A Câmara concluiu há pouco a análise dos destaques apresentados para tentar modificar o conteúdo da Medida Provisória (MP) 795/2017, cujo texto-base foi aprovado na última quarta-feira (29). Rejeitados nove destaques para alteração de conteúdo (leia mais abaixo), a matéria segue imediatamente para votação no Senado. A proposição, que entrou em vigência em 18 de agosto, concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas que irão explorar os blocos das camadas pré-sal e pós-sal, em isenções que também englobam a importação de máquinas e equipamentos empregados nas atividades de exploração. Polêmica, a MP é vista pela oposição como uma forma de o governo Michel Temer favorecer corporações estrangeiras e entregar o patrimônio natural do país a agentes internacionais.
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A matéria é tratada como especial atenção por parte do Palácio do Planalto, que diz apostar no incentivo ao desenvolvimento e no estímulo aos investimentos internacionais no Brasil. Em 11 de outubro, um ato prorrogou por 60 dias a vigência da MP 795, nos termos da edição do Diário Oficial da União daquela data – a extensão de validade, automática, está prevista o artigo 10 da Resolução 1/2002 do Congresso Nacional. O dispositivo garante que as MPs, caso não sejam votadas na Câmara e no Senado em um prazo de 60 dias desde sua edição, tem prorrogação imediata por igual período, uma única vez.
Paralelamente à proposição, o governo formalizou também o Decreto 9.128/2017, instrumento normativo que prorrogou, de 2020 para 2040, o prazo de validade do chamado Repetro. Em resumo, trata-se de um regime especial que isenta de tributos federais a comercialização de equipamentos utilizados em pesquisa e exploração industrial de reservas de petróleo e gás natural (lavras de jazidas).
Devido à queda de arrecadação decorrente da MP 795/2017, a oposição tem chamada a matéria de “MP do Trilhão”. A acusação oposicionista tem como base um conjunto de estudos produzidos pelas consultorias legislativa e de orçamento da Câmara. De acordo com o trabalho, a redução e até isenção total de impostos contidas na MP 795/2017, que beneficia petrolíferas até 2040, significa uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões ao ano, o equivalente a R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos.
Na votação desta noite, deputados contrários à matéria reforçaram o argumento de que as perdas fiscais serão gigantescas para o país. Oposicionistas também aproveitaram para criticar a reforma da Previdência, questionando a alegação do governo de rombo nas contas públicas e, ao mesmo tempo, abrindo mão de arrecadações que podem chegar à casa do trilhão nos próximos anos.
O líder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), reforçou o argumento de que a renúncia fiscal será de R$ 1 trilhão e afirmou que, pela lei da partilha de exploração do pré-sal, o custo da produção será restituído por meio da extração do óleo, sem prejuízo para as petroleiras. Para ele, trata-se de um negócio extremamente vantajoso para as empresas. “Aí o governo, com a medida provisória, diz que a empresa, na apuração dos impostos, poderá deduzir o valor aplicado nas atividades de exploração de jazidas. É a duplicação do benefício – a empresa ganha o custo de produção no contrato por meio de óleo e ainda vai poder deduzir dos impostos”, observou o petista.
Mas, para o relator da matéria, Júlio Lopes (PP-RJ), a MP dará “competitividade à indústria nacional” e não favorece apenas corporações estrangeiras. “Quero chamar a atenção, principalmente das bancadas do PCdoB e do Psol, para o fato de que essa medida provisória acaba com a propriedade, no exterior, de plataformas de petróleo, de sondas e de navios que eram arrendados, cuja propriedade continuava no exterior e as remessas de lucro continuavam sendo feitas para o exterior. A MP 795 internaliza esses bens, que serão afretados, mas primeiro, terão que ser internalizados, recolher impostos para os estados, de acordo com o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária] no nível de 3%. Portanto, essa medida é um avanço enorme, no ganho da Receita Federal, da simplificação do processo de isenção de impostos de toda a cadeia produtiva do petróleo”, defendeu o parlamentar fluminense.
Nove destaques
Na semana passada, oposição e governistas, com intermediação da Mesa Diretora, chegaram ao acordo de não haver obstrução na votação desta noite. Por volta das 20h30, após a rejeição de um dos destaques feitos ao texto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reclamou com líder do PT, Carlos Zarattini (SP), sobre os requerimentos de quebra de interstício apresentados pela bancada oposicionista.
Fiador da política reformista de Michel Temer, Rodrigo Maia acusou as bancadas oposicionistas de quebra de acordo feito na semana passada. Zarattini e Júlio Delgado (PSB-MG), que também participou do acordo, afirmaram que tratava-se apenas de requisição para que as votações fossem nominais, que impõem contagem de presenças em plenário e, consequentemente, ameaça derrubar sessões por falta de quórum. Resolvido o impasse, as votações foram realizadas de maneira simbólica.
