Por unanimidade, Cunha vira réu pela segunda vez
STF aceita nova ação penal contra o deputado no âmbito da Lava Jato. Peemedebista responderá por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por ocultação de valores na Suíça – questão que levou o Conselho de Ética a aprovar sua cassação
"Entendo que a denúncia deve ser acolhida em partes", ressalvou Teori Zavascki, explicando que ainda há a questão relativa à prestação de contas de campanha de Cunha, em face de sua declaração de bens – apenas uma formalidade sem implicação no resultado do julgamento, explicou o magistrado. Ainda segundo Teori, faz-se necessária a realização de mais diligências a respeito da alegada "falsidade ideológica" eleitoral.
A denúncia foi acatada a despeito das argumentos preliminares da defesa – advogada de Cunha, Fernanda Lara Tortiman alegou insuficiência documental, ausência de parte das transcrições nos autos e inserção de material áudio visual de delações utilizadas como base para formular a denúncia. A defesa também alegou que não há configuração do crime de evasão de divisas, uma vez que a modalidade de movimentação financeira não é considerada delito na Suíça. O único ministro a acolher parte das contestações feitas pela advogada foi Marco Aurélio Mello, que entendeu não ter sido dado pleno acesso aos registros audiovisuais e não houve juntada de documentos essenciais à investigação.
"Não posso imaginar, em um processo que será daqui a pouco um processo crime em trânsito na Suprema Corte do país que existam documentos que não estão na língua portuguesa. De duas, uma. Ou não se faria a juntada, ou se faria a juntada com esses documentos devidamente traduzidos. Entendo que esses autos de inquérito, considerada a ordem jurídica, não estão aparelhados para deliberarmos sob pena de atropelo do direito de defesa", ponderou o ministro.
"Havia dúvida sobre a operação, mas por insistência de Zelada a compra do campo de Benin foi realizada", destacou Teori. "Ressalto influência de Cunha sobre a compra do campo em reunião realizada dois meses antes da efetivação do negócio", acrescentou o relator da denúncia.
"Deve-se ressaltar que o valor da suposta consultoria (US$ 10 milhões) é desproporcional ao valor recebido pela empresa e já apontava para corrupção e lavagem de dinheiro. Em seguida, João Henriques fez cinco transferências ao acusado (R$ 5 milhões)", detalhou Teori.
"É evidente que o acusado não está sendo denunciado por indicar nome para a diretoria na Petrobras. Mas por ter supostamente praticado atos para que a referida nomeação ocorresse, exigindo e recebendo em troca quantia ilegalmente advinda de corrupção passiva também praticada por Zelada enquanto esse fosse mantido no cargo de diretor da área internacional da Petrobras", acrescentou o magistrado.
"Origem espúria"
"Sob todas essas operações existem documentos incontestáveis, documentos reconhecidos na origem pela justiça Suíça. O valor é absolutamente incompatível com os valores lícitos recebidos com o trabalho de parlamentar. Em sete dias, Cunha gastou US$ 169 mil, e à época declarou receber, como renda e salário, R$ 17 mil. E as despesas continuaram as mesmas após a eleição do acusado para presidir a Câmara", destacou Janot.
Lavagem de dinheiro
Sobre a acusação de lavagem de dinheiro, Teori contestou a análise da defesa – a não existência de documentos que comprovem procedimentos ilegais realizados entre a Petrobras e as empresas indicadas pelo parlamentar. De acordo com o relator, João Henriques confirmou o pagamento ilícito. Apesar de não utilizar o nome "propina", Henriques admitiu ter repassado valores referentes à comercialização de poços de exploração de petróleo a "amigos". "Tudo isso incorre no crime de lavagem de dinheiro", avaliou Teori.
"Conforme análise de perito criminal, uma das principais finalidades da instituição do truste é investir de forma anônima. Os indícios mostram que o real motivo seria para esconder valores", detalhou o relator. Teori enfatizou também que as contas foram criadas para o recebimento de recursos originados na celebração do contrato com o campo de Benin. "De acordo com documentos enviados pela justiça suíça, foram feitas transferências que somaram mais de 1 milhão em francos suíços nas contas de Cunha", acrescentou.
"Também com base nos extratos bancários recebidos da Suíça, fica claro que o fechamento de uma das contas truste ligadas a Eduardo Cunha aconteceu em 2014, período próximo ao início das investigações sobre a lavagem de capitais da Petrobras feita pela Operação Lava Jato", arrematou o ministro.
