Na última quarta-feira (16), o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), reuniu-se com a presidenta Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Em pauta, a redivisão dos chamados royalties do petróleo (valores pagos como compensação sócio-ambiental pela extração do minério), polêmico projeto à espera de votação na Câmara que tem posto em lados opostos estados produtores e não produtores, gerando uma espécie de guerra de secessão no país. De um lado, os estados produtores de petróleo, especialmente o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, tentam manter as regras atuais que lhes garantem o maior naco de recursos. De outros, os demais estados, a maioria, querem um distribuição desse dinheiro mais generosa em relação aos estados não produtores, diante da perspectiva de grande aumento da produção após a descoberta das reservas da camada pré-sal.
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O texto apresentado pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), relator do projeto de lei, propõe a redivisão dos recursos a partir de critério semelhante ao usado para a distribuição dos fundos de participação dos estados e dos municípios (FPE e FPM). Vital defende que o dinheiro seja repartido de forma diretamente proporcional à população e inversamente proporcional à renda. O que representa grandes perdas para um estado como o Espírito Santo, que tem população relativamente pequena e de renda acima da média nacional. A proposta eleva consideravelmente a parcela transferida aos estados não produtores, dinheiro que será retirado daquilo que as unidades produtoras ganham atualmente. Para Casagrande, além do prejuízo imposto aos estados produtores, a mudança é ilegal, porque ela implicará a quebra de contratos vigentes.
Da reunião com Dilma, o governador do Espírito Santo saiu com a promessa de que serão respeitados, qualquer que seja a regra aprovada, os contratos em vigor. Enquanto isso, a presidenta busca chegar a um acordo que arrefeça os ânimos de produtores e não produtores em torno da discussão. Sua intenção é, na busca desse entendimento, deixar a discussão em torno dos royalties para 2012, ano eleitoral.
Veto presidencial
Governador de um dos três principais estados produtores, Casagrande falou ao Congresso em Foco sobre o impasse e a primeira derrota dos estados produtores, com a aprovação do PL 448/2011. A entrevista foi concedida durante a cerimônia de entrega do Prêmio Congresso em Foco deste ano, prestigiada pelo governador capixaba. Confiante em um entendimento na Câmara, em um primeiro momento, o ex-senador diz que, se isso não for possível, resta o veto presidencial. Em um último estágio, e novamente esgotadas as possibilidades de entendimento, a alternativa seria o Judiciário – o que, nas palavras do governador, seria o fracasso da política em relação ao tema.
“Ninguém pode romper contratos assim. Eu tenho um contrato assinado que gerou uma expectativa de receita no meu estado. Eu não posso ter uma diminuição dessa expectativa, porque já se cumpriu um acordo através da assinatura do contrato”, disse Casagrande.
PublicidadeDiante da promessa de Dilma de respeito os contratos, Casagrande disse ao Congresso em Foco confiar que ela acabará alterando o que foi votado no Senado, seja orientando sua base a modificar a situação na Câmara seja, em última instância, fazendo vetos ao projeto. Nessa última hipótese, o risco seria a pressão da sua base governista, cuja maioria está em estados que não produzem petróleo e sonham com os novos recursos a receber a partir da proposta de Vital do Rêgo. Essa pressão poderia levar a retaliações. Casagrande afirmou não acreditar que isso aconteça.
“Eu acho que a presidenta vai ter capacidade de fazer o entendimento, a expectativa é essa. Até porque ela já há muito tempo diz que não concorda com rompimento de contrato. Tenho convicção, confiança que ela vai buscar usar a sua liderança para fechar o entendimento. Isso protegerá o Brasil, protegerá todos os estados, e vai protegê-la politicamente também”, acredita Renato Casagrande.
O governador, porém, espera que a saída não tenha de se dar de forma mais unilateral, com o veto de Dilma ou, numa hipótese mais drástica, com o recurso à Justiça. Ex-parlamentar, ele confia na possibilidade que o campo do entendimento seja o próprio Congresso. “Eu acredito primeiro em uma saída na Câmara, eu tenho de acreditar em cada etapa. Se não for possível uma saída na Câmara, que seja pelo veto da presidenta. E, em última instância, se por acaso a política fracassar, o jeito vai ser uma ação no Supremo Tribunal Federal”, acrescentou, certo de que, caso o assunto chegue às barras da Justiça, os estados produtores poderão manter seus compromissos. “Não tenho dúvida alguma. O Supremo vai dar ganho de causa à nossa questão.”
Descontentamento no Congresso
Segundo Casagrande, a questão urgente são os empreendimentos em curso em plataformas, refinarias e distribuidoras. Para o governador, que nos últimos dias intensificou o diálogo com parlamentares de diversos partidos, o primeiro passo é evitar que se imponha o “prejuízo” de uma possível quebra de contratos, o que acarretaria perda imediata de receitas para estados e municípios.
