Denunciado por corrupção passiva e obstrução de Justiça, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) defendeu publicamente, em novembro de 2015, que o Senado deliberasse em votação aberta, com registro nominal de votos, sobre a manutenção da prisão do então senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso em flagrante por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-líder do governo Dilma no Senado, Delcídio foi flagrado em áudio combinando estratégia para evitar a delação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos condenados da Operação Lava Jato.
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Agora, é Aécio que está em situação similar à de Delcídio. Também flagrado em áudio gravado por Joesley Batista, preso por violar os termos de sua delação premiada, o tucano pediu ao dono da JBS um “empréstimo” de R$ 2 milhões que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), seria dinheiro ilícito de propina. Já Aécio diz que se trata de um pedido de ajuda de custo para bancar sua defesa na Lava Jato. Delcídio terminaria cassado pelos pares semanas depois.
Na votação prevista para amanhã (terça, 17), o plenário do Senado dará a última palavra a respeito do afastamento de Aécio do mandato parlamentar, ele que também está proibido de viajar ao exterior e obrigado a se recolher à sua casa no período noturno. A deliberação será realizada na esteira do julgamento do STF, na última quarta-feira (11), a respeito da competência da corte no caso de tais medidas cautelares em processo penal. Em desfecho confuso e decisão apertada (seis votos a cinco) – com direito a voto de desempate da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia –, decidiu-se que o STF pode aplicar restrições aos congressistas, mas cabe ao Congresso dar a palavra final.
No escuro do plenário
Nos bastidores, aliados de Aécio já falam em votação secreta, apesar de a Constituição determinar claramente que o voto é aberto em tal situação. Um juiz federal já se manifestou e, por meio de liminar, determinou ao Senado que faça a deliberação às claras. Mas já há quem conteste a competência do magistrado para sentenciar algo referente ao Poder Legislativo e defenda o descumprimento da decisão judicial, sob o argumento de que só o STF deve deliberar sobre temas relacionados ao Parlamento.
Temendo temer manobra do comando do Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) se adiantou à sessão desta terça-feira (17) e recorreu ao STF para garantir votação aberta, com mandado de segurança. Por sorteio, o escolhido foi o ministro Alexandre de Moraes, que era filiado ao PSDB até o começo deste ano.
Para Aécio, nesta entrevista veiculada pela Agência Senado, o voto deveria ser aberto no caso Delcídio, como de fato foi. “Na nossa interpretação, a manifestação, por maioria dos membros do Senado Federa, deve se dar por votação aberta”, diz o senador, que precisa de ao menos 41 votos para retornar ao exercício do mandato.
No filmete, também registrado no Youtube, o tucano defendeu que o Senado votasse a questão no mesmo dia em que Delcídio foi preso, em 25 de novembro de 2015. Por ampla maioria (59 votos a 13), venceu a corrente de senadores que apoiaram a decisão do STF pela prisão do então petista. “Pela gravidade das acusações ali constantes, nós esperamos que o Senado possa tomar, ainda no dia de hoje, a decisão pela manutenção ou não da prisão do senador”, disse Aécio na ocasião, poucas horas antes da decisão de plenário.
Veja no vídeo:
“Ele continuou precisando de dinheiro”
Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista. Alvo de oito inquéritos no STF, o tucano deixou a presidência do partido em decorrência das denúncias, levadas a público em 17 de maio pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo. O tucano nega que tenha cometido crime e diz que a conversa com Joesley se deu em caráter privado, a título de empréstimo para pagar sua defesa na Lava Jato. Por meio de nota (veja abaixo), a defesa se disse “surpresa” com a investigação e lamenta o “açodamento” da iniciativa da PGR, acrescentando que diligências não foram feitas.