Defesa
Para a advogada Fernanda Lara Tortiman está caracterizada insuficiência documental para efetivar a denúncia. “Não detém justa-causa, a falta de elementos indiciais não descreve nenhuma conduta imputável ao acusado. É preciso mais que a ocultação de valores para incidir no crime de lavagem de dinheiro”, argumentou.
Tortiman chamou a atenção para a falta de regulamentação na Constituição brasileira sobre investimentos em trustes no exterior. De acordo com ela, existe uma "contradição insuperável" na denúncia feita pelo procurador-geral da União contra Eduardo Cunha. "Até a presente data o Banco Central jamais regulamentou a declaração de valores em contas truste", ponderou.
"Ou Cunha criou uma estrutura que o distanciava daquele dinheiro, cometendo crime de lavagem, ou ele era o proprietário das contas – e aí a conduta se assemelha ao proprietário de offshore. E esta corte fixou entendimento que titularizar uma offshore não é um crime de lavagem. Ao ser facilmente identificado que ele é o administrador das contas na Suíça, ele não montou uma estrutura capaz de promover a ocultação de bens e valores. É só avaliar a tamanha a facilidade de identificação do dono dos valores", sustentou a advogada, ao mencionar os documentos utilizados para as aberturas das contas, como passaporte do acusado, comprovante de residência no Brasil e até mesmo a senha de recuperação do montante acumulado, identificada com o nome da mãe do deputado.
"Embora o truste não tenha regulamentação específica no Brasil, não há dúvida de que, relativamente, o acusado detinha em relação a essas operações plena responsabilidade jurídica e econômica. A manutenção de valores em contas no exterior como força de investimento, além de não desobrigar o beneficiário de apresentar a declaração ao Banco Central do Brasil revela veementes indícios de lavagem de dinheiro. É seguro afirmar, por isso, a presença de indícios de materialidade na prática do crime de evasão de divisas, uma vez que o acusado manteve montantes muito acima de US$ 100 mil não declarados", contestou Teori.
Caso de família
Também citadas na denúncia, a esposa de Cunha, Cláudia Cruz, e a filha do primeiro casamento do deputado, Danielle Dytz, tiveram suas respectivas investigações desmembradas do inquérito em curso. A defesa de Cláudia e Danielle queria que o caso fosse mantido no Supremo por estar atrelado ao processo de Cunha, que dispõe de foro privilegiado e só pode ser investigado no STF.
"A única referência é que saía da conta de Cunha os valores para abastecer as contas delas. Não vejo nesse fato específico a indispensabilidade de manter aqui com todo esse grande objeto da acusação. Se nós fossemos adotar essa orientação para esse caso, nós teríamos que, desde logo, trazer os demais. Henriques, o Zelada, e mais outros envolvidos. Nós teríamos que rever também tudo o que nós temos decidido em relação a todos os episódios dessa operação chamada Lava Jato. Nós teríamos centenas e centenas de pessoas envolvidas que teriam que ser investigadas e processadas aqui no Supremo. Nós levaríamos isso a uma completa falência dessa operação", ponderou o relator. "Eu penso que não há razão nenhuma para abrirmos exceção nesse caso."
Já o ministro Dias Toffoli afirmou ser a favor de manter o núcleo familiar em investigação conjunta. "A verdade é que esse plenário tem aceitado exceções. Não é pela exclusividade do núcleo familiar, mas pela alegação de cegueira deliberada por parte da investigada. Ou seja, que ela tinha consciência e ciência do que estava ocorrendo", avaliou o magistrado. "A investigação se baseia em sistema complexo de lavagem e ocultação de valores. O desmembramento poderia vir a tumultuar o processamento do feito gerando eventuais disparidades entre os fatos típicos relacionados às investigadas e ao denunciado", acrescentou Toffoli.
Apenas o ministro Gilmar Mendes concordou com a tese de Toffoli. E, com apenas dois votos a favor da solicitação de Cláudia Cruz e Danielle, ficou consolidada a decisão do relator, desmembrando-se o processo investigatório contra ambas da ação penal que vai apurar as práticas atribuídas ao peemedebista.
A defesa da família, agora, concentra esforços para que as denúncias contra a esposa e a filha de Eduardo Cunha sejam conduzidas pela Justiça do Rio de Janeiro. A ideia é evitar que ambas sejam investigadas na Justiça do Paraná pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato.