Por incrível que pareça, a resposta é sim. Foi o que ocorreu na última sexta-feira (18). Num plenário vazio, na companhia de somente mais um senador – o líder do seu partido (PDT-RO), Acir Gurgacz, que presidia a sessão –, o professor universitário e economista Cristovam Buarque fez uma alentada análise da situação por que passa o Brasil.
O eixo da argumentação do ex-governador do Distrito Federal, que há anos trocou o PT pelo PDT, é que o governo ignorou os alertas feitos a partir de 2011 sobre os erros cometidos na economia e na gestão administrativa. Aqui, parêntesis: Cristovam fala na primeira pessoa; mas não custa lembrar que boa parte da elite pensante do país fazia o mesmo naquela época – com especial destaque para a turma da FGV-Rio no que diz respeito aos descaminhos econômicos.
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Mas, voltando ao… perdão… eixo. O argumento do senador pelo DF é que novos alertas são ignorados hoje, agora com uma fatura mais alta em jogo. “O Brasil não está apenas em uma crise, está no início de um processo de decadência. A diferença é que da crise em dois ou três anos a gente sai; na decadência, precisa de uma ou duas gerações para dela sair”, diz ele.
Acesse aqui a íntegra do discurso de Cristovam
Crise, exemplifica ele, “é o PIB não crescer, a decadência é o PIB ficar preso aos bens primários, não ter um componente de alta tecnologia nos produtos que cria, não ser inovadora, como a brasileira”. Ele prossegue: “Crise é, um dia, haver uma greve de professor; decadência é haver dezenas de greves de professor a cada ano, centenas, aliás. Decadência é ficarmos para trás em relação aos outros países no que se refere à educação de nossas crianças. Isso não é crise, isso é decadência. Crise é haver uma epidemia circunstancial. Decadência é não sermos capazes de controlar os mosquitos deste país, em pleno século 21”.
Publicidade“O ano da descoberta”
O lado mais otimista da sua análise é que ele acredita que, no ano perto de se encerrar, a grande massa da população descobriu “um Brasil que estava escondido e está aflorando finalmente”. Para Cristovam, “isso é muito bom, desde que a gente aprenda, com a descoberta, a saber o que fazer nos anos de 2016, 2017, 2022… o nosso bicentenário, que está chegando”, completa.
Antes que sejamos acusados de ser pedetistas, golpistas, cristovistas ou qualquer outro ista sacado do coldre de alguns belicosos críticos que navegam na rede ansiosos para apertar o gatilho contra quem quer que seja, vale esclarecer que o destaque aqui dado ao discurso de Cristovam Buarque não significa endosso das suas teses.
Um bom discurso não é, necessariamente, aquele que diz o que a gente já pensa. Mas é aquele que prende a atenção, seja pelo adequado uso das palavras, seja por nos levar a pensar. Paulo Brossard, Pedro Simon, Mário Covas, Heloísa Helena, Jarbas Passarinho e Darcy Ribeiro, cada um a seu modo e com perspectivas ideológicas bastante diferentes, foram alguns nomes que levaram no passado esses atributos para a tribuna do Senado. Com frequência, encontravam gente competente o bastante para contraditá-los em pé de igualdade. Num triste sinal dos tempos, não faltou apenas debate em relação ao discurso de Cristovam (que, por sinal, talvez esteja mais para pensador/analista do que para orador). Tirando eventuais incautos que sintonizavam naquele momento improvável a TV Senado, seu discurso foi completamente ignorado.
Quem sabe sua reprodução, aqui, não contribui um pouquinho para pensarmos todos, com inteligência e se possível alguma civilidade, nesta sucessão de espantos em que se transformou o Brasil dos dias que correm.
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