“Primeiro, nós estamos tentando evitar o prejuízo, porque qualquer alteração dos contratos já assinados vai nos levar à Justiça. E a Justiça pode tomar uma decisão, que é a mais correta, e tecnicamente ajustada, de impedir qualquer alteração desses contratos”, avaliou.
Integrante da base governista no Senado na legislatura passada, Casagrande disse ainda, numa avaliação da própria experiência de aliado do governo petista, que o Planalto pode fazer mais em nome do “entendimento”. “Estamos trabalhando muito para que a Câmara possa tomar uma decisão equilibrada, e pedindo à presidenta Dilma que ela possa, no governo federal, coordenar o processo. Até agora o governo não coordenou, como sabe coordenar, esse procedimento de entendimento”, criticou.
O governador até admite a possibilidade de mudança, a longo prazo, no sistema de distribuição dos recursos do petróleo. Desde que, reforça, seja respeitada a legislação em vigor e resguardados os empreendimentos em curso, que movimentam bilhões de reais nos entes produtores. “Que façamos uma distribuição mais igualitária para o futuro, mas preservando os contratos já assinados”, emendou.
Fator Chevron
Em meio aos atritos envolvendo entes federativos e às crescentes divergências regionais no Congresso, uma fatalidade com prejuízos ambientais tende a vitaminar os argumentos dos estados produtores. Na última semana, a repercussão do vazamento de petróleo na Bacia de Campos, descoberto há duas semanas a cerca de 100 quilômetros do litoral do Rio de Janeiro, refletiu no ânimo dos defensores do modelo atual dos royalties e já foi incorporada às discussões no Congresso.
O vazamento de óleo está sendo usado pelos parlamentares dos estados produtores como a constatação mais clara de que abrigar poços de petróleo não é um fator que traga apenas bônus. O vazamento tem custos contabilizáveis (nos esforços do governo para contê-lo) e outros que não são possíveis de calcular (especialmente os relacionados ao impacto no meio ambiente). Para os estados produtores, é o que justifica que fique com eles a maior parte dos recursos dos royalties, como uma espécie de ressarcimento pelas consequências de abrigar as reservas.
“O fato da Chevron não é apenas mais um motivo, e leva as pessoas a refletirem com mais equilíbrio sobre as coisas. Sempre que a gente fala que royalties são uma compensação por dano ambiental, por necessidade de investimento em infraestrutura, ou na área social, as pessoas acham que isso é argumento para manter uma situação sem alterações. Este evento mostrou claramente que é importante que haja uma previsão para compensação na área ambiental, na área social, na infraestrutura”, ponderou Casagrande, confiante em que o episódio trará “equilíbrio” à discussão, de maneira a evitar “injustiça com estados produtores”.
Operada pela empresa norte-americana Chevron, a plataforma não contava com sistema de emergência suficiente para conter eventuais vazamentos. No final das contas, após falha do sistema de monitoramento, foi a Petrobras quem detectou a origem geográfica do vazamento dias depois de seu início. Para complicar sua situação, e dar ainda mais munição aos estados produtores, a empresa petrolífera resolveu não recolher o óleo derramado no oceano, e optou pela chamada dispersão mecânica. O procedimento consiste em espalhar minério com jatos de areia, empurrando o resíduo para o fundo do mar. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, a mancha chegou a 13 quilômetros quadrados de área e 18 de extensão.
Rigor
Perito nomeado pela Polícia Federal para acompanhar o caso, o oceanógrafo David Zee, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ironizou a postura da Chevron em rejeitar a operação de recolhimento do petróleo, muito mais cara do que a multa imposta pela legislação brasileira para esses casos, limitada em R$ 50 milhões. “Está ficando vantajoso”, declarou o especialista, ao dizer que é mais fácil para a empresa pagar multa do que arcar com os custos do recolhimento. Mas o secretário estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc, já adiantou que cabem mais sanções com fins de reposição de danos ao meio ambiente, além de outras a serem definidas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) com base em diferentes artigos da legislação ambiental.
Já o governador do Rio, Sérgio Cabral, ao manifestar preocupação com os danos ambientais, antecipou-se em ressaltar a importância dos recursos dos royalties para o estado na resolução de problemas desse tipo. Para ele, o vazamento da Chevron é “clara demonstração do que significa um dano ambiental em um estado produtor de petróleo”.
Para Casagrande, no entanto, o assunto deve ser analisado com cautela, para que algo negativo para o conjunto do país não seja usado de forma oportunista ou inadequada. “A gente não pode usar uma coisa ruim dessa [na defesa do modelo atual de distribuição dos royalties], mas ela leva a situação para um ponto de mais equilíbrio na decisão da Câmara dos Deputados”, concluiu.
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