Fábio Góis
Ao ser reconduzido para seu quarto mandato, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), chegou a embargar a voz durante o discurso de posse (confira a íntegra abaixo). Emocionado, introduziu a fala dizendo que “não desejava o encargo”. “Dele não pude fugir, tendo na carne o alto preço do exercício destas funções”, disse, reafirmando que considera um “sacrifício” continuar à frente de uma estrutura de mais de 10 mil servidores e cerca de R$ 2,3 bilhões de orçamento.
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Com 70 votos a credenciar sua permanência, Sarney fez discurso permeado de citações históricas, e demonstrou certo saudosismo a falar sobre a modernização da função legislativa. “A atividade parlamentar há muito se afastou da antiga tradição dos grandes discursos para se transformar num trabalho técnico, de estudos acurados, de trabalho de equipe. Nossos holofotes se deslocam do plenário para as comissões especializadas”, observou, com menções ao poderio de comunicação da internet. “Iniciaremos nesse novo mandato a integração com as redes sociais, Facebook, YouTube, Twitter.”
Com “gosto de despedida”, Sarney, que completará 81 anos em 24 de abril, encerrou o discurso com os olhos marejados e a voz trêmula, adiantando que encerraria a vida parlamentar nesta legislatura. “Tenho, nesta posse, o gosto da despedida, pois cumprirei o meu último mandato, quando espero fazer, com a sua ajuda, todo o esforço, toda a doação de mim mesmo para servir esta Casa que é um pouco da minha vida e do meu amor”, concluiu, aplaudido pelos colegas de Parlamento.
Confira, na íntegra, o discurso de posse de Sarney:
“Minhas estimadas Senadoras, meus queridos colegas Senadores:
Minha gratidão às Senadoras e aos Senadores que, pela quarta vez, me convocam e elegem para presidir a Casa, nesta 54ª Legislatura. Não desejava o encargo, dele não pude fugir, tendo na carne o alto preço do exercício destas funções.
A confiança dos meus ilustres colegas conforta, redime e aumenta as minhas responsabilidades. Tenho visão desses compromissos com as Instituições, com a independência do Poder Legislativo, principalmente de nossa Casa, que jamais pode ser submissa a nenhum Poder, nem tampouco afastada do espaço comum do interesse nacional, que não comporta paixão e partidarismos.
É a Constituição que define nosso rumo ao traçar que os Poderes são harmônicos, mas – acrescenta como dever – independentes.
Temos que participar da formulação das políticas públicas, influir nas decisões, opinar, resistir e apoiar no que for do interesse nacional.
Acredito que tenha predominado no exame que levou à escolha de meu nome a graça da vida que me faz o mais antigo parlamentar na História da República, com 56 anos de mandatos, dos quais cinco no Senado, onde já passei 35 anos – o que mais tempo passou aqui, ultrapassando mesmo o nosso patrono, Rui Barbosa.
Aqui passei minha vida desde 1955, quando entrei na Câmara dos Deputados, até hoje, acompanhando momentos dramáticos de nossa História, como assistente, participante e protagonista. Vi duas ditaduras, alguns golpes de Estado, dois fechamentos do Congresso, sendo sempre um homem de diálogo e conciliação, sem abrir mão dos meus princípios democráticos, que não se resumiram a palavras, mas ações, presidindo o governo da Nova República, convocando a Constituinte, assegurando sua liberdade, a Constituição, concluindo a anistia, presidindo quatro eleições, legalizando os partidos banidos por razões ideológicas. Aqui, sempre ao lado de Petrônio Portela, Teotônio Vilela, Daniel Krieger, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, Itamar Franco e outros, trabalhei para encontrar um caminho para sairmos do governo autoritário. Nos primeiros dias de abril de 1964, quando o receio tomava conta de todos, levantei a minha voz e protestei contra a cassação de mandatos. Como Governador fui o único a não concordar com o AI-5 e renunciando à Presidência do PDS tornei viável a formação da Aliança Democrática que elegeu Tancredo Neves.
Só a paixão da vida pública, com sua carga de idealismo e doação que é maior que a paixão da própria vida, me afasta do meu bem estar pessoal. Hoje, com mais razão, avalio bem a dimensão desse sacrifício pessoal. Entre eles está o de me afastar da literatura, outra grande paixão que me acompanha desde a mocidade. Escrevi mais de 60 títulos de livros, romances, poesias, ensaios políticos, conferências, discursos, crônicas jornalísticas, e já fui traduzido em 12 idiomas. Participo de sociedades de letras e científicas do Brasil e do mundo, sendo hoje também o Decano da Academia Brasileira de Letras.
Fora da literatura, dediquei toda a minha vida ao serviço público, a maior parte ao Congresso Nacional e especialmente ao Senado Federal. Os próprios corredores me conhecem quando passo. Fui da Banda de Música, onde ao lado de Afonso Arinos, Carlos Lacerda, Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, Prado Kelly, que tocavam instrumentos mais sofisticados. Eu, bem moço, vice-líder, tocava pequenos sinos. Sempre trabalhei pela realização plena da democracia, pelo cumprimento estrito dos mandatos que recebi pelo voto popular.
Mas não tenho olhos voltados para o passado. Desde que comecei como político eu sempre procurei caracterizar-me como um homem do meu tempo. Aqui, quando cheguei, fui um dos responsáveis, com Carvalho Pinto e Franco Montoro, pela comissão que esquematizou o que é hoje o Prodasen. Como Presidente, levei a informatização a todos os gabinetes e ao plenário. O planejamento de nosso trabalho permitiu colocar em dia os anais e diários da Casa, atrasados em anos. Correspondem a minhas gestões, também, as várias iniciativas que formam o modelar sistema de comunicações do Senado, cujo último avanço foi a TV digital, e que é o nosso grande instrumento de transparência democrática. Levaremos a TV aberta a todos os Estados. Em 2010, nosso Alô Senado – call center para interagir com o povo brasileiro – recebeu 2,5 milhões de chamadas, a Agência Senado teve 20 milhões de acessos. O Siga Brasil permite ao cidadão comum acompanhar a execução do orçamento. Iniciaremos nesse novo mandato a integração com as redes sociais, Facebook, YouTube, Twitter. O LexML criou um novo paradigma na consulta às leis e à jurisprudência. Levar o Senado a participar na vida dos cidadãos, dele se aproximar mais, para sempre melhorar nossa eficiência e a qualidade de nosso trabalho de legislador, controlar, fiscalizar e acompanhar o rumo da administração pública.
Na área administrativa, tivemos a redução de 51% das funções comissionadas – mais de 2 mil; reforma nos contratos de fornecimento de mão-de-obra; o Portal da Transparência abriu as informações sobre contratos, verba indenizatória e recursos humanos do Senado Federal; fizemos a regulamentação do Boletim Administrativo de Pessoal eletrônico com a determinação de publicação de diversos atos no Diário do Senado Federal e no Diário Oficial da União; o recadastramento de todos os servidores do Senado Federal e a implantação do Plano de Carreira valorizaram os servidores; as horas extras tiveram uma queda de aproximadamente 90%.
Hoje aqui trabalhamos até no recesso. A Secretaria-Geral da Mesa preparou documentos que se relacionam ao final da 53ª legislatura e ao início da nova. A diretriz que permeou a sua realização sempre foi a da precisão e da pronta disponibilidade, em meio magnético e impresso, das informações e registros legislativos do Senado Federal e do Congresso Nacional. Sobre as bancadas as Senhoras e os Senhores encontrarão: o Relatório Anual da Presidência, com toda a atividade legislativa desempenhada pelas Senhoras e Senhores Senadores no ano de 2010; a Consolidação das Resoluções sobre normas financeiras; e a Consolidação da Resolução da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO.
A Constituição Federal, atualizada até a Emenda nº 66, a Consolidação do Regimento Interno do Senado Federal (volumes I e II), e a Consolidação do Regimento Comum do Congresso Nacional foram encaminhadas pela Presidência a todas as Senhoras e Senhores Senadores.
