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Lanna participou de uma entrevista conduzida pelo humorista Gregório Duvivier no último dia 26, na Casa Pública, com participação do público. Numa conversa risonha e franca, Duvivier apontou sua decepção com eventos políticos recentes como as eleições brasileira e americana: “Uma coisa que me deixou muito assustado com o Trump foi o fato de que os humoristas não conseguiram fazer nada. Ele deixou uma depressão na classe humorística”.
Duvivier é conhecido também pelas suas posturas políticas à esquerda. Foi um ferrenho crítico do processo de impeachment de Dilma Rousseff e usou seus dons de stand-up comedy para fazer um vídeo no qual satirizava o então vice, atual presidente Michel Temer. Nessa conversa os dois falaram sobre financiamento, isenção e responsabilidade do trabalho humorístico. Leia os principais trechos da entrevista ou assista à conversa em vídeo na íntegra, abaixo.
Gregório Duvivier: Como é pra vocês, no momento atual, fazer humor político? Vocês se preocupam com isonomia? Se eu rir da Dilma, tenho que rir do Aécio e agora do Temer?
Leonardo Lanna: Vou voltar no tempo de quando surgiu esse Fla-Flu, lá em 2014, quando o site meio que ressurgiu, nas eleições presidenciais. O Facebook rachou no meio – ou é oposição ou é governo –, e foi gritante essa diferença. Só que a gente não influencia uma bolha, a gente fazia a piada dos dois lados, e ainda faz. Quem está na Presidência costuma ser mais vítima de piada, mas saímos arranhando tanto um lado quando o outro. Não temos uma preocupação exatamente, mas somos muito cobrados, principalmente agora. “Ah, porque vocês só fazem piada sacaneando o Temer? Porque ele tá no poder, né?”. A gente fazia piada com a Dilma quando era presidente. Quando pinta alguma coisa relativa ao Lula, ao PT, a gente faz. Óbvio que tem momento que um grupo está mais em evidência que o outro.
Gregório Duvivier: Eu sinto que um dos problemas da crise atual, como humorista, foi não conseguir bater no PT. Estava no governo, mas eu não conseguia porque sentia que estaria me alinhando ao que há de pior na sociedade. Como é o grupo politicamente?
Leonardo Lanna: O grupo é bem plural nesse sentido. Às vezes rola um embate interno: “Por que você está defendendo não fazer a piada, por questão ideológica?”. Se a gente acha que o PT está com um estafe na cadeia, é motivo de piada. Então, nessa hora a gente tenta não ter ideologia. A gente cresceu bastante por não ser só de um lado. É uma preocupação. Mas não é uma pauta. Você faz mais piada com que está mais no poder, a piada surge com que está em evidência. Acho que nossa preocupação maior é essa.
Gregório Duvivier: Como fazer humor num país que dá a impressão de que a realidade já é uma piada?
Leonardo Lanna: É bom porque é fácil ter o material pra piada. Mas é ruim porque às vezes a piada da realidade é muito melhor e você não consegue superar. Mas isso estimula a gente a ser mais criativo.
Gregório Duvivier: Como vocês se pagam?
Leonardo Lanna: A gente tem a mídia programática, que é gerenciada pelo próprio Google, e fazemos alguns editoriais, textos para pessoas que pedem uma matéria do Sensacionalista. É basicamente isso. E a gente tem emprego, trabalhamos em outros lugares.
Gregório Duvivier: Eu tenho um problema com quem fica muito falando que a mídia é vendida e ao mesmo tempo fica puto de pagar assinatura para o jornal. As pessoas precisam ser pagas. Me dá uma aflição isso na internet do culto ao gratuito. O Porta dos Fundos faz muito isso, publica coisas que a gente é pago pra fazer e é criticado muito por isso também. Mas no jornalismo eu acho um puta problema quando o leitor acha que ele não precisa pagar por notícia e que a notícia é de graça, sem perceber que tem sempre alguém pagando pela notícia. E o ideal é que seja ele.
