O deputado Luiz Couto (PT-PB) circula pela Câmara sem despertar muita atenção. Aos 65 anos, tem cabelos grisalhos e barba bem aparada. Cumpre o segundo mandato e conhece muitos colegas de plenário. A história de vida, no entanto, torna o petista da Paraíba um parlamentar diferente.
Filho de trabalhadores rurais sem-terra, Couto ordenou-se padre em 1976 e aproximou-se dos seguidores da Teologia da Libertação, corrente católica com influência marxista. Entrou para o PT em 1985 e elegeu-se deputado estadual duas vezes antes de chegar à Câmara. Nos últimos dias, o religioso petista entrou para a lista dos ameaçados de morte por grupos de extermínio do Nordeste.
Todo sábado e domingo, deixa no guarda-roupa o terno com o broche parlamentar para usar a peça que, segundo ele, melhor lhe cabe: a batina. Celebra missas, batizados e casamentos na paróquia de São José Operário, em João Pessoa. Padre deputado está fora de moda na Câmara. Só há ele e José Linhares (PP-CE) na atual legislatura.
Celibato
Mas o que torna Luiz Couto figura única no Congresso é seu pensamento em relação a temas vistos como tabu dentro da Igreja Católica, como o celibato, o aborto, os homossexuais e o uso do preservativo. Com exceção, em parte, do aborto, suas posições contrariam os mandamentos do Vaticano.
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“O comando da Igreja é muito conservador nesse ponto”, avalia o padre ao criticar a obrigatoriedade do celibato. “Não tem fundamentação bíblica. Deveria ser optativo”, defende.
Luiz Couto lembra que a restrição à vida afetiva e sexual dos religiosos só foi imposta no século XVI, após o concílio de Trento. E tinha lá sua justificativa, explica. “É que naquela época havia abusos nesse sentido. Isso hoje não deveria ser tratado como uma questão maior”, acredita.
O padre busca numa passagem bíblica argumentos para sua tese: “Jesus tinha apóstolos solteiros, mas também apóstolos casados. Tanto que uma passagem conta que ele foi à casa da sogra de Pedro. Doente, ela se levantou e passou a servir”.
Camisinha e homossexuais
A decisão do Vaticano de proibir os fiéis de usarem preservativos nas relações sexuais também é sinal de atraso, na avaliação de Couto. “Defendo o uso da camisinha como uma questão de saúde pública”, diz. Para ele, o veto só favorece a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis e distancia a Igreja das ruas.
Contrariando a linha mais conservadora do clérigo, Luiz Couto também sai em defesa dos homossexuais. “Devemos lutar no dia-a-dia contra o preconceito e a intolerância”, afirma. O deputado votou a favor do projeto de lei que torna crime a discriminação por causa da orientação sexual.
O projeto de lei da Homofobia passou pela Câmara, mas está parado no Senado, onde enfrenta forte resistência de parlamentares religiosos, que veem na proposta uma ameaça à liberdade de culto (leia mais). “A consciência, a fé e a sexualidade da pessoa têm de ser algo importante em sua orientação de vida”, prega.
Aborto
O padre paraibano não foge à polêmica mesmo quando assume uma posição mais alinhada à cúpula do Vaticano. Contrário à prática do aborto, Luiz Couto pondera que o Estado não pode fechar os olhos para a realidade e cobra apoio irrestrito às mulheres que interrompem a gravidez. “Sou contra o aborto por convicção. Mas as pessoas que o praticam devem ter sempre direito à assistência médica”, defende.
Apesar de assumir uma posição intermediária em relação ao assunto, o deputado avisa que vai desafiar o comando do partido e votar contra a liberação do aborto caso a proposta seja submetida a votação. O PT já fechou questão sobre o assunto e ameaça de expulsão dois deputados – Luiz Bassuma (PT-BA) e Henrique Afonso (PT-AC) – que trabalham nos bastidores do Congresso para derrubar o projeto de lei (leia mais).
Esquerda “arrogante”
O processo movido pela Secretaria de Mulheres do partido contra Bassuma e Afonso reflete um sinal de intolerância dentro do partido. “É uma questão de consciência e ética. Não pode ser por imposição. Isso é como ditadura. Não é pela repressão que a gente educa. É preciso passar pelo processo de convencimento”, critica o deputado, petista desde 1985.