A irmã do senador, Andréa Neves, e seu primo Frederico Pacheco (conhecido como Fred), além do assessor parlamentar do senador Zezé Perrela (PMDB-MG) Mendherson Souza Lima, também constam da denúncia de Janot. Embora prestasse serviço no Senado para Perrela, antigo aliado do tucano, Mendherson é apontado como operador do senador em atividades estranhas ao exercício do mandato. Andréia, Fred e Mendherson estão presos e só responderão por corrupção. Em seu despacho, Janot aproveitou para pedir abertura de outro inquérito contra Aécio, desta vez por suspeita de lavagem de dinheiro.
A gravação feita por Joesley Batista é uma das principais provas do inquérito. No diálogo, fica clara a voz de Aécio pedindo o dinheiro, tido pelos investigadores como uma espécie de propina. As evidências de práticas delituosas foram obtidas por meio de ação coordenada, devidamente autorizada pelo STF. Além do grampo de voz, a Polícia Federal filmou o executivo da JBS Ricardo Saud ao entregar R$ 500 mil a Fred que, por sua vez, repassa o montante a Mendherson.
Em sua delação, Joesley fez relatos sobre pedidos frequentes de dinheiro, tanto por parte de Aécio quanto por interlocutores. Em 2014, por exemplo, diz o delator, pedidos foram feitos em plena campanha presidencial, quando o tucano perdeu para Dilma Rousseff por cerca de três milhões de votos. Em 2015, ainda segundo o dono da JBS, “ele continuou precisando de dinheiro” – argumento que resultou no repasse de R$ 17 milhões a Aécio, forjado na compra de um prédio por ele indicado, entre outras modalidades de repasse.
Diálogo suspeito
O encontro entre Aécio Neves e Joesley Batista aconteceu no dia 24 de março, no Hotel Unique, em São Paulo. Na ocasião, Aécio citou o nome de Alberto Toron, como o criminalista que o defenderia das complicações na Lava Jato. O dono da JBS, no entanto, não teria se surpreendido com a abordagem do tucano porque Andréa Neves, sua irmã e tutora política, já havia feito menção ao advogado.
Com pedido aceito, Joesley queria saber quem seria o responsável por pegar as malas. Já na conversa com Aécio, Joesley propôs: “Se for você a pegar em mãos, vou eu mesmo entregar. Mas, se você mandar alguém de sua confiança, mando alguém da minha confiança”. Aécio respondeu: “Tem que ser um que a gente mata ele [sic] antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu. Vamos combinar o Fred com um cara seu porque ele sai de lá e vai no cara. E você vai me dar uma ajuda do caralho — respondeu Aécio”.
Fred seria um primo de Aécio, cujo nome é Frederico Pacheco de Medeiros. Fred foi diretor da Cemig, nomeado por Aécio, e um dos coordenadores de sua campanha a presidente em 2014. O dinheiro foi entregue pelo diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud, um dos sete delatores. Ao todo, foram quatro entregas de R$ 500 mil cada uma. Uma delas foi filmada pela Polícia Federal.
Relator da Lava Jato no STF, o ministro Edson Fachin teve conhecimento do caso na semana anterior à publicação de O Globo. “As filmagens da PF mostram que, após receber o dinheiro, Fred repassou, ainda em São Paulo, as malas para Mendherson Souza Lima, secretário parlamentar do senador Zeze Perrella (PMDB-MG)” – conforme diz o texto do jornal. O assessor negociou para que os recursos fosse parar na Tapera Participações Empreendimentos Agropecuários, de Gustavo Perrella, filho de Zeze Perrella.
A nota de defesa de Aécio:
“Nota da defesa do senador Aécio Neves
A Defesa do Senador Aécio Neves recebe com surpresa a notícia de que, na data de hoje, foi oferecida denúncia contra ele em relação aos fatos envolvendo o Sr. Joesley Batista. Diversas diligências de fundamental importância não foram realizadas, como a oitiva do Senador e a perícia nas gravações. Assim, a Defesa lamenta o açodamento no oferecimento da denúncia e aguarda ter acesso ao seu teor para que possa demonstrar a correção da conduta do Senador Aécio Neves e de seus familiares.
Alberto Zacharias Toron”
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