Leonardo Lanna: A internet sacudiu a indústria, criou a ideia de que nenhum conteúdo tem que ser pago. No jornalismo, tem-se a ideia de que as notícias estão aí, mas alguém parou, sentou e fez aquilo virar notícia. E ninguém quer pagar por isso.
Gregório Duvivier: Como é fazer humor dentro da Globo?
Leonardo Lanna: É um grande desafio. A Globo sempre teve bons produtos de humor que tinham liberdade pra sacanear, pra brincar, e com o tempo isso foi esfriando. Criou-se uma regra: esse assunto é proibido, isso não pode falar. Tem uma geração nova que está se afastando da televisão, e foi esse o desafio: fazer humor nessa linguagem na TV aberta e que voltasse a falar com um público que está em outros lugares. Está sendo uma experiência bem- sucedida, mas por estar na Globo é um desafio. Cada assunto que é tratado é negociado e discutido, porque está na Globo. A gente fala pra todo o país.
Wilma Ramos: Gregório, onde está hospedada sua coluna da Folha sem ser na Folha?
Gregório Duvivier: Está no quarto 301 [risos]. Minha coluna está hospedada na Folha, eu acredito ainda no jornal impresso. Eu mesmo já coloquei minha coluna no Facebook e já briguei com a Folha: “Não acredito que vocês querem cobrar por texto”. Eu sempre tive esse ponto de vista. Hoje em dia, eu fico pensando na forma de educar esse cara, de dizer que, se não pagar, não vai ter.
Leonardo Lanna: É claro que existe custo, existe gasto. As pessoas estão pagando pra trazer shows ao Brasil, as pessoas estão pagando pra fazer um livro, um jogo de videogame. Conteúdos não são de graça.
Lígia Miguel: Como fazer para o jornalismo se manter, mas sem cobrar pela informação?
Gregório Duvivier: Se você pensar que era impensável as pessoas pagarem por música há um tempo e hoje o Spotify é uma forma de pagar por música e bomba, o Netflix… Eu só via série de graça, baixada. Então eu acho que já tá mudando muito a mentalidade. Você tem que entender que alguém vai pagar por isso. Quem você quer que pague por isso? É você ou a Odebrecht? Ou a prefeitura? Acho que é fundamental que a gente pense nisso. Se eu estou consumindo, cultura, informação, eu preciso pagar pra isso.
Pedro Abramovay: O jornalismo é visto normalmente como o oposto do humor. Só que cada vez mais nos EUA isso é muito claro, as pessoas se informam pelo humor. O humor é forma de engajamento político, faz as pessoas se levantarem da cadeira pra fazer alguma coisa. O que isso muda, a responsabilidade? Antes os jornalistas decidiam o que iam fazer com o país. Os humoristas vão ter esse poder?
Leonardo Lanna: Você tocou numa palavra-chave: responsabilidade. A gente foi percebendo isso quando foi falando pra muita gente. O humor às vezes fala mais sério do que quem está querendo falar sério, porque você consegue chegar a muito mais gente, pega a pessoa desarmada e aí você tá passando uma mensagem. O que muda é essa responsabilidade. Mas acho que é ruim ter que assumir essa responsabilidade porque a piada também tem um caráter irresponsável. Então é uma responsabilidade que precisa ser trabalhada.
Gregório Duvivier: Uma coisa que me deixou muito assustado com o Trump foi o fato de que os humoristas não conseguiram fazer nada. Ele deixou uma depressão na classe humorística. Eu realmente acredito no poder do humor hoje; é óbvio que tem um poder na sociedade. O caso do Crivella… Não conheço nenhum humorista que não preferisse Freixo. E no caso Trump a mesma coisa: não só humoristas, classe artística, imprensa, junto com os intelectuais, como os acadêmicos. Me senti muito impotente. Muitas pessoas não só votaram no Trump apesar dos intelectuais serem contra ele – elas votam porque os intelectuais eram contra ele.
