Em entrevista à Agência Pública, Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), destaca que há um cerco com acusações “seletivas” em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O movimento deverá participar de atos na rua em apoio a Lula, mas manterá uma extensa agenda de protestos contra o governo Dilma, que, segundo ele, desde 2014 não libera recursos para o Minha Casa Minha Vida de famílias com renda até R$ 1.800.
Como você vê a investigação da Justiça sobre o ex-presidente Lula? Vocês foram para a rua?
Houve o desagravo ao presidente Lula na sexta-feira por causa da operação que foi feita, com a condução coercitiva, que foi arbitrária, absurda. Tanto por não haver intimação prévia quanto pela seletividade de alvos políticos, que parece que se transformou em regra. Todos os procedimentos foram atropelados ali. Na nota que divulgamos agora (em que protestam contra o governo), nos posicionamos contra isso de forma clara.
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Mas vocês vão para a rua como o PT tem pedido aos movimentos que mais o apoiam, como CUT e MST?
Isso vai depender dos próximos passos. À medida em que o MTST se posiciona contra esse tipo de operação, inclusive contra a manipulação midiática disso, entende que isso é um fator que visa fortalecer a direita hoje na política brasileira. O MTST esteve nas ruas no ano passado diversas vezes contra a tentativa de construir saídas à direita para a crise, contra o impeachment assim como contra esse cerco ao Lula.
PublicidadeO MTST tem um posicionamento claro. [Vai para a rua] se não houver um posicionamento do campo dos movimentos petistas que têm lá um compromisso de defesa do governo, se [a manifestação] não tem esse compromisso, porque o MTST tem uma autonomia rigorosa, e faz o enfrentamento do governo. O MTST vai intensificar as mobilizações de enfrentamento no próximo período por conta dos ataques do governo. Mas não é por isso que o MTST flerta com o discurso antipetista de uma certa direita do país que está se aproveitando de investigações de corrupção, não é por que enfrentamos políticas do governo Dilma que nós defendemos medidas à direita como o impeachment defendido pelo Eduardo Cunha (presidente da Câmara).
Numa eventual prisão do presidente Lula, como agirá o MTST?
O MTST já se posicionou. É um absurdo o que aconteceu na condução coercitiva e uma prisão nesses termos seria ainda mais absurda. Seria muito ousado da parte desses que estão conduzindo a Lava-Jato ou tentando construir uma saída para a crise prender o Lula, independentemente de qualquer julgamento que se possa ter em relação a ele. É uma figura popular, considerado ainda pela maioria do país como o melhor presidente da História, o mais popular, e é evidente o risco de reação social caso prendam o Lula principalmente com uma prisão injustificada e arbitrária.
O ex-presidente Lula desde sua campanha de 2002, com a Carta aos Brasileiros, se coloca como uma figura conciliatória entre as elites e os trabalhadores. Esse diálogo se esgotou e o que ocorre agora Lula comprova isso ou se trata de outra questão?
O espaço para uma política de conciliação de classes no Brasil agora está muito limitado, se não esgotado. Lula conseguiu fazer esse pacto em um período de crescimento econômico, quando era mais fácil dividir o bolo, estabelecer o ganha-ganha, se bem que essa divisão foi desproporcional porque os ricos ganharam muito mais. Agora, em um período de crise, a possibilidade de se conciliar interesses é muito menor. E há outro fator no Brasil. O governo Lula, os governos petistas não fizeram nenhuma reforma estrutural. Não combateram os grandes privilégios da elite. E mesmo assim são perseguidos por uma elite atrasada e conservadora no Brasil. Nós temos uma elite que não aceita nenhum tipo de concessão. Mesmo que ela se mantenha no topo, ela não aceita algum grau de mobilidade social, o que impede qualquer possibilidade de conciliação. O cerco que está sendo feito ao governo petista e ao Lula é mais uma extensão do esgotamento da política de conciliação do Brasil, inclusive da ingratidão da burguesia brasileira.
Como você avalia o fortalecimento do Poder Judiciário?