Essa postura “arrogante”, segundo ele, é característica da esquerda brasileira. Com atuação política pautada por temas como direitos humanos e reforma agrária, Couto se esquiva do rótulo de esquerdista e critica o maniqueísmo levado às últimas consequências pelos companheiros.
“A esquerda brasileira durante muito tempo foi arrogante, arvorando-se dona da verdade. É preciso defender a construção de uma sociedade mais justa, tirando as pessoas da marginalidade e gerando emprego e renda, mas defendendo o respeito às opiniões diferentes”, afirma.
Vidas secas
Nascido no município de Soledade, semi-árido paraibano, em 13 de fevereiro de 1945, Luiz Albuquerque Couto encontrou na educação uma porta para deixar a pobreza. O pai não sabia ler nem escrever, a mãe só conseguiu estudar até a quarta série. O casal, que teve dez filhos, vivia de fazenda em fazenda à procura de trabalho.
Aos 12 anos, o quarto filho de Antônio Joaquim de Couto e Elisa Leopoldina de Albuquerque ajudava o pai e os irmãos mais velhos na construção de uma estrada na região do Cariri. As palavras de desencorajamento dos colegas serviram como ponte para deixar aquela vida.
“Quando eu trabalhava na obra, os colegas ridicularizavam minha vontade de estudar. Diziam: está vendo essa pá? Ela é sua caneta. A terra é o seu caderno’. Eu respondia: vou estudar, sim.”
A rotina dura só era quebrada aos domingos, quando a família viajava nove quilômetros a pé para assistir à missa na cidade. “Não entendíamos nada. Era em latim”, lembra. Aos 13 anos, com a ajuda de uma tia freira, Luiz Couto entrou para o Seminário Imaculada Conceição, na capital paraibana.
A escolha da Igreja Católica como opção de vida permitiu a Couto saltar da pobreza no sertão para ocupar um espaço tradicionalmente reservado às oligarquias de seu estado.
Fé e política
O seminário de João Pessoa ainda é apontado como o berço da militância política de Couto. De lá, só saiu em 1965 para estudar filosofia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Em 1976, Luiz Couto ordenou-se padre e assumiu a paróquia Sagrado Coração de Jesus, no bairro do Mandacaru. O sacerdote conciliou suas obrigações na igreja com as aulas na Faculdade de Filosofia da UFPB, onde ensinou Metodologia da Ciência, Ética Filosófica, Filosofia do Conhecimento e Lógica até 1994, quando se aposentou.
Os teólogos Leonardo Boff e, principalmente, Joseph Comblin, belga radicado na Paraíba, estão entre as fontes em que Luiz Couto busca inspiração. Os dois estão entre os principais representantes da chamada Teologia da Libertação, doutrina de influência marxista que prega a opção pelos pobres.
Boff foi excomungado da Igreja Católica pelo Papa João Paulo II, enquanto Comblin chegou a ser expulso do país, nos anos 70, por causa de sua militância em favor da reforma agrária e contra a ditadura. Outras duas referências diretas na vida político-religiosa de Luiz Couto são os bispos José Maria Pires, mais conhecido como Dom Pelé, por ser negro, e Marcelo Pinto Carvalheira. “Os dois foram fundamentais na minha formação”, reconhece o petista.
Jurado de morte por ter denunciado em duas CPIs – uma na Assembléia Legislativa e outra na Câmara – a ação de grupos de extermínio no Nordeste, Luiz Couto se apega a um terço, à Oração de Santa Cruz e à foto da mãe, afixada na parede do gabinete, para escapar da alça de mira do crime organizado. “Os amigos sempre me informam sobre as ciladas”, ressalta.
Manter o bom-humor também ajuda, ressalta. “Ele sempre anima a nossa rodinha no plenário antes de as votações começarem”, conta o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).
A vocação para contar piadas, Luiz Couto afirma ter herdado do pai e da mãe. O paraibano tem um extenso rosário de piadas, inclusive de freiras e padres, as suas favoritas.
“Dizem que sou um padre piedoso e piadoso”, brinca Luiz Couto.
Ponto pra ele! Coerente e em sintonia com as necessidades dos sertanejos e paraibanos, e é vacinado contra maniqueismos ideologicos: um geande ser humano!