Leonardo Lanna: Apesar da gente ter várias correntes de pensamento político dentro do grupo, a gente tem pé firme num lugar que está ligado aos direitos humanos. Mas, se você defende um ambiente de direitos humanos e de liberdade, pronto, é o suficiente pra você ser tachado de esquerdista. Só que é um lugar que não dá para abrir mão. É o certo contra o ódio: os caras que odeiam gay, negro e mulher, não tem debate com eles.
Bianca Maia: Eu já vi uma piada no Sensacionalista bem machista e que as pessoas começaram a comentar, e vocês tiraram. Eu quero saber dos dois se vocês hoje já fazem uma pré-seleção, uma pré-censura ou se a piada passa por cima disso.
Leonardo Lanna: A gente não chama de autocensura, mas de autocrítica. Quando tudo está muito acontecendo, a gente não sabe direito o que passou do ponto. Nessa a gente percebeu que é errado, viu que muita gente estava reclamando, fomos lá e tiramos. A gente não acredita na piada pela piada; ao contrário, a gente vive um momento, hoje, de usar o poder do humor para acabar com estereótipos, acabar com piadas preconceituosas. Mas obviamente tem coisa que passa, porque muita coisa a gente ainda está descobrindo, esse comportamento que é machista etc.
Gregório Duvivier: Fico impressionado como o humor já mudou. Vê um programa de 20 anos atrás, o racismo o machismo não eram velados. Uma coisa que está presente no humor brasileiro é a pobrefobia. Fala errado, essa é a grande graça. Tem coisa mais violenta que isso? É algo que é tão atravessado que a gente ainda não percebe. Se tem algo que envelhece, é o humor.
Leonardo Lanna: É um exercício diário. Ah é ‘‘mimimi’’, a pessoa passou a vida toda sofrendo, marcou a vida? Eu e você estamos num lugar privilegiado da sociedade, somos brancos, de classe média, homens, não passamos nada do que passa a maioria da população, então não posso, desse lugar, ficar sacaneando todo mundo e ainda reclamar.
Mariana Simões: Como a gente faz pra tentar conscientizar uma pessoa sobre o que está acontecendo com o humor?
Leonardo Lanna: Uma opção é fazer piada com quem oprime, e não com quem é oprimido. Uma das funções do humor é contar o ridículo, e o que é ridículo hoje em dia? Ser preconceituoso é ridículo – vamos rir desse cara. Quando teve o caso de estupro coletivo que chocou a sociedade, no dia a gente resolveu não fazer piada nenhuma. Uma semana depois, o Zorra fez um esquete incrível na qual uma mulher chegava e: “Gente gente, Jesus vai ser crucificado”; aí o cara falava “Mas também, olha com que ele anda, olha o jeito que ele se veste. Isso é hora de ficar andando na rua?”. Usaram todos esses argumentos que foram usados, e souberam usar.
Júlia Cavalcanti: A gente está vivendo uma popularização de figuras políticas como Bolsonaro e Trump, que fogem da postura politicamente correta e afirmam um discurso satírico e absurdo. Como vocês acham que o humor influencia na formação política das pessoas?
Gregório Duvivier: O Bolsonaro, principalmente, surgiu como uma piada, como uma figura que você acha engraçada, maluco. Alguns programas de humor começaram levar ele pra dar entrevista, e essa figura foi crescendo. Dentro das redes sociais, esse cara virou “mito”. Acho que tem uma culpa do humor nesse sentido de ter criado esse monstro. O Trump pareceu uma grande piada no começo, ele reúne todos os clichês, é uma piada ambulante, começou a ganhar espaço e ser levado a sério. É o bufão, aquele do inesperado, do grotesco, aquele que você tem repulsa, mas ao mesmo tempo faz rir. É um perigo um bufão no poder.
Texto originalmente publicado no site da Agência Pública
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