Deize e Márcia denunciaram policiais por assassinatos. Brígido e Francisco acusaram políticos, servidores públicos e fazendeiros de desvio de dinheiro público. Quatro brasileiros que exerceram sua cidadania vivem sob a sombra da morte e a descrença nas instituições. Márcia Honorato sentiu o cano de uma arma roçar seu rosto e escapou de dois atentados no Rio. O escritor sul-mato-grossense Brígido Ibanhes carrega nos pés e nas pernas as cicatrizes deixadas por uma bomba lançada contra sua casa. O cearense Francisco Fernandes da Silva foi espancado na frente de uma multidão após revelar como o dinheiro de sua cidade era desviado. A carioca Deize Carvalho provou da dor de enterrar o filho adolescente barbaramente torturado em um centro de internação de menores infratores. Em vez de se fechar no luto, tornou-se uma ativa militante na comunidade do Cantagalo, Zona Sul do Rio.
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Devido às ameaças sofridas, foram incluídos no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), criado pelo presidente Lula em 2003 com a promessa de resguardar a vida e a luta dos ativistas intimidados por criminosos. Mas, em vez de se sentirem protegidos, os quatro acusam a Secretaria Especial de Direitos Humanos, responsável pela execução do programa, de abandoná-los à própria sorte. Márcia e Francisco já perderam formalmente a proteção. Mas, como ainda se sentem ameaçados, não podem voltar para onde militavam. Deize e Brígido continuam incluídos, mas afirmam que, na prática, isso não faz diferença. Eles reforçam as críticas dos pescadores Anderson Alexandre de Souza, Daize Menezes e Maicon Alexandre Rodrigues, de Magé (RJ), que se dizem exilados dentro do próprio país desde que entraram para o PPDDH .
Outros militantes dos direitos humanos ouvidos pela reportagem também fazem um diagnóstico desolador do programa. O atendimento tornou-se cada vez mais distante, restringindo-se, na maior parte das vezes, a trocas frias de mensagens eletrônicas e telefonemas escassos. Combater as causas da ameaça, um dos princípios do decreto que o criou, virou letra morta, dizem os ativistas.
Com orçamento previsto para este ano de R$ 4,9 milhões, para atender 410 casos e outros 156 em análise, segundo dados da própria secretaria, o programa tropeça na falta de assistência psicológica e em sua principal premissa: a de que deve manter o ameaçado em seu local de atuação – ao con- trário do que prevê a assistência a vítimas e testemunhas. Muitos vivem de maneira clandestina, fora de seu local de militância e não conseguem mais voltar porque a origem das ameaças não é combatida.
“Para eles, eu não existo. Não me dão retorno. É como se eu tivesse morrido no atentado”, diz o aposentado e escritor, que mora em Dourados (MS). Desde o primeiro contato com o programa, há sete anos, ele conta ter recebido uma única visita dos técnicos, em 2011. De lá pra cá, por mais que tenha solicitado, não teve qualquer resposta aos seus pedidos de apoio.
“Eles dizem que trabalham com prevenção. Mas não temos resposta. Mandavam eu não me expor, não dar entrevista, não andar sozinha, não fazer o mesmo percurso à noite. Vão esperar acontecer alguma desgraça pra vir aqui depois?”, reclama Deize, no programa desde dezembro. Ela virou alvo de ameaças após deflagrar luta pela condenação dos agentes socioeducativos acusados de matar seu filho e denunciar atos de violência praticados por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
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Primeira militante incluída no PPDDH, ainda em 2003, a advogada Valdênia Paulino Lanfranchi conta que pensou diversas vezes em abandonar o programa. Apesar de ter circulado com escolta policial no auge das ameaças, ela afirma que jamais recebeu assistência jurídica de qualidade ou assistência psicológica especializada. “Me senti acolhida, mas não protegida”, resume. Ameaçada de morte por denunciar o envolvimento de policiais com grupos de extermínio em São Paulo e na Paraíba, Valdênia diz que o atendimento piorou nos últimos anos. Os contatos da equipe federal são cada vez mais raros e impessoais. “As respostas do programa são tardias e superficiais.”
Para a advogada, é evidente a falta de prioridade dada pelo governo à proteção dos militantes. Na visão dela, o principal motivo do descaso está no fato de os defensores exporem os pontos mais vulneráveis dos governos. “Somos tratados como inimigos, quando deveríamos ser vistos como parceiros, à medida que apontamos onde a gestão precisa melhorar.” Por duas semanas, a Revista Congresso em Foco pediu entrevista com a ministra Ideli Salvatti e dados atualizados sobre o programa. Só recebeu os números. A reportagem, então, questionou sobre a situação dos defensores citados.Também não houve retorno.
Veja a reportagem completa na Revista Congresso em Foco
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