Um ato falho do líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), deixou o governo em saia justa no Plenário da Câmara. Da tribuna, o petista confundiu-se e trocou a palavra “interstício” por “regimento” ao falar da estratégia usada pelo governo. Em vez de dizer que se quebraria o insterstício, intervalo de cinco sessões entre o fim do primeiro turno e o início do segundo turno de votação, ele disse que se quebraria o regimento.
Involuntariamente, Vaccarezza explicitou o que de fato acontecia: a quebra do intervalo de fato contraria o que prevê o regimento. Como àquela altura a oposição já tinha decidido levar o assunto ao Supremo Tribunal Federal, o presidente da Câmara achou melhor interromper a sessão em busca de um acordo. Na discussão, percebeu que não haveria mais clima para o rolo compressor. O prazo de cinco sessões entre um turno e outro foi concedido, e a DRU só volta agora à votação no dia 22 de novembro.
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Trata-se de uma vitória parcial da oposição, que, com sua tática de obstrução, vem adiando ao máximo a prorrogação da DRU. O governo precisa aprovar a PEC ainda este ano para que valha no ano que vem. E, depois da Câmara, ela ainda precisa passar pelo Senado antes que 2011 acabe. Na madrugada desta quarta-feira (9), a PEC foi aprovada em primeiro turno, com 100% de apoio do novo partido, o PSD, e ampla maioria de votos em plenário. Durante a tarde de hoje (9), foram votados os destaques, e a intenção era emendar a sessão já votando o segundo turno.
O mecanismo da DRU (Desvinculação das Receitas da União), que a base governista quer manter até 31 de dezembro de 2015, permite ao governo federal usar livremente 20% de toda a receita com impostos, mesmo aqueles com vinculação constitucional, obrigatoriamente reservados a setores sociais (saúde, educação, segurança). Uma vez garantida a prorrogação da DRU, o governo passa a contar com R$ 60 bilhões das receitas do orçamento para usar como bem entender.
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Quebra de regimento “regimental”
Publicidade“A decisão de quebrar o regimento foi tomada no sentido de cumprir um acordo. Se decidirmos que vamos quebrar o interstício ainda esta noite, vamos fazer isso. É regimental”. Essa foi a frase de Vaccarezza que acabou derrubando a sessão. Onde se leu “quebrar o regimento”, deveria ter-se lido “quebrar o interstício”. Diante da confissão, a oposição levou o caso ao Supremo Tribunal Federal, o que causou um impasse incômodo para o governo: a PEC poderia ser aprovada, mas ficaria pendente de uma decisão judicial a ser emitida pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator da caso.
Diante da “insegurança jurídica”, como argumentou, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), achou mais prudente manter o interstício previsto no regimento, um intervalo de cinco sessões entre o final da votação em primeiro turno e o início da votação em segundo turno.
O problema é que tal decisão mantém a agonia do governo, que precisa do instrumento para fechar as contas do orçamento que previu para o ano que vem (leia a íntegra da PEC 61/2011). Como se trata de uma emenda constitucional, a proposta não tem tramitação fácil. Cada turno precisa da aprovação de três quintos dos 513 deputados (308 votos) e dois turnos de votação. Depois, o mesmo precisa acontecer no Senado. Os efeitos da DRU, na hipótese de não aprovação em tempo hábil, perdem eficácia em 31 de dezembro próximo.
Embora contrarie as normas regimentais, a quebra do interstício é um procedimento usual, desde que previamente acordado entre os líderes da base e da oposição. O ato falho de Vaccarezza impediu qualquer possibilidade de acordo desta vez. “Golpe! Golpe!”, rebateram aos gritos dezenas de oposicionistas, acenando com exemplares da Constituição e dando início a uma algazarra que inviabilizou a continuidade da sessão – que, na ocasião, era conduzida por Rose de Freitas (PMDB-ES), enquanto Marco Maia se reunia com membros do governo.
“Nós tivemos insegurança jurídica. Nosso entendimento é que a quebra de interstício já é uma praxe tanto na Câmara quanto no Senado. Mas, diante dessa insegurança, decidimos adiar essa discussão e observar os prazos regimentais”, resignou-se o relator da PEC da DRU, deputado Odair Cunha (PT), criticando a oposição por proceder sob a “perspectiva do ‘quanto pior, melhor’”. Odair deu a declaração instantes depois da reunião com Maia e os líderes, e informou que, cumprido o intervalo de cinco sessões, a matéria deveria votar ao plenário em “22 ou 23 de novembro”, pressionando a base governista a agir com celeridade.
“Vamos brigar e exigir que o regimento seja cumprido”, resumiu o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), criticando os supostos excessos de arrecadação do governo, motivo que ele diz considerar suficiente para contestar o argumento oficial de que o governo precisa de mais liberdade no manuseio do orçamento.
Bate-boca
Depois da gritaria provocada pelo ato falho, o próprio Vaccarezza se encarregou de colocar lenha na fogueira. “A população, que tem sabedoria, está vendo e ouvindo o comportamento antidemocrático dos que agridem, gritam, pensando que os gritos lhe dão razão. Grito, agressão, falta de educação não dão razão a ninguém. O povo, que a essa hora está nos assistindo [referência à transmissão ao vivo da TV Câmara], não partilha desse tipo de conduta”, bradou o petista, acrescentando que a base aliada quer “o melhor para o país”. “Nós não vamos nos intimidar, vamos procurar uma alternativa melhor para o povo brasileiro.”
“Essa casa não pode se curvar à vontade da presidente. Isso é uma vergonha!”, rebateu Ronaldo Caiado (DEM-GO), que se esforçava para ser ouvido em meio à grita geral de revolta. Que continuou na tribuna: “O discurso do líder Vaccarezza só pode ter uma reação de estarrecimento”, emendou o líder do DEM na Casa, ACM Neto (BA), empunhando um exemplar da Constituição e exigindo cumprimento ao que nela está escrito. “Mesmo tendo sido um lapso, suas palavras representam o interesse que o governo tem em desrespeitar o Parlamento do Brasil. O governo procurou o caminho do autoritarismo e da imposição!”
“Espero que Marco Maia, homem que tem demonstrado comprometimento com a legislação e a coisa pública, não comprometa todo o trabalho que fez até agora contribuindo com uma atitude rasgar a Constituição do Brasil”, acrescentou o parlamentar baiano.
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