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Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco: O senhor apresentou no Senado, em 2003, o primeiro projeto sobre transparência. Ele só seria aprovado mais de cinco anos depois. Por que a demora diante de um tema tão importante?
João Capiberibe: Olha, quando os projetos são de interesse da coletividade, da sociedade, de uma forma pragmática eles são impedidos de tramitar, terminam ficando nas gavetas. A tramitação desse tipo de projeto – de interesse da coletividade, que ajuda a tornar transparente o uso dos recursos públicos – só ocorre de ser aprovado quando acontece um escândalo. Diante do escândalo, em que o Parlamento se vê na obrigação de dar satisfação para a sociedade, aí se levantam os projetos de interesse da coletividade, projetos que podem ajudar no controle da corrupção e do mau uso do dinheiro. Aí eles tramitam. Como é o caso da Lei Complementar 131, de 2009 – como é que [o projeto da transparência] se transforma em lei? Com um escândalo – o famoso escândalo das passagens aéreas…
Que o Congresso em Foco revelou ao país, com exclusividade, e ficou conhecido como “farra das passagens”.
Exatamente. A partir daquele momento, a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção da Câmara se reuniu. A deputada federal Janete Capiberibe, minha companheira, era membro da Frente. Eles escolheram os projetos mais importantes, do ponto de vista do combate à corrupção, e aí minha proposta vem como primeiro item da pauta. A partir desse escândalo das passagens é que é retomada [a tramitação], depois de cinco anos engavetado [na Câmara], e rapidamente ele termina sendo aprovado tal qual foi aprovado no Senado, e vira lei – e uma lei que está construindo história.
De fato, a Lei da Transparência entrou em vigência em 2009, pouco depois da repercussão gerada pela nossa série de reportagens. A aplicação da legislação é satisfatória?
Não! Ainda falta muito, e é preciso aprimorar os dispositivos da lei. Estamos tramitando agora um novo projeto – o PLS [Projeto de Lei do Senado] 570, de 2015 – que estabelece penas mais duras para os recalcitrantes, aqueles que insistem em não cumprir a Lei Complementar 131, a Lei da Transparência. E, em outro mecanismo importante, vamos padronizar os portais de transparência. Porque, hoje, há uma certa resistência ao cumprimento da lei. Muitos entes públicos colocam seus portais de transparência, mas dificultam o acesso do cidadão. Então, é a mesma coisa que as informações não existirem. Há alguns passos a serem dados para que a lei possa ser cumprida na sua plenitude. Mas nós demos um salto significativo; eu acho que, com a Lei da Transparência, o Brasil se tornou, do ponto de vista de execução orçamentária e financeira, um dos países mais transparentes do mundo. Agora, se você me perguntar: isso acaba com a corrupção? Não. De maneira alguma. Continua. Só que há um controle, um cuidado maior dos entes públicos para não se exporem de uma forma tão aberta. Aí, os mecanismos de corrupção, de desvio de recursos também vão ser refinados – à medida que você vai aprimorando a lei, os corruptos vão, também, refinando a sua maneira de desviar recursos.
A punição mais rigorosa é a providência mais eficaz para obrigar o gestor a aprimorar seus mecanismos de transparência?
Na verdade, estamos imputando o crime de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa para quem deixar de cumprir e atender aos preceitos da lei.
Ou seja, ensejando processos de cassação.
E podendo levar à prisão, também. Cassação, inelegibilidade, enfim, uma série de penas duras, muito mais duras do que as que estão previstas na Lei da Transparência. E o importante, também, é que [o PLS 570] completa o ciclo de aquisição da compra, ao introduzir a transparência desde a demanda, dos objetos a serem comprados, dos contratos a serem realizados com o Estado e com os entes públicos. Hoje, a gente fala só na nota de empenho, na descrição do que é comprado, do que é contratado. Com o PLS 570, nós pretendemos que, antes do pregão… Por exemplo, em uma demanda de compra, essa demanda tem de estar exposta na internet, fazendo parte do processo de gastos públicos. Agora vai ser completo mesmo, desde o nascimento da demanda até o pagamento.
Qual é o principal problema da Lei de Transparência, em sua opinião?
