O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Lamachia, fez um duro discurso (íntegra abaixo) há pouco contra corruptos na posse do ministro Dias Toffoli como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Em curso nesta quinta-feira (13), a solenidade reúne alguns investigados na Operação Lava Jato, como o presidente Michel Temer (MDB), os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) e os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Depois de destacar o papel da advocacia em defesa dos direitos civis, Lamachia lembrou que muito ainda há de ser feito no combate à corrupção. Para o dirigente, que fez menção à facada desferida na semana passada no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), a responsabilidade dos atores do Direito cresce em ano eleitoral.
“O círculo ainda não se fechou. Há denúncias e processos em curso, que hão de mobilizar os órgãos judiciais para além da posse do futuro governo”, disse o dirigente, em menção indireta às duas denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e em seguida barradas na Câmara, contra Temer, Padilha e Moreira Franco.
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“A Ordem, que jamais faltou ao Brasil, não há de assistir a esse triste espetáculo de braços cruzados. Orienta o cidadão para que se conscientize da importância do poder/dever de seu voto, que não tem preço: tem consequência”, vaticinou o advogado, para quem o quadro político atual é inviável.
“As denúncias contra agentes públicos, decorrentes da Operação Lava Jato, expuseram as vísceras de um sistema degradado, e o levaram a perder a confiança da sociedade.”
Leia abaixo a íntegra do discurso:
“Senhoras e senhores,
A tradição de conceder a palavra à OAB, nas solenidades de posse dos tribunais superiores – e com especial relevo nesta que é a Corte Suprema do país – não decorre apenas do reconhecimento ao papel constitucional do advogado na administração da Justiça.
Decorre também – e a meu ver de maneira ainda mais acentuada – ao fato de a Ordem ser, desde sua fundação, mais que uma entidade corporativa, uma tribuna viva da sociedade civil brasileira. A voz da cidadania.
Não se trata de figura de retórica, mas de fato histórico amplamente documentado. Em todos os momentos cruciais de nossa história republicana, a partir de 1930, quando é fundada, a OAB exerceu esse papel – seja nos períodos em que o país viveu sob o arbítrio, seja nos períodos democráticos, seja nos delicados momentos de busca da restauração democrática.
Não preciso neste momento recapitulá-los, pois todos que aqui estão têm bem clara a trajetória institucional do país.
Recordo apenas, para trazer luz à presente conjuntura, o papel que a Ordem exerceu na construção do caminho que levou à redemocratização, ao tempo do governo Geisel, na década de 70.
Foi graças à interlocução do advogado Raymundo Faoro, então nosso presidente – e investido do papel de porta-voz da sociedade -, que foi possível restaurar fundamentos básicos do Estado democrático de Direito.
Do diálogo então mantido, por solicitação do governo militar – e ao qual poucos davam crédito -, foi possível restaurar o habeas corpus e obter o compromisso do regime com o fim da censura, a anistia, a revogação dos atos institucionais e as eleições diretas. Não veio tudo de uma vez, mas tudo acabou se cumprindo.
O país que dali emergiu foi outro! A lição que dali se extraiu é a de que, nos momentos de crise e tensão, três virtudes são essenciais: serenidade, firmeza e persistência.
Serenidade para melhor refletir e definir o que é essencial; firmeza para não transigir com métodos e princípios; e persistência para não recuar diante dos inevitáveis obstáculos que se interpõem, sendo o maior deles a descrença em relação ao próprio processo.
Se o desafio, ao tempo de Raymundo Faoro, era o de reconquistar a democracia, o de hoje nos parece bem mais complexo, pois é o de preservá-la – e fortalecê-la.
Não faltam forças obscuras empenhadas em sabotá-la – e a maior delas é a radicalização, a ação dos extremismos, a apologia do ódio e da violência, sejam de esquerda ou de direita.
O Mal dispensa rótulos.
A OAB, cumprindo seu papel estatutário de defender a Constituição e a boa aplicação das leis, teve, neste período em que tenho a honra de presidi-la, que lidar com temas complicados mas necessários, como propor o impeachment de dois presidentes da República e requerer perante esse mesmo Supremo Tribunal Federal o afastamento do então todo poderoso presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
Apoiou também todas as ações de combate à corrupção, sem permitir que, em nome desse combate, se buscasse qualquer atalho ao devido processo legal.
Não foram – e não são – ações de cunho partidário ou ideológico. Não temos partido ou ideologia. O partido da OAB é o Brasil e nossa ideologia, a Constituição Federal.
Nosso propósito é não permitir que o paradigma ético seja negligenciado ou relativizado, sobretudo na vida pública. Quando algumas autoridades se distanciam da ética, o mau exemplo inevitavelmente chega a todas as camadas da sociedade. Espalha-se como metástases.
E isso lamentavelmente ocorreu.
A corrupção atingiu patamares inéditos, expressos na condenação de altos dirigentes da República, entre os quais um ex-presidente, alguns ex-governadores, ministros, parlamentares, além de alguns dos mais importantes empresários do país.
O círculo ainda não se fechou. Há denúncias e processos em curso, que hão de mobilizar os órgãos judiciais para além da posse do futuro governo.
A Ordem, que jamais faltou ao Brasil, não há de assistir a esse triste espetáculo, de braços cruzados. Orienta o cidadão para que se conscientize da importância do poder/dever de seu voto, que não tem preço: tem consequência.
A tão desejada – e indispensável – conciliação nacional só se dará pela via da ética, que é pautada pela moderação, sem a qual não há diálogo.
E é por essa via e por esses fundamentos – os mesmos que levaram Raymundo Faoro a agir – que intervimos, quando vemos a necessidade, no processo político. Uma intervenção sem contaminação de qualquer natureza: em defesa da democracia e da sociedade; em defesa da Constituição e do país.
Otávio Mangabeira comparava a democracia a uma planta tenra, que precisa ser regada constantemente para florescer e tornar-se um dia árvore forte e frondosa. A nossa, sem dúvida, ainda está naquele estágio inicial, que reclama cuidados intensivos, sob pena de não vingar. O insumo essencial, neste momento, é o da moderação, do equilíbrio.
Da Força da Serenidade.
Não há veneno maior para a democracia que o da radicalização. Quando esse ambiente se instala – e nós já o estamos vivenciando -, a primeira ausência é a da razão. Não podemos permitir que isso avance e se consolide.
O Brasil vive, sem dúvida, o mais complexo e turbulento período desde a redemocratização. A crise se desdobra em todas as vertentes da governabilidade: crise política, econômica, social e moral.
Disso resulta amplo descrédito das instituições. As denúncias contra agentes públicos, decorrentes da Operação Lava Jato, expuseram as vísceras de um sistema degradado – e o levaram a perder a confiança da sociedade.
Sabemos que a ordem jurídica do Estado democrático de Direito oferece os remédios necessários para o saneamento das instituições. E as instituições, quando saneadas, emergem mais fortes. É preciso, no entanto, que estejam acima dos interesses facciosos, que buscam manipular as emoções – a justa revolta da sociedade – e incentivar saídas fora da lei, apelando ao que seria uma justiça sumária. Não existe justiça sumária.
A Justiça tem seus ritos, sem os quais não se materializa. Prevê o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal.
E aí entra em cena o indispensável papel do advogado, nem sempre compreendido, frequentemente desrespeitado – de um lado, pela ação demagógica, dos que manipulam a opinião pública; de outro, pela visão arbitrária de alguns agentes públicos, que veem nas prerrogativas da advocacia não um instrumento essencial de defesa da cidadania, mas um privilégio. Privilégio não, mas uma garantia do próprio cidadão.
A propósito, esta semana, tivemos mais um inaceitável caso de violação das prerrogativas. No Rio de Janeiro, em Duque de Caxias, dois policiais militares prenderam uma advogada em face de uma divergência com uma juíza leiga. Foi algemada e arrastada pelos policiais, como se criminosa fosse.
Lamentavelmente, não é um fato isolado; antes, é ainda um acontecimento recorrente.
Por essa razão, encaminhamos ao Congresso projeto de lei que criminaliza a violação às prerrogativas, já aprovado no Senado e já aprovado também na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Ele apenas explicita o que já está no artigo 133 da Constituição, que considera o advogado “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Não há Justiça, não há moderação, não há bom senso, não há civilização fora da lei. Fora dela, já dizia Ruy Barbosa, não há salvação. E dizia mais: que a democracia, não disciplinada pelo Direito, apenas como voz das ruas, “é uma das expressões da força, e talvez a pior delas”. A tirania também pode vir das maiorias.
Por essa razão, mais que nunca, o Brasil precisa de seu Poder Judiciário. A crise o elevou à condição de Poder Moderador da República. Não é um status que tenha sido postulado, mas que se impôs pela força das circunstâncias. E por imperativo constitucional.
Sendo o Supremo Tribunal Federal o intérprete da Constituição, é a instância final a que podemos recorrer. E é a ele que nossa combalida República recorre neste momento tão decisivo de nossa História, cuja travessia há de marcar as futuras gerações.
Estamos a menos de um mês das eleições e o ambiente em que a campanha transcorre nos preocupa. Ambiente de radicalização.
Há pouco, vimos um candidato à presidência da república ser vítima de um atentado em praça pública. Os ânimos se acirraram e estão numa temperatura que precisa baixar. A Justiça tem procurado cumprir seu papel, em meio a um ambiente que não favorece sua missão: ânimos exaltados, manipulação do descrédito popular em relação às instituições, luta de facções. Não bastasse tudo isso, há ainda a babel das redes sociais, contaminadas pelo fenômeno das fake News, que aumentam a perplexidade e, frequentemente, se transfiguram em fator perturbador da ordem pública.
É neste ambiente, pleno de ruídos e desafios – e que aqui apenas resumo -, que saúdo a posse dos novos presidente e vice-presidente desta Corte, ministros José Antonio Dias Toffoli e Luís Fux, ao tempo em que parabenizo a ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha pelo cumprimento de uma missão árdua, que lhe exigiu coragem, bom senso e competência. Poucas vezes em sua História, o Supremo foi alvo de tantas pressões, incompreensões e mesmo agressões e insultos. Jamais foi tão posto à prova. E soube lidar – ministra Carmen – com essas adversidades, inerentes ao desconcerto destes nossos dias, sem perder de vista as responsabilidades que tem como instância máxima do Poder Judiciário.
Não tenho dúvidas, ministro Toffoli, de que Vossa Excelência está ciente do papel que terá de desempenhar, neste momento tão decisivo da vida brasileira.
Vossa Excelência aqui chegou ainda jovem e já cumpriu missões de alta complexidade, como a de presidir o Tribunal Superior Eleitoral nas eleições gerais passadas. Soube lidar com críticas duras, de natureza política, retribuindo-as com a moderação e o bom senso que se esperam de um magistrado da Corte Suprema.
Desnecessário dizer, ministro, da magnitude, e delicadeza da missão que o aguarda, às vésperas de uma das mais importantes eleições de toda a história republicana brasileira – e em meio à crise que aqui descrevi.
Em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, e desta tribuna da sociedade civil, desejo a Vossa Excelência sensibilidade, discernimento e firmeza – numa palavra, sabedoria – para dar sequência a esta dura travessia em defesa da Justiça, da democracia e do nosso país. Que Deus o ilumine!
Muito obrigado.”
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