Relator de processos que apontam que 1.588 funcionários do Congresso ganham supersalários – 476 no Senado e 1.112 na Câmara – além de inúmeras irregularidades nas folhas de pagamento das duas Casas, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Raimundo Carreiro indica, em entrevista ao Congresso em Foco, que não deverá responsabilizar nenhum dos políticos e diretores que atuam na administração do Congresso pelos problemas encontrados pelos auditores do tribunal. Antes de ser ministro do TCU, Carreio foi secretário-geral da Mesa do Senado. Na entrevista, Carreiro põe em dúvida se os administradores do Senado podem ser responsabilizados por terem feitos pagamentos acima do teto constitucional. Também acredita que os funcionários não podem ser cobrados a devolver os rendimentos recebidos a mais. Duvida mesmo que a quantidade de casos irregulares no Senado, seu ex-local de trabalho, seja aquela apurada pelos técnicos do TCU. Além disso, o ministro ainda acredita que a casa presidida pelo senador José Sarney (PMDB-AP) já resolveu a maior parte de seus problemas com supersalários e ilegalidades na folhas de pagamento.
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“Essa questão do teto, lá no Senado está resolvida”, afirmou ele, em entrevista ao Congresso em Foco, sempre enfatizando que vai analisar várias situações específicas e que não está adiantando seu voto. Mas as posições do ministro não convergem com a de todo os membros do tribunal e também com a de outros juristas. Pela Constituição, nenhum político, autoridade ou servidor pode ganhar mais que R$ 26.723 por mês.
Carreiro disse que existem entendimentos de tribunais, a chamada “jurisprudência”, que livram os administradores de responsabilidade se eles fazem pagamentos ilegais, mas sem intenção de beneficiar os colegas. “A jurisprudência vai nesse ponto: quando o gestor aplica a lei por uma interpretação que não foi intencional de beneficiar A ou B… a gente tem ponderado assim”, afirmou ele.
Se prevalecer a posição de Carreiro, ela amenizará consideravelmente o entendimento dos auditores do tribunal. A auditoria do TCU indicou como “responsáveis” por rombos que somam R$ 157 milhões na folha de pagamento vários ex-diretores do Senado, como o hoje deputado distrital de Brasília Agaciel Maia (PTC).
Sem devolução
Carreiro demonstra ser contra a punição de servidores que receberam os supersalários, porque entende que eles receberam os rendimentos de boa fé. “Quando se fala de salário recebido de boa fé, o tribunal geralmente… tem súmula de que, se for de boa fé, não devolve. Mas a gente tem que analisar isso aí direitinho, caso a caso”
As investigações nas mãos de Carreiro informam que há 476 servidores do Senado ganhando mais que o teto. Mas o relator desconfia da estatística. “No Senado, foi identificado um bocado de gente, mas aquilo não é bem verdadeiro, não”, afirmou. Carreiro diz que a 2ª Câmara do Supremo Tribunal Federal decidiu que as chamadas “vantagens pessoais nominalmente identificadas” não entram na conta do teto. Isso inflaria a quantidade de funcionários com irregularidades, raciocina o relator do processo.
Medidas corretivas
Carreiro vai avaliar se o Senado tomou algumas soluções para remediar os problemas identificados na auditoria, que viu supersalários e outras irregularidades na folha de pagamentos da Casa. Entre as medidas, ele cita o plano de carreira adotado em 2010 e novas normas internas do Senado. “Eu acho que eles resolveram isso no plano de carreira. Vou analisar”, disse Carreiro, ao comentar problemas no contracheque de consultores.
Se o problema futuro foi corrigido ou não, o ministro vai avaliar como fica o prejuízo causado no passado. Ele vai defender a devolução do dinheiro pago a mais? “Aí tem que ver”, respondeu Carreiro.
“Na verdade, essa questão do teto, lá no Senado está resolvida. Eles tiraram horas extras… Nada melhor do que o tempo. Com essa identificação do tribunal e com a oitiva que foi feita [com funcionários do Senado], muitas coisas já foram corrigidas automaticamente, como a gratificação de função”, considera Carreiro.
Carreiro informa algo nunca admitido pelo Senado: as funções comissionadas, segundo ele, passaram a ser consideradas para cálculo do teto. Essa é a principal queixa do Ministério Público com relação ao Senado e Câmara, porque, sem a inclusão dessa verba na conta, os servidores conseguiam ultrapassar o limite de R$ 26.723 por mês.
Divergências
A posição de Carreiro – que foi secretário-geral do Senado por 12 anos – não é unânime nem dentro e nem fora do TCU. O próprio ministro exemplificou. Recentemente, um ex-presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi punido pela corte de contas por pagar verbas a um grupo de servidores que tinha obtido 19 mandados de segurança, mas as decisões foram derrubadas em instâncias superiores.
Carreiro votou pela falta de responsabilidade do desembargador, mas ficou vencido na argumentação com os colegas e o relator daquele caso, ministro José Jorge. Os funcionários tiveram que devolver todo o dinheiro indevidamente. E o ex-presidente do TJ ainda foi punido com multa pelo TCU. “Eu tentei demonstrar por A mais B que ele agiu de boa fé e que não foi uma interpretação corporativa, mas não adiantou, não”, contou Carreiro.
Punição de servidor
Assim como no caso do TJ do Distrito Federal, há juristas que entendem que o servidor tem de devolver os valores ganhos a mais, mesmo considerando-se a jurisprudência da boa fé. Para o professor de direito administrativo da PUC-SP Maurício Zockun, é preciso verificar caso a caso se a responsabilidade pelos pagamentos ilegais foi do gestor ou do servidor. Para o advogado Diamantino Silva Filho, está claro que o funcionário é quem deve ser punido.
O ministro deve terminar seu voto sobre as auditorias no Senado e na Câmara e levar o caso ao plenário do TCU em março, segundo seus próprios cálculos e os de outras fontes ouvidas pelo site. No seu voto, vai confrontar a investigação dos auditores com as explicações das administrações das duas Casas legislativas.
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