O candidato do PT à presidência da República, Fernando Haddad, disse que o seu adversário do PDT, Ciro Gomes, queria uma chapa “dream team” (equipe dos sonhos, em tradução livre) que incluísse o petista como candidato a vice. Disse ainda que Ciro o convidou para o posto. A revelação foi feita em debate no SBT realizado nesta quarta-feira (26), em parceria com o jornal Folha de S.Paulo e o portal UOL.
O assunto veio à tona quando Ciro Gomes, dirigindo-se à jornalista Débora Bergamasco, disse que o PT não teria vez em uma eventual gestão pedetista (“Neste momento, o PT representa uma coisa muito grave para o país”, disse). Neste instante do debate, em que profissionais de imprensa fizeram perguntas aos candidatos, o jornalista Fernando Canzian (Folha) quis saber se Haddad, um dos advogados inscritos para visitar Lula na cadeia em Curitiba (PR), onde o ex-presidente cumpre pena desde 7 de abril, continuaria a fazê-lo depois de eleito – o jornalista perguntou se Haddad não seria um “candidato teleguiado” que, uma vez no poder, manteria “uma ponte-aérea entre Brasília e Curitiba”.
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“Ele está injustamente preso. A sentença que o condenou não para em pé. Não apresentaram uma única prova contra ele e eu não vou descansar enquanto ele não tiver um julgamento justo. Inclusive no exterior, porque na Organização das Nações Unidas [ONU] já se prevê um julgamento de mérito, no primeiro semestre do ano que vem, pela perseguição que ele vem sofrendo”, reclamou Haddad, afastando em seguida a insinuação de que governaria com Lula.
“Não é assim que funciona um governo. Um governo é composto por várias forças políticas que assinam um compromisso com o programa aprovado nas urnas. Acabo de ver o Ciro Gomes dizer que não pretende governar com o PT, mas poucos meses atrás me convidava para vice-presidente na sua chapa, e chamava essa chapa de ‘dream team’, o time dos sonhos. Não é assim que se faz política, demonizando quem está com junto você circunstancialmente”, reclamou Haddad.
Assista à íntegra do debate:
Antes dessa discussão, Ciro já havia questionado os planos do petista para obras de infraestrutura e de desenvolvimento regional, acrescentando que a tarefa requer experiência. “O Brasil precisa de fato de um presidente que entenda a democracia de seu país”, disse Ciro Gomes, que citou obras paradas como herança dos governos petistas e, depois do impeachment de Dilma Rousseff (PT), de Michel Temer (MDB).
Haddad rebateu a declaração e disse que todas as obras estão paradas em razão das restrições impostas pela Emenda Constitucional 95, uma das primeiras medidas do governo Temer, que congelou teto de gastos para investimentos por 20 anos.
Oito presidenciáveis participaram do debate – além de Haddad e Ciro, foram ao estúdio do SBT Alvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriota), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (Psol), Henrique Meirelles (MDB) e Marina Silva (Rede). O único candidato ausente foi o líder nas pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro (PSL), que está desde 6 de outubro, quando foi esfaqueado, internado no Hospital Albert Einstein, fora de risco de morte.
Daciolo de volta
O debate no SBT, mediado pelo âncora Carlos Nascimento, marcou a volta do candidato Cabo Daciolo aos debates televisivos e à própria corrida presidencial – ele se retirou em jejum de 21 dias, iniciado em 5 de setembro, em um já folclórico morro no Rio de Janeiro. Deputado federal, o soldado do Corpo de Bombeiros evangélico voltou a roubar a cena com suas constantes citações religiosas e o “glória a Deus” que já virou bordão de campanha.
Daciolo inclusive tomou para si a frase com que Ciro Gomes, no debate da TV Bandeirantes em 10 de agosto, devolveu-lhe uma acusação sobre a fictícia “Ursal”, que seria a “União das Repúblicas Socialistas Latinoamericanas”, e a respeito da suposta paternidade do Foro de São Paulo (“A democracia é uma delícia, uma beleza. Eu dei a vida inteira por ela, e continuarei dando, mas ela tem certos custos”, disse Ciro na ocasião).
Daciolo usou a frase por duas vezes, uma delas para rebater o próprio Ciro e outra para questionar Meirelles. Primeiro dirigiu a Ciro uma pergunta sobre propostas do pedetista para o setor da saúde. Encerrada a resposta, o deputado provocou. “A democracia é uma delícia… O senhor ficou doente e correu para o Sírio-Libanês. E o povo? O povo corre pra onde? Por que o senhor não foi para um hospital público?”, indagou, referindo-se ao procedimento a que Ciro foi submetido ontem (terça, 25) no hospital paulista.
