A ideia nasceu da possibilidade de promover agentes da polícia legislativa do nível médio para o nível superior. Sem rejeição por parte da Mesa, a extensão do benefício passou a ser considerada para os mais de três mil servidores de nível técnico (aprovados em concurso sem exigência curso superior), entre ativos e inativos. Assim, a mudança pode beneficiar profissionais de nível médio com atribuições, entre outras, de assistente administrativo, adjunto parlamentar, operador de máquina (xerocopistas), agente de serviços legislativos e motorista.
O Congresso em Foco teve acesso a um estudo técnico com valores sobre o impacto orçamentário resultante da mudança. Extraídos de dados de transparência da Câmara, os cálculos se baseiam na diferença de remuneração (R$ 6,8 mil em média) entre técnicos e analistas legislativos e na multiplicação desse total por todos os cargos técnicos contemplados (1.640 ativos e 1.449 inativos). Essa matemática revela que o impacto da equiparação chegaria a R$ 134 milhões apenas nos casos dos servidores ativos – dos quais R$ 22,3 milhões referentes apenas à polícia legislativa. No caso dos inativos, o custo adicional seria de R$ 112 milhões.
Dessa vez, a novidade em relação ao nivelamento de carreiras – mecanismo que ganhou fama como “trem da alegria” – é a natureza do procedimento. A estratégia agora é apostar na exigência de curso superior para que, uma vez em vigência, a regra abra caminho para a equiparação salarial em uma segunda etapa. Nesse sentido, um projeto de resolução da Mesa Diretora, em vez de determinar diretamente que técnicos ganhem status remuneratório de analistas, prepararia o terreno para permitir essa ascensão vertical por meio de um plano de carreira, no médio prazo.
“O profissional de nível superior na Câmara dos Deputados é o analista legislativo. Então, por que contratar servidores técnicos de nível superior se já há carreira de nível superior na Câmara? O que aconteceria em um ambiente de trabalho em que houvesse dois tipos de profissionais técnicos – um de nível superior e outro de nível médio executando as mesmas atribuições? E uma outra carreira, também de nível superior, recebendo remuneração superior aos dois, como é o caso do analista?”, questiona o texto de um e-mail que circula na Câmara.
A reportagem procurou a Secretaria-Geral da Mesa (SGM) da Câmara para esclarecer o assunto, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.
PublicidadeVeto
Na mais recente tentativa da Câmara, a iniciativa de equiparação esbarrou em um veto presidencial a artigo do Projeto de Lei 5883/2009, convertido na Lei 12.256/2010 – que reestrutura a remuneração dos cargos de natureza especial e altera a tabela de fatores da Gratificação de Atividade Legislativa devida aos servidores efetivos. Por meio do devido processo legislativo, tentou-se a substituição do nível médio pelo nível superior como requisito técnico para composição do quadro funcional da Câmara. A mudança resultaria na seguinte situação: a necessidade de prestação de concurso em nível superior também para a categoria de técnico legislativo seria uma forma de equiparação, a longo prazo, com a categoria dos analistas legislativos, asseguradas as remunerações correspondentes.
“O dispositivo [artigo vetado no projeto de lei] transforma cargos ocupados de nível médio em cargos de nível superior, resultando assim em ascensão funcional por via indireta, violando o disposto no artigo 37, inciso II e parágrafo segundo, da Constituição”, diz o texto das razões para o veto presidencial, assinado pelo então presidente Lula, em 2010.
O que o veto evitou foi mais um encaminhamento de ascensão vertical de cargos por meio da mesma tabela de remuneração – na revisão dos planos de carreira, por exemplo, um grupo de técnicos com nível superior poderia ser “promovido”, como já aconteceu, ao mesmo status de analista. “Para quem fez um esforço tremendo para conquistar o nível superior na Casa, isso caracterizaria um ‘trem da alegria’ injusto para com a sociedade, com a Constituição e com os que conseguiram, mediante mérito, essa conquista”, reclamou à reportagem um servidor da cúpula administrativa.
Renitência
Com acesso às movimentações do novo “trem da alegria” da Câmara, o servidor concursado confidenciou ao Congresso em Foco que um grupo de servidores – muitos com décadas de Casa – não desiste das manobras de equiparação. Para a fonte, que solicitou anonimato temendo retaliações, o primeiro passo é a exigência de nível superior em concursos para cargos técnicos (hoje, de nível médio). Em seguida, diz, um plano de carreira se encarregaria da “promoção”.
“Se duas carreiras são separadas por um requisito de ingresso (nível superior e médio) e tal requisito desaparece e passa a ser exatamente o mesmo, é natural questionar-se o porquê de a remuneração dos dois ser diferente. É uma questão que seria suscitada naturalmente”, explica o servidor, resumindo o plano por trás do projeto de resolução em debate.
Para ele, a questão está contaminada pelo corporativismo e por interesses meramente políticos. “A política de RH [recursos humanos] é sempre voltada para o benefício do pessoal de nível médio. Eles ficam armando o tempo todo, e querem porque querem ascender ao nível superior sem concurso público. Existem milhares de pessoas estudando [para concurso]. Isso é um absurdo!”, protesta o servidor, resumindo a mentalidade dos que querem o benefício. “Se há dois funcionários fazendo a mesma coisa, a tendência é igualar para cima. Ou seja, o técnico ascenderia ao [status de] analista.”
O servidor explica que, como a tentativa mais recente foi freada pelo veto presidencial, um projeto de resolução aprovado com a “sutileza” regimental teria de ser complementado mais adiante. Em “dois ou três anos”, diz, a reformulação do plano de carreira dos servidores serviria à “arrumação” para beneficiar os técnicos legislativos. Ele relata uma disputa de poder que perdura há décadas na Câmara, com ocupantes de postos de chefia se revezando no jogo corporativo. No caso dessa nova modalidade de “promoção”, afirma, deputados da Mesa têm sido insistentemente procurados para viabilizar a demanda dos técnicos.
“Economia”
Em meio às dificuldades do governo Dilma Rousseff em reequilibrar as contas públicas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem patrocinado em Plenário a votação de uma série de projetos que, uma vez transformados em lei, geram ainda mais despesas para o Executivo. À frente da Mesa Diretora, por outro lado, Cunha tem alardeado iniciativas que, na contramão da chamada pauta-bomba, levariam à economia na Casa.
Como este site adiantou ontem, Cunha comunicou a líderes partidários um plano para reduzir em 66% os gastos da Câmara com o pagamento de horas extras a funcionários. O Congresso em Foco apurou que a decisão limita o número de servidores efetivos e comissionados que poderão receber o acréscimo salarial. O objetivo é baixar, de R$ 1,2 milhão para R$ 430 mil, as despesas em cada sessão com os adicionais pagos aos funcionários que trabalham após as 19h em dias reservados a votações.
“Você marca presença para a hora extra às 19h e volta às 21h para bater o ponto de volta. Não tem nada a ver com a sessão, eles [servidores] só fazem hora extra na parte paga. Absurdo”, declarou o peemedebista, na semana passada, negando qualquer relação entre o corte de despesas e as críticas que tem feito ao suposto excesso de gastos do governo Dilma.
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