O fato de o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) ter se ausentado do debate entre presidenciáveis na TV Globo, preferindo dar entrevista à concorrente TV Record nessa quinta-feira (4), foi uma “oportunidade de ouro” perdida pelos adversários do deputado militarista, líder nas pesquisas de intenção de voto e apontado como nome certo no segundo turno. A conclusão é da jornalista Daniela Sholl, especialista com experiência de 18 anos em consultoria política (veja um resumo dos desempenhos ao final desta matéria).
A opção de Bolsonaro pela Record incluiu a veiculação da entrevista no mesmo horário do debate na Globo – com duração superior a 20 minutos, o que afastaria a hipótese, alegada pelos médicos do próprio candidato do PSL, de que ele não deveria se submeter a qualquer atividade por mais que 15 minutos. Para Daniella, o próprio fato de a Record pertencer ao bispo Edir Macedo – um dos principais líderes evangélicos do país – poderia ter sido explorada com mais eficiência pelos demais presidenciáveis. O religioso anunciou apoio à candidatura de Bolsonaro nesta semana.
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“Acho que o Bolsonaro cometeu um erro ao fazer a provocação de dar entrevista na concorrente da Globo, no mesmo horário de debate. Fugiu do debate e foi dar entrevista na emissora do aliado, em um ambiente ‘chapa-branca’ [favorável]”, ponderou Daniella, lembrando que campanhas como a que está em curso em 2018 são vencidas por quem erra menos.
A íntegra do debate na Globo:
Para a especialista, os demais candidatos perderam o “timing” da crítica durante o programa. “Os adversários erraram na estratégia de não aproveitar erro crasso de Bolsonaro. Ele estaria blindado por ordem médica, mas perdeu esse salvo conduto. Fez isso numa provocação clara à Globo – não comparecer ao debate e aparecer na concorrente, do seu mais novo aliado Edir Macedo”, observou a consultora política, lembrando que horário do debate – das 22h desta quinta-feira (4) aos primeiros 45 minutos da sexta – requeria falas incisivas o mais cedo possível, ainda no primeiro bloco.
Daniella lembrou ainda que Marina foi bem quando disse, com ar grave, que Bolsonaro “amarelou” ao evitar o confronto de ideias – mas a candidata o fez tarde demais, destaca a jornalista. “Os adversários erraram na estratégia. No primeiro bloco, as perguntas eram livres. O que está acontecendo neste [terceiro] bloco, aos 15 minutos para a meia-noite teria, deveria ter sido tema do primeiro bloco. Porque foi claramente uma provocação, muito provavelmente sugerida por Edir Macedo. Os adversários tinham que ter explorado isso logo de cara”, observou.
Na rede
Pouco antes do debate, às 20h30, Bolsonaro veiculou em suas redes sociais uma “live” (vídeo ao vivo) no Facebook com aliados, como tem feito desde de que teve alta do hospital Albert Einsten, no último sábado (29). Dessa vez o convidado foi o pastor Silas Malafaia, outro dos principais líderes evangélicos do país.
Nos últimos dias, Bolsonaro resolveu concentrar seu discurso em busca de votos para mulheres e nordestinos, nichos em que tem alta rejeição. Hoje, em suas redes sociais, ele veiculou mensagem em que agora também defende programas sociais. “Combatendo as muitas fraudes que desviam o dinheiro para quem não precisa, além de manter, poderemos ampliar o Bolsa Família. E vamos além! Nosso objetivo é fazer com que cada vez menos pessoas precisem de ajuda do governo, oferecendo qualificação, emprego e dignidade”, registrou.
Leia as principais impressões da consultora sobre o debate:
Fernando Haddad: Foi, como esperado, o mais atacado no debate, mas se saiu bem. Finalmente se apresentou (“Sou professor, vivo de salário, minha mulher idem, etc”). Isso é importante, porque ele é o “poste” que acabou de entrar na disputa. Foi o único que lembrou de dar boa noite ao público no primeiro bloco;
Marina Silva: Estava linda e bem preparada, com conteúdo. Mandou as roupas étnicas embora, maquiou e fez as melhores perguntas do debate;
Guilherme Boulos: Como sempre, fala bem, com muita frase de efeito que o mundo entende. Deu o tom da emoção, no primeiro bloco, ao falar do risco de ruptura democrática e da volta da ditadura.
Ciro Gomes: Super preparado, parece um “Google” – a gente até se perde em tanta informação que ele traz. A valorização da multinacional de armamento e munição Taurus [em associação a Bolsonaro] foi um dado impressionante que ele trouxe. Bom momento dele quando falou da questão das armas e da lotação das prisões, mostrando que as soluções simplistas de Bolsonaro não são solução, pelo contrário;
Henrique Meirelles: Não tem carisma e é banqueiro. Mas tem o discurso bem organizado e foi bem no geral. Sua declaração “Movimento dos Sem Processo” na boca de outro candidato – que não engoliu uma bola de golfe que entalou na garganta – soaria de outra forma;
Geraldo Alckmin: Como sempre. Depois da imitação que o [humorista] Marcelo Adnet fez dele, só consigo me concentrar na mandíbula do candidato. É horrível isso. Uma pena, porque Alckmin tem um capital político e experiência invejáveis. Além de ser um dos poucos políticos do Brasil que conseguem frequentar sala de embarque de aeroporto sem ser vaiado. Candidato certo na hora errada;
Alvaro Dias: Seu discurso é monotemático: corrupção. Distribui bordoadas para todo lado e, na primeira intervenção, não conseguiu fazer a pergunta porque acabou o tempo antes. A fisionomia de Coringa [personagem de “Batman”] do candidato às vezes chama mais atenção que a mensagem. Na ausência de Cabo Daciolo [candidato do Patriota], foi o “personagem” do debate.
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