desviado em forma de propina. Desse percentual, 80% ficavam com Cunha, segundo acerto com o doleiro Lúcio Funaro.
Pedido de prisão
Está nas mãos do ministro Teori Zavascki, desde maio, um pedido de prisão de Cunha por interferir nas investigações contra ele no Conselho de Ética. Em 5 de maio, Cunha teve o mandato parlamentar suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por 11 motivos listados pelo procurador-geral, Rodrigo Janot:
- Apresentação de requerimentos, por meio de aliados, para cobrar pagamento de propina do grupo Mitsui e dirigentes de empresas de petróleo;
- Requerimentos e convocações na Câmara a para pressionar donos do grupo Schahin, com apoio do doleiro Lúcio Funaro;
- Atuação para convocar a advogada Beatriz Catta Preta à CPI da Petrobras para “intimidar quem ousou contrariar seus interesses”;
- Contratação da empresa de espionagem Kroll pela CPI da Petrobras, “empresa de investigação financeira com atuação controvertida no Brasil”;
- Utilização da CPI da Petrobras para pressionar o Grupo Schahin e convocar parentes do doleiro Alberto Youssef;
- Abuso de poder para impedir que um colaborador corrija ou acrescente informações em depoimentos prestados anteriormente;
- Retaliação a quem contraria seus interesses, como o ex-diretor de informática da Câmara Luiz Eira, exonerado sob a “acusação” de ter revelado a autoria de requerimentos feitos por aliados de Cunha;
- Recebimento de vantagens indevidas para aprovar medida provisória de interesse do banco BTG, de André Esteves;
- Uso de “manobras espúrias” para evitar investigação no Conselho de Ética Câmara, com obstrução da pauta com intuito de se beneficiar;
- Ameaças ao deputado Fausto Pinato (PP-SP), ex-relator do seu processo de cassação;
- Novas ameaças e oferta de propina a Fausto Pinato.
Outras complicações
A esposa de Cunha, a jornalista Cláudia Cruz, e a filha dele, Danielle Dytz, são suspeitas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. As duas movimentaram US$ 1 milhão com um cartão de crédito ligado à conta offshore “Köpek”, na Suíça, da qual Cláudia é a única controladora. Segundo o Ministério Público Federal, a conta recebeu depósitos de fontes suspeitas para viabilizar, entre outras coisas, a aquisição de parte de um bloco de exploração na África pela Petrobras, em 2011. Cláudia virou ré e deve ser julgada pelo juiz Sérgio Moro. A maior parte dos recursos da Köpek vem de três contas offshore ligadas a Cunha: Triumph, Netherton e Orion. A Procuradoria-Geral da República sustenta que o dinheiro seguiu para as offshores Lusitania Petroleum e Acona, antes de chegar aos “trustes” de Cunha.
O ex-deputado é alvo de uma ação civil pública de improbidade administrativa na Justiça Federal em Curitiba, acusado de ter se beneficiado do esquema de corrupção na Diretoria Internacional da Petrobras. Os procuradores pedem que ele seja condenado à suspensão dos direitos políticos por dez anos e pague uma multa de R$ 270 milhões. Um juiz do Paraná congelou os bens de Cunha e de Cláudia Cruz.
Em outra frente, o Banco Central aplicou multas de R$ 1 milhão ao deputado afastado e de R$ 130 mil à mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz. O processo administrativo foi aberto em virtude de o casal não ter declarado recursos no exterior. A defesa de Cunha argumenta que não há obrigatoriedade na declaração de “trusts”, já que eles não implicam em titularidade do patrimônio.
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