Ao todo, oito sugestões de modificação da medida foram derrubadas em plenário. O primeiro dos destaques rejeitados, apresentado pelo PDT, queria retirar do conteúdo da MP a permissão para que petroleiras deduzam da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) os gastos com as atividades de exploração de jazidas. Segundo a oposição, a dedução já é praticada por meio de desconto em óleo, segundo a lei do regime de partilha de produção nas áreas do pré-sal.
Outro destaque, do PT, queria excluir da MP o dispositivo que não considera serviços de afretamento de navios para fins de incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), do PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação. O destaque seguinte, do PHS, foi rejeitado e queria retirar do texto a permissão do parcelamento de débitos sub judice atrelados ao pagamento de impostos sobre contratos de afretamento de navios, quando realizados em conjunto com serviços técnicos (sondagem ou refino de petróleo, etc). Tal parcelamento livra a petrolífera do pagamento de multas de mora, de ofício e de honorários advocatícios.
Em seguida foi a vez do destaque do PPS para um dos pontos mais polêmicos da medida. Com apoio de outros partidos da oposição, o PPS queria retirar da matéria o artigo que concedeu desconto de 100% das multas em parcelamento dos débitos acima descritos. O próximo dispositivo derrubado pela maioria governista foi do Psol, que queria excluir do texto o próprio Repetro. Mantido na matéria, o regime especial assegura à importação de bens do setor, que passarão a ter permanência definitiva no Brasil, a isenção do Imposto de Importação (II), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação.
Também foi rejeitado destaque patrocinado pelo PT, para incluir no texto emenda do deputado João Daniel (PT-SE) que estendia o regime especial de isenção à comercialização de bens no mercado interno brasileiro. A ideia era livrar de impostos, a exemplo do que é concedido aos bens importados, equipamentos comprados no Brasil para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo.
Outra emenda rejeitada, esta de autoria do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), visava restringir o Repetro para bens utilizados no setor petrolífero apenas àqueles sem similar no Brasil. Os destaque seguinte, do PSB, também foi rejeitado. O partido queria excluir da MP a isenção tributária para importação ou compra no mercado interno de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem empregados no setor.
Por fim, o plenário também rejeitou o destaque apresentado pelo PV. O dispositivo pretendia recuperar trecho original da MP que limitou a concessão dos benefícios tributários do Repetro até 31 de julho de 2022, derrubando-se o prazo definido no parecer do relator Júlio Lopes, 31 de dezembro de 2040. Encerrada a apreciação dos destaques por volta de 01h30 desta quarta-feira (6), a matéria segue para a análise do Senado e tem que ter tramitação concluída até a próxima segunda-feira (11), a dez dias do encerramento do ano legislativo.
MP do Trilhão
A medida foi apelidada de “MP do Trilhão” graças às isenções concedidas e que poderiam significar uma perda de arrecadação de cerca de R$ 1 trilhão em 25 anos. Parlamentares críticos da medida também afirmam que lobistas das petroleiras agiram em favor da medida, por meio de reuniões e incursões a gabinetes e comissões do Congresso.
Uma reportagem do jornal britânico The Guardian, publicada em novembro, também aponta a ação do ministro do Comércio do Reino Unido. Ele teria se encontrado com o secretário-executivo de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, em viagens ao Rio de Janeiro, a Belo Horizonte e a São Paulo em março deste ano. A MP foi editada em agosto.
O jornal revelou que um documento diplomático britânico obtido pelo Greenpeace aponta a ação de Pedrosa, pressionando colegas sobre as questões apresentadas pelo ministro britânico. As acusações de lobby também se estendem às petroleiras estrangeiras Shell e British Petroleum, que adquiriram os blocos de exploração do pré-sal e do pós-sal no leilão promovido pelo governo brasileiro em outubro. O governo do Reino Unido nega ter feito lobby.
Durante a tramitação da matéria na comissão mista (deputados e senadores) especialmente instalada para discuti-la, parlamentares denunciaram a ação de lobistas de empresas como a Shell e British Petroleum para interferir no texto final. Em uma dessas ocasiões, o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), chegou a apontar a atuação de um “lobista da Shell” durante audiência na presença do deputado Júlio Lopes.
Veja o vídeo:
Por meio de nota (veja íntegra abaixo) divulgada na última semana, a Receita Federal, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, apontou “erro de cálculo” e negou que a medida provisória representaria perdas bilionárias para o país. Na mesma linha, o relator da matéria, Júlio Lopes (PP-RJ), discursou em plenário e disse que a matéria, por meio das parcerias que viabiliza com os estrangeiros, “vai gerar bilhões para o Brasil”.
“A Medida Provisória nº 795, de 2017, visa alinhar a tributação do setor de petróleo e gás às práticas internacionais, reduzir o grande litígio tributário existente, restabelecer base tributária (com vistas a sua ampliação) e incentivar investimentos na indústria petrolífera do Brasil. Não existe concessão maciça de renúncia tributária. A principal desoneração contida na MP existe desde 1999, e está sendo apenas renovada e aperfeiçoada, para corrigir algumas distorções”, diz trecho da manifestação da Receita Federal.
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