Durante o meu último mandato como Presidente do Senado, tivemos uma enorme produção legislativa. No ano de 2009, o Senado Federal apreciou 1.873 matérias, sendo que dessas 1.675 foram aprovadas. No ano de 2010, o Senado Federal apreciou 1.415 matérias, sendo que dessas 1.215 foram aprovadas. Nesses anos, tivemos a apreciação de 162 matérias nas sessões conjuntas do Congresso Nacional, sendo que, além dos projetos de lei, foram apreciados 1.112 vetos presidenciais. Os projetos de lei das diretrizes orçamentárias para 2010 e 2011 foram aprovados no prazo constitucional.
Encaminhamos à Câmara Federal os projetos – desenvolvidos por comissões especiais – dos Códigos do Processo Penal e do Processo Civil. Já começamos e temos pela frente o trabalho dos Códigos de Defesa do Consumidor e Eleitoral. Faremos também uma comissão especial para tratar da prevenção de acidentes naturais, como tivemos a Comissão da Crise, que acompanhou as repercussões no Brasil dos acontecimentos internacionais. São matérias urgentes as Reformas Política e Eleitoral, a finalização da legislação relativa ao Pré-Sal e o grave problema das medidas provisórias.
Senhoras Senadoras, Senhores Senadores:
O processo parlamentar tem seu rito que pode, muitas vezes, parecer lento. É difícil e raro que a tramitação de um projeto aconteça da noite para o dia, e é da essência do processo parlamentar o amadurecimento das idéias. Na preparação dos projetos, contamos com o trabalho das consultorias, com sua equipe de técnicos altamente qualificados, que aportam importantes contribuições. Aprendemos em seguida o exercício de paciência que é seguir o longo caminho das Comissões especializadas, das audiências públicas, dos debates que envolvem as prioridades políticas.
A atividade parlamentar há muito se afastou da antiga tradição dos grandes discursos para se transformar num trabalho técnico, de estudos acurados, de trabalho de equipe. Nossos holofotes se deslocam do plenário para as Comissões especializadas.
O parlamento, hoje, tem que acompanhar as informações em tempo real, em todas as suas consequências, inclusive a de precisarmos, todos os membros do Parlamento, nas duas Casas, legitimar a todo instante o mandato que nos foi conferido pelo voto popular. Se perdemos o contato com a realidade, nossa representatividade pode se esvair em um instante.
Repito ainda uma vez que tenho deveres de amizade, tenho deveres partidários, tenho deveres políticos, mas que não será com o Senado que resgatarei qualquer dever de amizade, qualquer dever político ou qualquer dever partidário. Acima de tudo isso estão a independência, a autonomia, a dignidade e os grandes interesses da nossa Casa, que superam todos os outros valores.
Ao mesmo tempo, dividirei minhas funções com os nossos colegas, pois minha missão não é solitária. Acredito que esta é uma missão colegiada, que começa comigo, se prolonga na Mesa e termina no Plenário com as Senadoras e os Senadores. Sem eles, sem o apoio da Casa, sem a compreensão da Casa, nada pode ser feito.
Quero o apoio de todos, suas sugestões e propostas. É meu estilo administrar em equipe, dividindo tarefas e encargos, e convocando todos para trabalhos específicos, sem discriminação. A participação de todos e cada um não só será bem recebida, como é necessária. Estarei sempre à espera de seus conselhos e orientações, com os quais poderemos executar o grande programa que temos pela frente. Perseverarei na modernização administrativa, na qualidade de nossos servidores, na modernização e na criação de novos instrumentos de trabalho, com olhos na moralização, eficiência e inovação.
Eu quero agradecer às Senadoras e aos Senadores que me elegeram. Finalmente, peço licença para encerrar estas palavras agradecendo a Deus o destino que Ele me reservou e pedindo Sua permanente proteção.
Tenho, nesta posse, o gosto da despedida, pois cumprirei o meu último mandato, quando espero fazer, com a sua ajuda, todo o esforço, toda a doação de mim mesmo para servir esta Casa que é um pouco da minha vida e do meu amor.”
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