É a exposição das informações nos portais. A diversidade, a diferença de um portal para outro, o que dificulta o acesso. Esse me parece o principal problema, além da resistência ao cumprimento da lei. Pelo menos 50% das prefeituras ainda não cumprem a lei. E as câmaras de vereadores, então, estão longe disso: 80% não cumprem. Ficaria muito mais fácil formar grupos, nos municípios, para fazer o controle sobre o cumprimento da lei. Na hora em que se descobrir que [entes públicos] não a estão cumprindo, ir ao promotor da cidade pedindo o imediato cumprimento.
Instituições como o Senado, depois de todos os escândalos que protagonizaram, ainda produzem desmandos às escondidas – mesmo em face da estrutura de fiscalização de que dispõe e em meio à era da transparência. Trata-se de um câncer sem cura?
Tem cura, sim. Agora, essa cura depende muito da capacidade da sociedade em se apoderar das informações. Porque o Senado, por exemplo, é uma Casa muito transparente, as informações estão expostas. Falta uma análise mais cuidadosa, que a imprensa faz. Mas a imprensa se ocupa de um universo enorme de atividades. Então, é preciso que o cidadão também faça o acompanhamento. Eu acredito que, com as redes sociais e com essas informações disponíveis nos portais, se o cidadão estiver disposto é capaz de a gente fazer uma revolução no país, organizando e sistematizando o controle desses gastos. Tem solução? Tem. Na hora em que se descobrir uma conduta irregular na Diretoria do Senado, por exemplo, temos de denunciar a quem de direito. Quem é o fiscal da lei no país? O Ministério Público. Nós, aqui [no Senado], estamos tomando essas medidas. Por exemplo: há alguns portais que não atendem aos preceitos da lei. O que estamos fazendo? Encaminhando para o Ministério Público para obrigar o ente a cumprir a lei. Não sei a que você se refere, mas deve ter muita coisa por debaixo do tapete, ainda, por aqui. Inclusive dos próprios senadores. As nossas despesas estão absolutamente claras, inclusive as notas fiscais com gastos dos parlamentares estão na internet. Então, pode-se pegar uma nota fiscal e verificar, na junta comercial, se aquela empresa existe, se ela está dentro da lei, se não é uma nota fria, tudo isso dá, hoje, para o próprio cidadão investigar.
O cidadão fazendo o que cabe às instituições competentes?
Acredito muito no controle social, das pessoas, até porque as instituições republicanas de controle fracassaram. Não se pode dizer que os tribunais de contas tenham, efetivamente, um papel importante no controle da corrupção. Ao contrário: a maioria dos tribunais são tribunais de “faz de conta”. São cabides de ex-políticos, ainda todos muito vinculados com tudo o que há de ruim. Mesmo os legislativos exercem pouquíssimo essa função de fiscalização, ninguém quer se indispor com ninguém na República.
A despeito das estruturas, das comissões de fiscalização e controle…
Isso é papel inerente ao Parlamento. Mas os parlamentares não querem se indispor – fiscalizar significa contrariar interesses, acompanhar, requerer informação, denunciar. O Brasil tem um conceito equivocado da política – o de que política é a arte de se compor para que todo mundo conviva em harmonia. Isso está errado. Acho que o papel legislador e fiscalizar do político tem que ser efetivo. Há que levantar, procurar se informar e, na hora da necessidade, também denunciar.
Como o senhor vê a atuação do Tribunal de Contas da União no que concerne às contas presidenciais de 2014?
Acho que o que está acontecendo no TCU é uma tomada de posição política, porque essas trapalhadas [pedaladas fiscais] não são de agora. Elas são costumeiras, frequentes. O TCU só se manifesta quando o leite está derramado, aí não tem mais jeito. É interessante que os procedimentos do TCU levam de dez a 15 anos. Ora, dez, 15 anos depois não tem mais importância. Temos de ter mais mecanismos. Por exemplo: muito mais efetivo que o TCU e a CGU [Controladoria-Geral da União]. Esta, sim, faz prevenção.
E está ameaçada…
Está ameaçada de extinção, porque se fatiar a CGU, extingue. Ela enfraquece, perde a coesão que exatamente lhe permite fazer as fiscalizações, antecipar-se, inclusive, à corrupção.