Ele é hoje o Poder mais conservador do País. Não tem nenhum controle social. Executivo e Legislativo, com todas as distorções e aberrações do sistema político brasileiro, ainda assim têm algum grau de controle social de quatro em quatro anos. O Judiciário nem isso tem e, por isso, mantém privilégios aristocráticos. O juiz Sérgio Moro, tão indignado com a corrupção e tão zeloso pelo dinheiro público, não fala nada sobre o auxílio-moradia que ele deve receber também. Os juízes todos têm casa própria e recebem uma fortuna do erário público como privilégio de auxílio-moradia. Fazer uma escalada de judicialização da política e achar que isso vai limpar a política brasileira é um discurso que cola porque o sistema político está extremamente desgastado, as pessoas não acreditam em soluções institucionais. E têm razões para não acreditar. E o Judiciário vai nessa e pode criar heróis. A última vez que isso aconteceu foi na Operação Mãos Limpas, na Itália, e isso não deu no fim da corrupção, deu em Berlusconi, com a corrupção ainda mais abjeta e depravada durante 12 anos de governo.
Para você, o país corre risco institucional ou a democracia está consolidada?
Não se pode falar em democracia política sólida sem o mínimo de democracia econômica. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e agora passa por esse processo de recessão, com aumento do desemprego, com aumento do abismo entre os mais ricos e os mais pobres. É difícil falar em democracia política quando os conflitos na base da sociedade são explosivos, além do que há, com Eduardo Cunha como presidente da Câmara, um ativismo parlamentar que ameaça os direitos individuais dentro da legislação. Não precisa ameaçar com ditadura de botar tanque na rua. E tem um governo encampando pauta da direta. Não se pode falar de ataque à democracia sem falar na aprovação da lei antiterrorismo. O autoritarismo avança dentro das regras formais.
O governo Dilma se sustenta até 2018?
É difícil afirmar. É uma situação muito insólita. O governo Dilma, reeleito, renegou seu programa, sob o argumento de sustentar uma governabilidade. Foi cedendo passo a passo às pautas da direita. O mais dramático é que, mesmo cedendo a tudo, a direita não quis recompor. O governo entregou o ouro e não ganhou a governabilidade em troca. Perdeu sua base social por causa dessa guinada e não conseguiu com isso estabelecer a governabilidade parlamentar. Mas da parte dos movimentos sociais, não há nenhum interesse em derrubar esse governo. Porque o que está colocado hoje, a alternativa do impeachment ou cassação, implicaria em saídas ainda mais à direita.
O MTST lançou na segunda-feira uma agenda de protestos contra o governo federal. Qual é a pauta?
A presidente Dilma não atende nenhuma pauta dos movimentos sociais e sinaliza com uma série de retrocessos. Este ano não teve nenhuma reunião da qual o MTST tenha participado. Desde 2014, não há liberação de recursos para a construção do Minha Casa Minha Vida faixa 1, que é o das famílias mais pobres, com renda até R$1.800. O programa está paralisado há um ano meio. Esta é uma das reivindicações centrais.
Na manifestação do 8 de Março, um dos ataques mais duros é sobre a reforma da Previdência, da idade de aposentadoria para homens e mulheres. Somos contra a proposta do governo (que aumenta a idade mínima).
Quero dizer mais uma coisa. Como repercussão do documento que divulgamos de protesto contra o governo, anunciando as manifestações, houve setores que disseram que quem faz crítica ao governo Dilma fortalece a direita. Queremos pontuar de forma muito clara que o fato de o MTST intensificar suas mobilizações por direitos sociais, por liberação de recursos por moradia, contra atos governo, como reforma da Previdência ou fiscal, nem de longe deve ser entendido como um alinhamento à direita. Se há alguém que fortalece a direita no país neste momento é o governo, com as políticas que tem adotado, abandonando seu programa. Não o movimento social que questiona isso.
Os que questionam isso do MTST parecem sofrer de grave amnésia, porque o movimento no ano passado fez as manifestações contra o impeachment.
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