Eduardo Militão
Severino limpa as mesas, atende no caixa e serve caldo de cana para quem passa ali, pertinho da rodoviária do Gama, no Distrito Federal, para comprar pastéis fritos na hora. Tem de queijo, carne, galinha, palmito, alguns com catupiri, banana e canela. Com salário de R$ 640 e ajuda de R$ 110 de um benefício social de Goiás, Severino Lourenço dos Santos Neto, 29 anos, sustenta a mulher grávida de sete meses e três filhos, que moram com ele em Valparaíso (GO), no Entorno de Brasília. É uma situação bem curiosa: por que Severino frita pasteis e vive nessa situação se tinha um salário de nada menos que R$ 7 mil como funcionário da Câmara?
A verdade é que Severino, por conta da sua difícil situação financeira, um pouco antes de sua mulher engravidar pela quarta vez, aceitou virar peça do esquema conhecido como “golpe da creche”. Severino foi procurado por uma prima, de nome Eliane. Ela lhe fez uma proposta. Se aceitasse ir até a Câmara e preencher um cadastro, ele ganharia um auxílio por cada um de seus filhos. Severino, então, foi com o marido da prima ao anexo IV da Câmara dos Deputados e assinou um monte de papéis, inclusive numa agência bancária. Sem saber, tinha acabado de virar funcionário público. Como a prima prometera, ele passou a receber R$ 250 por mês como auxílio para os seus filhos. O que ele não sabia é que recebia também R$ 7 mil de salário como secretário parlamentar SP-25 no gabinete do deputado Sandro Mabel (PR-GO), hoje líder de seu partido na Câmara. Esse dinheiro, quem embolsava era a quadrilha do golpe da creche.
O caso de Severino é mais um entre os 67 indiciados pelo golpe da fraude da creche e do vale-transporte investigado pela Polícia Legislativa, como noticia o Congresso em Foco desde novembro passado. De uma forma ou de outra, uma quadrilha recrutava funcionários fantasmas para trabalharem na Câmara e ficavam com a maior parte do salário. Alguns não sabiam da fraude e eram iludidos com a promessa de benefício social para seus filhos.
Conheça o golpe da creche em detalhes
Com Severino, não foi diferente. Em entrevista ao site, o pasteleiro afirmou que nunca desconfiou que estivesse fazendo parte de um golpe. De qualquer forma, foi indiciado como suspeito pela Polícia Legislativa da Câmara. Na terça-feira (23), o deputado Sandro Mabel disse não ter “nenhum compromisso com possíveis irregularidades que tenham sido cometidas por essas pessoas” (leia mais). Ele alega que suas assinaturas que nomearam os funcionários laranjas e fantasmas foram falsificadas, mas ainda não houve perícia nos documentos.
“Uma espécie de Bolsa-escola”
Em janeiro de 2008, Severino foi formalmente contratado para o gabinete de Mabel. Dias antes, foi procurado pela prima de nome Eliane, uma bancária que mora no Guará, uma cidade de Brasília. “Minha prima ligou pra mim e disse que era uma espécie de Bolsa-escola que ia arrumar pra mim. Mas só dava se eu tivesse três filhos.”
Ele conta que Cauí, o marido da prima, o levou ao Plano Piloto. “Fui lá na Câmara com o marido dela e assinei um bocado de papel lá que eu nem li também”, diz Severino. Foi na agência bancária, mas não ficou com o cartão do banco.
Cauí contou a Severino que ele não seria dono do pedaço de plástico. O pasteleiro disse que não desconfiou. “Ele me avisou: ‘Ó, o cartão vai ficar com eles”. E quem são “eles”? Severino responde:
“Eles, os caras que estavam fazendo isso aí. E eu nem… né? É o marido da minha prima. Nunca mexi com negócio de banco. Beleza, né? Trabalho aqui, ganho pouco, recebendo R$ 250… Nem chiei, não. Tá bom, to precisando. Nem chiei quando ele falou isso aí. Abestado, véio.”
O dinheiro era entregue diretamente pela prima ou depositado na conta corrente dos colegas de trabalho vizinhos à pastelaria. O pasteleiro ficou 20 meses registrado como servidor de Mabel, até agosto de 2009. Mas Severino só recebeu o benefício social durante cerca de dez meses.
Houve uma interrupção da ajuda durante algum tempo. Severino questionou Eliane, que diz que a bolsa tinha sido cortada. Mas a prima telefonou-lhe dizendo que um tal de Franzé o procuraria. Segundo as investigações, trata-se de Francisco José de Araújo Feijão, ex-motorista de Mabel que, junto com a mulher Abigail Pereira da Silva, ex-servidora da Câmara, são os líderes da quadrilha.
Franzé foi até a pastelaria de azulejos brancos e mesas com detalhes vermelhos. No meio dos clientes preocupados com o caldo de cana e o sabor do pastel, o acusado de ser estelionatário fez Severino assinar diversos papéis novamente.
“Eu assinei aqui. Tinha muito movimento aqui. Eu não podia nem… eu atendo o caixa aqui. Só era assinar. Nem lia nem nada.” Severino retomou o benefício.
Quando foi exonerado da Câmara, o servidor laranja recebia R$ 2.400 de salário mais uma gratificação de igual valor, além de R$ 1.716 de auxílio-creche (em média) e R$ 480 de vale-transporte. O benefício-transporte foi inflado. Severino assinou um documento no qual atestava que morava em Formosa (GO), a mais de 100 quilômetros de distância de onde mora, num bairro pobre de Valparaíso.
“Sem vergonha”
Severino não sabe com quem ficou o restante do dinheiro. “É lá dentro da Câmara, né? Deve ser com os políticos mesmo sem vergonha. Com certeza deve ser. Não tem outra coisa não”, chuta.
Suspeito de participar do crime, Severino está sem advogado. “Como o cara tem coragem de fazer uma coisa dessas e dar R$ 250 pro cara? Não entro numa dessas mais nunca na minha vida”, desabafa o pasteleiro. “Eles me deram a melinha e ficaram com o resto.”
Ele foi até a agência bancária saber quem sacava o dinheiro de sua conta corrente. Mas não aparece ninguém nas câmeras dos terminais bancários. Segundo os gerentes, todo o dinheiro era transferido para outras contas. Severino afirma que, até agora, ninguém lhe informou quem são os beneficiários dessas movimentações financeiras. “Os caras estavam até pagando carro importado com esse dinheiro.”
O pasteleiro está insatisfeito com o fato de ter sido incluído como suspeito. Severino acredita que os policiais o indiciaram porque ele trabalha numa pastelaria e possui um Gol zero quilômetro.
Ele explica que paga R$ 380,00 de prestação e a outra metade quem paga é sua mãe. Mas Severino admite que algumas vezes usou o dinheiro do benefício social para quitar parcelas do financiamento do automóvel. Ainda faltam 44 prestações.
O acusado procurou a prima Eliane e o marido Cauí, mas hoje eles não lhes retornam os telefonemas. Severino não quis passar os contatos dos parentes para que fossem procurados pelo Congresso em Foco. Também não soube informar os sobrenomes dos primos.
Procurados por advogados e familiares, Franzé e Abigial não responderam aos pedidos de esclarecimentos do Congresso em Foco. Nas últimas semanas, Abigail disse ao site que ela e o marido só poderiam comentar o caso depois do carnaval. Mas não foi possível marcar entrevista e nem houve retorno dos recados deixados.
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