Ao contrário do debate na Band, Ciro não ironizou a colocação de Daciolo e se limitou a responder que foi convidado a ser tratado por um colega médico. Em seguida, admitiu dispor de plano de saúde. “Tenho plano de saúde e não sou demagogo para dizer o oposto”, disparou o pedetista, encerrando a discussão.
Depois sobrou para Meirelles, ex-ministro da Fazenda de Temer frequentemente associado a banqueiros e ao mercado financeiro. Ao responder a uma pergunta do ex-ministro sobre propostas de redução da pobreza, Daciolo fustigou. “Democracia é muito boa mesmo… A democracia é uma delícia. Estamos diante da pergunta de um banqueiro para um cabo do Corpo de Bombeiros”, ironizou o deputado.
“Se você quiser continuar se candidatando à presidência da República, você vai ter que estudar um pouco mais. Nunca fui banqueiro”, devolveu Meirelles, que mais uma vez defendeu no debate suas realizações como homem das finanças e com experiência em gestões de ministérios, Banco Central (no governo Lula) e grandes corporações multinacionais.
Acusações
Haddad foi um dos mais acionados no debate. Mas – agora que se posiciona em segundo lugar em pesquisas de intenção de voto, com chance de disputar o segundo turno – sem voltar à condição de alvo de todos os adversários, como aconteceu no encontro anterior, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na TV Aparecida, em 20 de setembro.
Na sua vez de interrogar Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula que apoiou Aécio Neves (PSDB-MG) no segundo turno, nas eleições de 2014, o petista lembrou que ela se posicionou a favor da terceirização e da reforma trabalhista, duas das pautas mais impopulares da gestão Temer. “Você participou desse movimento pelo impeachment e ajudou a colocar Temer lá, para consequências conhecidas”, atacou o ex-prefeito de São Paulo.
“É muito engraçado, Haddad, você vir falar de impeachment, quando você foi pedir apoio a Renan Calheiros [MDB-AL], que também apoiou o impeachment”, rebateu a ex-ministra, referindo-se à aliança do ex-presidente do Senado e de seu grupo político com o PT em Alagoas.
Mais do mesmo
No mais, o que se viu foi Geraldo Alckmin, em decadência em pesquisas de intenção de voto, com seu discurso de experiência e como representante anti-PT; Alvaro Dias com sua fala sobre moralidade e em defesa da “refundação da República”; e Guilherme Boulos, líder máximo do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), fiel à sua estratégia de enquadrar os “representantes do sistema” e fazer da melhor defesa o ataque. Logo na primeira pergunta, Boulos escolheu Alckmin e sapecou:
“Cadê o dinheiro da merenda?”, vociferou o candidato do Psol, referindo-se ao caso que ficou conhecido como “máfia da merenda escolar”, escândalo de desvio de dinheiro público que abalou o PSDB paulistano entre 2015 e 2016. Em resumo, trata-se de esquema de corrupção em que a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) forjava a compra de alimentos de pequenos agricultores para alimentação escolar, mas na verdade os produtos eram adquiridos junto a grandes fornecedores.
Alckmin até tentou se manter no âbmito da pergunta de Boulos sobre a gestão do setor de saúde em São Paulo durante o governo tucano. “São Paulo tem a melhor rede de ensino técnico da America Latina, tem as melhores universidades do país. Não fechamos nenhuma escola”, respondeu. Mas, diante da insistência do adversários na réplica (“O sentimento do povo nas ruas, Alckmin, é o de que você é o Sérgio Cabral que não está preso!”), o tucano acusou o golpe.
“Esse é o nível do candidato à presidência da República. Tenho quarenta anos de vida pública e sempre trabalhei, nunca fui desocupado, nunca invadi propriedade. Não tenho nenhuma condenação em 40 anos de vida pública”, rebateu o tucano, acrescentando que foi seu governo que descobriu o escândalo da merenda escolar – na verdade, as investigações foram feitas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo e culminaram na acusação de membros do PSDB e de sua base aliada na Assembleia Legislativa do estado (Alesp).
Foram convidados ao debate os candidatos que integram partidos ou coligações com pelo menos cinco representantes no Congresso Nacional. O encontro durou cerca de uma hora e 45 minutos e foi dividido em três blocos. A dez dias das eleições, ainda restam debates nas emissoras Record e Globo.