Desde 2016, quando a Câmara era presidida pelo ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), as comissões permanentes não ficam tantos meses sem funcionar. Naquele ano, disputas políticas em meio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff adiaram as eleições para o comando das comissões para 3 de maio. Nos outros anos, os colegiados foram instalados entre os meses de fevereiro e março.
Com o país sob estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o recorde foi batido em 2020 e ainda não há previsão para início dos trabalhos das comissões. Como o foco das duas Casas Legislativas é o enfrentamento à pandemia, a instalação de comissões e a discussão de projetos de lei não relacionados à doença não são prioridades no momento.
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Antes mesmo da crise de saúde, o processo de instalação das comissões já estava em compasso de espera. Em março, o conflito sobre os R$ 30 bilhões do orçamento disputados entre Planalto e Congresso empurrou por semanas os acordos para definição sobre o comando dos colegiados. Líderes partidários se diziam insatisfeitos com a letargia e relataram ao Congresso em Foco clima de paralisia na Casa Legislativa.
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Segundo um secretário de comissão que preferiu não se identificar, ainda não é possível fazer nenhuma projeção para a normalização dos trabalhos legislativos. “Se voltarem, não se sabe se os parlamentares vão querer estar reunidos todos em um mesmo ambiente”, avaliou ele, que é servidor concursado da Câmara há quase três décadas.
Por enquanto, tanto Câmara quanto Senado têm realizado, além das sessões plenárias remotas, apenas reuniões das comissões especiais destinadas ao acompanhamento de medidas de combate ao coronavírus.
Poder conclusivo
Há 25 comissões permanentes na Câmara dos Deputados, cuja composição é renovada todo ano. Tratam-se de pequenos colegiados técnicos destinados a debater e votar as propostas legislativas sob a lupa de temas específicos, como cultura (CCUL), ciência e tecnologia (CCTCI), finanças e tributação (CFT) e ciência e tecnologia (CCTCI).
Uma das comissões mais cobiçadas pelos deputados é a de Constituição e Justiça (CCJ), que costuma ser alvo de disputa entre os partidos em virtude do poder e da visibilidade que assegura a seu presidente. Todos os projetos passam pela CCJ, que define se eles estão de acordo com a Constituição e com as outras leis do país. É também o maior colegiado da Casa, composto por 66 membros titulares e igual número de suplentes.
Todas as proposições precisam passar pela análise das comissões. Algumas não precisam sequer ser analisadas pelos 513 deputados em Plenário, bastando a análise dos órgãos temáticos. É o chamado poder conclusivo, que garante apreciação definitiva pelas comissões.
O atraso prejudica o debate técnico, porque em Plenário as discussões tendem a ser mais políticas e midiáticas. Além disso, ele acaba atrapalhando a análise de medidas estruturantes de vários setores, como é o caso do setor elétrico. As discussões sobre a Nova Lei do Gás e a modernização do setor, por exemplo, precisam passar por discussão desses colegiados. Por enquanto, esses debates seguem paralisados.
Além das comissões permanentes, há também as comissões de caráter temporário. Algumas delas mantêm seu funcionamento de forma virtual. É a situação da comissão de ações preventivas ao coronavírus, que tem realizado audiências por videoconferência com deputados e profissionais de saúde.
Há, ainda, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), que podem ser compostas por deputados, senadores ou ambos e têm poder de investigação. O Senado suspendeu os prazos das comissões mistas e da CPI das Fake News até que sejam retomadas as atividades regulares.
Efeito cascata
No caso do Senado, o funcionamento das comissões é um pouco diferente. Para começar, não é preciso instalar as comissões todo ano. No entanto, os colegiados não se reúnem presencialmente desde o início de março, o que gera um efeito cascata, visto que é a Casa responsável pela análise das indicações para diversos postos da administração pública. São as comissões que aprovam os indicados para as agências reguladoras e para a Polícia Federal, por exemplo.
Na Agência Nacional do Cinema (Ancine), a falta de reuniões presenciais, necessária para sabatina e aprovação dos nomes, está prejudicando o próprio funcionamento do órgão. A Ancine está com apenas um dos cinco diretores previstos em estatuto. O diretor tem tomado decisões ad referendum, o que significa que elas terão que ser validadas quando os novos diretores tomarem posse.
Na semana passada, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse ter intenção de retomar deliberações presenciais no Plenário do Senado e nas comissões no começo de junho. Ele afirmou que medidas de restrição devem ser adotadas, como impedimento de acesso de funcionários não essenciais.
Quando houver a retomada dos trabalhos, o sistema semi-presencial pode ser uma solução palpável para assegurar a realização das reuniões. Técnicos avaliam que o sistema de deliberação remota trará um legado ao Congresso brasileiro, além de servir de exemplo para outros parlamentos ao redor do mundo.
Eleições
Há, ainda, mais um elemento que deve dificultar o trabalho das comissões em 2020: as eleições municipais. Marcadas para outubro, elas costumam esvaziar o Congresso, dado que alguns parlamentares se candidatam a prefeito ou vão às bases eleitorais para apoiar correligionários.
Ainda não há definição sobre qualquer alteração no calendário eleitoral, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que a Justiça Eleitoral não tem o poder de alterar esse calendário. Para que as eleições sejam adiadas, é necessária uma emenda na Constituição, com respeito ao princípio da anualidade eleitoral, segundo o qual qualquer mudança na legislação eleitoral só passa a valer a partir de um ano do pleito seguinte.
Se de fato as eleições forem adiadas, em virtude da situação excepcional do coronavírus, pode ser que as comissões avancem em temas fora do escopo do coronavírus até o final do ano. Por outro lado, se o calendário eleitoral for mantido, haverá conjunção de dois fatores: a pandemia do novo coronavírus e os pleitos municipais.
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