Edson Sardinha
O trabalhador que ganha um salário mínimo por mês terá de trabalhar mais de meio século de vida, sem gastar um centavo, para amealhar o que recebem em apenas um ano os deputados que aprovaram o mínimo de R$ 545 anteontem (16). Mais precisamente 56 anos, o mesmo tempo de vida pública que tem o mais antigo dos congressistas, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Ao longo do ano, os parlamentares recebem 15 salários de R$ 26,7 mil, ou seja, um montante de R$ 400,5 mil. A conta dos assalariados de baixa renda é bem mais modesta. Caso a proposta do governo seja confirmada pelo Senado, serão 13 salários de R$ 545: apenas R$ 7.085 anuais. Em tese, uma diferença que só poderia ser alcançada em 2067. Além do salário, os congressistas têm direito ainda a uma série de benefícios, como passagens aéreas, auxílio-moradia ou apartamento funcional e ressarcimento por despesas relacionadas ao mandato.
Quando se compara o mínimo proposto aos vencimentos mensais dos parlamentares, a distância é literalmente olímpica. Quatro anos, o intervalo de uma edição dos Jogos Olímpicos para outra, ou de uma Copa do Mundo, esse é o tempo necessário para que alguém que ganhe o piso de R$ 545 acumule os R$ 26,7 mil recebidos mensalmente por deputados, senadores, pela presidenta Dilma Rousseff, pelo vice Michel Temer e por seus 37 ministros. Detalhe: nesse período, o assalariado não poderia gastar um centavo.
Com os R$ 545 propostos pelo governo, o brasileiro que sobrevive com o piso salarial terá de trabalhar 49 meses para alcançar a renda mensal dos congressistas e da cúpula do Executivo. Se o trabalhador tiver carteira assinada, poderá atingir a cifra em três anos e dez meses de trabalho, considerando-se os 13 salários anuais.
Se fosse contemplada a proposta das centrais sindicais, de R$ 560, a distância salarial entre parlamentares e assalariados de baixa renda seria um pouco menor. O trabalhador teria de suar 55 anos para alcançar o montante anual dos congressistas ou três anos e nove meses para chegar aos R$ 26,7 mil mensais.
Caso os tucanos consigam emplacar no Senado o mínimo de R$ 600, objeto de emenda rejeitada pelos deputados, seriam necessários três anos e meio de trabalho para quem ganha um salário mínimo juntar o salário mensal de um parlamentar, presidente da República ou ministro de Estado. Ou 51 anos de trabalho para alcançar o rendimento anual dessas autoridades. Com os R$ 700 propostos pelo Psol, que nem sequer chegaram a ser discutidos, a distância seria reduzida, respectivamente, a três e 44 anos.
Bolso cheio, boca calada
No dia 15 de dezembro do ano passado, os parlamentares aprovaram a toque de caixa uma proposta que elevou em 62% seus salários. Para Dilma, Temer e seus ministros, o aumento superou os 100%.
Como mostrou o Congresso em Foco, apenas quatro dos 395 deputados presentes na sessão que resultou na elevação dos vencimentos dos congressistas de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil registraram voto contrário. O aumento foi aprovado por uma maioria silenciosa: somente 11 deputados se dispuseram a usar o microfone para defender o aumento. Entre eles, apenas Sérgio Moraes (PTB-RS), aquele que disse “se lixar para a opinião pública”, votou agora a favor do mínimo de R$ 560.
Nos discursos de 15 de dezembro, houve de tudo um pouco: de deputado envergonhado com a magreza do seu contracheque a deputado lamentando passar cinco meses do ano ?sem fazer absolutamente nada?. De deputado querendo ganhar quase o dobro dos R$ 26,7 mil aprovados a deputado querendo que o contribuinte garantisse sua ?independência financeira?.
VOTAÇÃO DO MÍNIMO
Salário mínimo vigente: R$ 540
PROPOSTAS EM DISCUSSÃO
? Governo: R$ 545 (só reposição da inflação)
? Centrais: R$ 560 (inflação e mais 3%. Valor a mais seria antecipado do aumento de 2012)
? DEM: R$ 560 (sem antecipação do aumento de 2012)
? PSDB: R$ 600 (valor defendido por José Serra na campanha eleitoral)
? Psol: R$ 700 (emenda que não chegou a ser votada)
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