Um dos propósitos da Comissão de Transparência e Governança Pública, criada em 2 de setembro, é padronizar os portais Brasil afora. Diante da infinidade de carências em nível municipal, como isso seria possível?
Hoje, essa é uma tecnologia barata. Os custos são baixíssimos para se colocar um portal de transparência, um site. Uma página no Facebook, todo mundo tem. Não há como alegar custos para cumprir aquilo que a lei determina. E alguns estados, inclusive, abrem seus portais para alojar as páginas de transparência dos municípios. Tem vários estados que promovem isso. A própria CGU estimula que isso seja feito dessa forma. Não há custo. O que falta é vontade política. O que há por trás disso aí é o desejo de esconder e evitar o olho do dono do dinheiro – porque não tem ninguém, no mundo, que fiscalize melhor do que o dono do dinheiro, que somos todos nós. Carga tributária elevadíssima: em 2013, nós chegamos a 35,95% do PIB [Produto Interno Bruto] para imposto. São quase cinco meses, por ano, que nós todos trabalhamos para entregar na mão do Estado. E esse dinheiro, há até bem pouco tempo, até antes da Lei Complementar 131, ninguém sabia como ele era gasto. Agora, não. Temos uma boa noção de como o dinheiro é gasto. E, às vezes, termina evitando que o dinheiro seja gasto. Recentemente, teve o caso da compra de baixelas de prata, garfos e facas, rechauds [recipientes em que são dispostos alimentos, muito comuns nos cafés da manhã em hotéis] para servir comida. Para se ter uma ideia, a Presidência da República estava comprando um garfo por 780 reais. Aí, veio a denúncia, está lá no Portal da Transparência, e paralisou-se a compra. O mais importante é não deixar o leite derramar, impedir que o leite derrame. Ou seja, quando se emite a nota de empenho, é ali que o cidadão tem de fiscalizar, porque ele pode bloquear a compra.
Evitar que o leite derrame…
Quando nós construímos o projeto de lei, foi pensando na prevenção. Para evitar que aconteça o desvio do recurso, o superfaturamento, a compra sem critério. Eu conheço casos absurdos de compras exageradas e desnecessárias, em que nunca o ente público vai usar aquilo tudo. Mas eles compram. Fazem estoque e, depois, jogam no lixo.
Coincidentemente, hoje [a entrevista foi feita em 1º de outubro] o Ministério Público abriu ação de improbidade contra o presidente do Senado, Renan Calheiros. A ação diz que Renan ignorou, por anos afio, pedidos de informação do próprio MP, em investigação sobre supostas irregularidades sobre cargos de confiança. Trata-se do clássico mau exemplo que vem do andar de cima?
Péssimo. Me surpreende que o presidente Renan não tenha dado essas informações. O dinheiro é público, toda a atividade tem de ser transparente. O objetivo é que quem sustente o Estado seja o contribuinte, o que paga imposto. Então, não podemos esconder isso do cidadão. Se o presidente se negou a fornecer essas informações, isso é um erro gravíssimo. Ele não tem o direito de negar. E, me parece, são questões que não têm a ver com a gestão dele, segundo o que você está colocando…
Mas como o grupo de Renan comanda há tanto tempo o Senado…
Exatamente. De qualquer maneira, ele teria de entregar [as informações] imediatamente. Pediu a informação, tem de entregar a informação.
Passa ao povo a sensação de que o Senado não aprendeu com os recentes escândalos, que paralisaram a Casa pouco tempo atrás – como o caso dos atos secretos, em 2009?
Mas é isso o que falei: não é só o Senado. São vários entes públicos, inclusive os próprios tribunais de contas, que não cumprem a Lei da Transparência com rigor. É preciso que o Ministério Público aja. O Ministério Público tem inteira razão. É por isso que temos de endurecer a lei, que é um pouco branda do ponto de vista das penas. O PLS 570 está avançando no endurecimento da lei para que se dê possibilidade ao Ministério Público, inclusive, de ter prioridade em todo procedimento com base no descumprimento da Lei da Transparência – ao “bater” no Judiciário, o projeto de lei prevê prioridade para julgamento.
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