Tudo em comum entre os amigos – era um velho adágio da Grécia antiga. Quem não é familiarizado com o pensamento clássico, pode se surpreender com a importância dada por esse ao tema da amizade. Aristóteles, por exemplo, nos ensina que a amizade é o que há de mais necessário à vida, pois todos os bens que podemos obter – como a riqueza, o poder e a saúde – são dificilmente conservados ou usufruídos sem os amigos. Para ele, ter um círculo de amizades é uma das condições necessárias para se alcançar a felicidade.
Mas, para além das definições, podemos aprender bastante sobre a amizade com as histórias edificantes das primeiras escolas de filosofia, em especial dos pitagóricos da Magna Grécia. Uma das mais significativas é a da prova radical da amizade entre dois pitagóricos, Fíntias e Damon. Eles são submetidos a uma espécie de teste por Dionísio, o tirano de Siracusa. O governante queria saber se eles ainda permaneceriam fiéis um ao outro mesmo no caso de serem presos e aterrorizados.
O experimento começa com a prisão de Fíntias, sob a acusação de conspiração contra o tirano, cuja pena era nada mais nada menos do que a execução. Diante do veredito, o pitagórico apenas solicita que lhe seja concedido o resto do dia para que ele pudesse acertar os negócios que tinha em parceria com Damon. Como garantia de que não iria fugir, Fíntias oferecia o sócio como fiador.
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Confiança cega
Damon, então, foi chamado ao palácio do tirano. Ele sabia que, caso o amigo fugisse, a pena capital seria aplicada a ele. Mesmo assim, não pestanejou em aceitar o pedido de Fíntias. Enquanto esperava o fim do dia, ouviu as mais diversas zombarias, pois todos duvidavam do regresso do condenado à morte. Mas, ao pôr do sol, Fíntias estava lá, pronto para ser submetido à sua pena e para libertar o amigo. Dionísio, maravilhado com a confiança mútua dos dois, pediu para que fosse acolhido como terceiro naquela bela amizade.
Essa história, contada por Aristóxeno, nos faz lembrar que a amizade, enquanto partilha sincera e fiel da vida e dos bens, só pode ser incondicional. Uma relação équa (de igualdade) e harmoniosa, como diziam ainda os matemáticos pitagóricos. Como as cordas de um instrumento musical, a amizade deve ser continuamente afinada; como um ser vivente, suas feridas devem ser imediatamente cuidadas.
Modelo de explicação
Os antigos filósofos davam à amizade tamanha importância ao ponto de querer ver no universo todo como um enorme movimento de amizade: entre céu e terra, entre seres humanos, entre as várias partes do corpo. A amizade era tomada como um modelo de explicação de tudo o que funciona bem, que gira justo na vida e no mundo: um ideal a ser perseguido em todos os tipos de relações.
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