Revista Congresso em Foco – Em que momento você se entendeu como gay?
Alexandre Ribondi – Gay para mim é uma cultura, que tem muito da cultura popular norte-americana, ter um tipo de pensamento, roupa, corte de cabelo, expressões, como “sair do armário”, que vem do inglês também. Nesse sentido, eu não sou. E não tive esse momento de saída do armário. Sempre me entendi como homossexual. Quando se mora sozinho aos 15 anos, isso é mais natural. E então eu prefiro ser uma pessoa, apenas. Eu me lembro que sou homossexual quando me sinto atraído por um homem.
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Sua militância homossexual é antiga. O que mudou de quando você começou para hoje?
Sempre lutei pelos direitos homossexuais. Hoje parece que queremos ser como pessoas normais. Jamais lutei por isso. Minha geração lutou pelo direito à anormalidade. Você quer ser normal? Quando vejo dois homens vestidos com dois ternos iguais, em frente a um bolo de casamento de quatro andares com bonequinhos em cima, me pergunto onde foi que erramos.
Por quê?
Ah, me dá uma certa angústia. A diferença é bonita, criativa. Eu quero ser respeitado na minha diferença. Sempre houve uma tentativa de disfarçar o homossexual como alguém normal. Eu quero o direito à esquisitice! Deus admira muito a esquisitice. A perfeição é divina, e de mais ninguém. Homossexual, por ser homossexual num mundo hétero, nasceu diferente. E nós vamos lutar para sermos iguais?
Mas o casamento não deveria ser um direito para todos?
Mas aí estamos falando de direitos, não de valores. O direito de ter segurança legal para herança, plano de saúde. Isso sim. Eu fui casado duas vezes. Me casei aos 19 anos pela primeira vez. Mas sem festa, documento, lua de mel, benção da família. Acho que não caio nessa jamais. Passei a viver junto, alma de casado. A gente não precisa se enquadrar dessa forma.
Como foi ser homossexual durante a ditadura?
A gente tinha de lutar em duas frentes: contra o regime e dentro da esquerda. A esquerda nos rechaçava. Quando fui preso, foi dito por um companheiro que estava próximo — e isso eu ouvi —, que não tinha importância, porque era “só mais um viado”. E eu fui torturado também por ser viado. Naquele momento, os dois se encontraram. Até que começamos a gritar: não vamos esperar a revolução para gozar!
E esse grito se deu de que forma?
Entre 1970 e 1980, eu fiz parte do conselho editorial do jornal alternativo Lampião. Eu era o correspondente em Brasília. Era quem propunha pautas sobre questões sexuais, homossexuais e pontos de reivindicação de direitos. Sugeri uma matéria sobre masturbação, por exemplo. No Brasil, tínhamos uma ditadura pesada, e criamos o primeiro grupo gay organizado de Brasília, o Beijo Livre.
Como foi articular o grupo nesse contexto?
Fizemos o Besteirol, em 1980, eu e Marcos Bagno, para tratar questões homo com muita piada. Tínhamos a AVA, Associação dos Viados Anônimos, para recuperar os viados e trazê-los para a sociedade sã. Não tínhamos referências teóricas ou de movimentos anteriores. Não sabíamos o que discutir, quem ler, como montar uma agenda. Descobri um australiano e, a partir daí, começamos a produzir material, criar textos. Era tudo com humor. Dançar e sorrir também eram práticas proibidas. O riso é extremamente subversivo.
E sempre com arte?
Sempre. Fazíamos peças no Conic, na antiga boate Aquarius, que a gente chamava de buraco. Fazíamos o figurino na hora, de improviso. Lá, apresentávamos textos. A boate parava a dança, acendia as luzes, nós subíamos no palco e fazíamos teatro de guerrilha, às pressas. Antes, em Sobradinho, fazíamos teatro terrorista. Íamos para a rua, nos apresentávamos e corríamos.
A repressão também estava atenta a essas questões?
Às vezes chegava a polícia, pedia nossos documentos — e a gente com purpurina até a alma. A batida mais agressiva que tivemos ocorreu no mesmo dia que fizeram na Rockonha, a festa que o Renato Russo promoveu em Sobradinho (citada em “Faroeste caboclo”). Eles nos levaram para a rua, com mãos na nuca, fazendo perguntas. Mas daí surgiu a peça “Crepe Suzette, o beijo da grapette”, que discutia a questão da sexualidade, que fez muito sucesso, tanto como ideia como financeiramente. A Associação Brasileira de Odontologia nos cedeu um espaço onde fizemos o teatro.
E como o público recebia isso?
Recebia bem. Os homossexual estava ávido por se ver representado. Mas alguns nos receberam de forma agressiva, porque não queriam se assumir.
Duas meninas até pararam de falar comigo. O fato de falarmos e vivermos com tanta liberdade era um defeito, incomodava. Mas tinha uma porção, aquela que frequentava o teatro, que nos recebia muito bem. Em toda mudança tem um grupo que vai na frente, o boi de piranha.
E a militância pela arte provoca mudanças de que forma?
Meu teatro é dos meus valores. A arte altera a vida na observação e pode mudar a vida de alguém por completo. E, a partir da mudança na percepção, reflete na política propriamente dita. A arte pode ser um arauto, antecipar.
Quanto tempo durou o grupo?
Cerca de dois anos, talvez. Militância dá trabalho. Nós fazíamos reuniões aos domingos, na minha casa, na 416 Norte. As condições eram muito precárias.
E a resistência das igrejas?
Certa vez o papa João Paulo II veio a Brasília, na época do Beijo Livre. Escrevemos uma carta a ele e um padre amigo nosso, homossexual, entregou. De maneira muito fina, nós o mandamos e também a Igreja irem à merda, ou que revissem suas posições sobre nós. E eu sou católico, olha que perrengue. Mas não passa disso também! (gargalhadas) Mas é que tem religiosos que usam o livro que era sobre amor, a Bíblia, para destilar ódio.
O perfil com a entrevista de Alexandre Ribondi é um dos destaques da nova edição da Revista Congresso em Foco. Para acessar o conteúdo completo da publicação, clique aqui.
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