Com as mudanças provocadas pela pandemia de covid-19, o ano de 2020 foi atípico para todo o Congresso Nacional e acabou afetando diretamente a atividade legislativa. Levantamento realizado pelo Congresso em Foco verificou que oito deputados federais não apresentaram nenhuma proposição durante todo o ano. Pelo menos na última década (2010-2020), nenhum outro deputado passou um ano inteiro sem apresentar propostas.
No geral, menos propostas legislativas foram apresentadas em 2020 do que em 2019. Pesa para esta relação, que no primeiro ano de cada legislatura, muitos projetos são reapresentados. Segundo o portal da Câmara, os deputados federais apresentaram 6.269 proposições a menos em 2020 do que em 2019.
Por outro lado, em 2020 a Câmara bateu o recorde de aprovação de matérias na década. O plenário da Casa analisou e aprovou 180 propostas, 56 a mais do que em 2019. Segundo a Agência Câmara, esse foi o maior número de matérias aprovadas em um ano, desde 2011.
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A utilização do sistema remoto de votações foi um dos principais motivos apontados pelos deputados como empecilho para apresentar propostas no ano passado. Motivos de saúde e de internações por covid-19 também estão entre as justificativas dos parlamentares que não conseguiram elaborar projetos.
Outro fator que influenciou a apresentação de propostas foi o fato das comissões permanentes da Câmara não terem funcionado durante o ano passado, em decorrência da pandemia. Portanto, os deputados que não apresentaram proposições em 2020 alegaram também que não viram sentido em apresentar projetos se eles não teriam como passar por nenhuma comissão. Foi apenas em março deste ano que as comissões foram instaladas novamente, após a mudança no comando da Câmara, que elegeu Arthur Lira (PP-AL) como o novo presidente da Casa.
É importante, mas não é tudo
Apesar da elaboração e apresentação de propostas ser uma das principais atividades do parlamento, não é a função mais importante de um deputado federal. O cientista político associado ao Congresso em Foco, e coordenador do Farol Político, Ricardo de João Braga, esclarece que a apresentação de propostas por parlamentares ainda é uma atividade “mal compreendida pela sociedade”, e que a quantidade de propostas apresentadas não indica uma maior aprovação das matérias. “A função do Poder Legislativo é produzir legislação, então apresentar propostas seria um fator importante para isso. Mas a qualidade de um parlamentar não deriva dele apresentar um grande número de propostas”, reforça.
“Muitos parlamentares apresentam toneladas de projetos, mas a grande parte são projetos horríveis, mal formulados, repetidos, copiados de outras Casas, e tem aqueles com coautoria, mas esses ainda são interessantes porque demonstram que aquela proposição tem mais peso, mais apoio”, afirma o cientista político. Para ele, há inúmeras outras atividades que tornam um deputado mais “produtivo” para a Câmara.
“O deputado pode assumir a presidência ou coordenação de comissões, o que demanda um bom tempo para organizar esses grupos. Eles também podem ser relatores de propostas, o que é muito importante porque nesse mundo de relatorias, tem alguns momentos em que os parlamentares conseguem alavancar discussões interessantes, além de promover mudanças necessárias nos textos das matérias. Às vezes os parlamentares também se envolvem com uma ou duas relatorias de temas que são mais debatidos, por causa da complexidade, e aquilo pode tomar quase o ano inteiro do deputado”, disse.
Zero proposições legislativas em 2020
O deputado e pastor Abilio Santana (PL-BA) é um dos que não apresentou projetos no ano passado. Apesar disso, marcou presença em 99% das votações da Câmara em 2020 e apresentou 273 em 2019. Eleito em 2018 para seu primeiro mandato, com 50.345 votos, Santana é conhecido por ser um dos principais pregadores do Gideões Missionários da Última Hora, além de apoiador declarado do presidente Jair Bolsonaro. Segundo dados do Radar do Congresso, o nível de governismo do parlamentar é de 94%. Esse percentual é identificado a partir do número de votações em que o deputado se manifestou da mesma forma que líderes do governo.Procurado pela reportagem, o parlamentar afirmou que, em 2020, preferiu focar no combate à covid-19, com “envio de recursos para os municípios superarem a crise”. “No ano passado, remanejei R$ 2 milhões do Ministério do Turismo para o Ministério da Saúde em emendas impositivas. Para a bancada da Bahia fazer investimentos em saúde, destinei mais de R$ 5 milhões. No total, enviei R$ 10.480.454 para o Ministério da Saúde”, disse, via assessoria de imprensa. O deputado também justificou a ausência de propostas com a paralisação das comissões, tendo em vista que os projetos enviados ficariam “impossibilitados de cursar o trâmite habitual”.
“Além das participações ativas nas sessões plenárias virtuais, em 2020 fiz meu papel como deputado, visitando e reivindicando melhorias para os municípios nos quais tenho representatividade, cobrando dos poderes responsáveis, ouvindo demandas de lideranças e viabilizando soluções”, acrescentou Santana.
Situações atípicas
Entre os outros que não apresentaram proposições legislativas na Câmara em 2020, estão os deputados Giovani Feltes (MDB-RS), com 99% de presença em votações, e o deputado José Priante (MDB-PA), com 77%. Os dois emedebistas têm os mesmos índices de governismo (91%) e justificam a falta de propostas legislativas no ano pelas situações “atípicas” de 2020. Em 2019, eles apresentaram, respectivamente, 24 e 125 propostas. Juntas, a grande maioria são emendas em comissões (147).Feltes já havia sido eleito deputado em 2015, mas abriu mão do mandato para assumir a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul. Em 2018, foi eleito novamente, com 93 mil votos. Ao Congresso em Foco, o parlamentar explicou que concentrou todas suas forças “na aprovação de medidas de enfrentamento à pandemia, para agilizar a resposta do Congresso aos seus impactos na saúde e economia”. Ele também citou a paralisação de comissões permanentes que analisariam as propostas como um dos fatores para a menor produção legislativa no ano. “Afora tudo isso, algumas contribuições que fizemos, as encaminhamos diretamente junto aos líderes partidários, permitindo que nas discussões pudéssemos aprimorar os projetos pautados”, esclareceu o deputado, em nota via assessoria.
Já o deputado José Priante, que cumpre seu sexto mandato como deputado federal e preside o diretório do MDB de Belém, disse à reportagem que uns dos fatores que prejudicaram as atividades legislativas foi o fato de ter ficado internado por causa da covid-19, e por ter sido candidato a prefeitura de Belém nas eleições municipais, o que teria demandado mais tempo de campanha. Em 2020, Priante também presidiu a CEDES (Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara). Hoje, é presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU).“Num ano em que não tivemos nenhuma comissão instalada, pandemia o ano todo, a Câmara só votou projetos voltados a esse tema. Inclusive eu passei semanas com covid, internado. Acabei de perder minha mãe para a doença”, lamentou o parlamentar, ao Congresso em Foco.
Não é só apresentar propostas
Os deputados Sérgio Brito (PSD-BA), em seu quinto mandato, e Stefano Aguiar (PSD-MG), no segundo mandato, são outros que não elaboraram propostas legislativas em 2020. Ambos têm, respectivamente, 97% e 92% de governismo, segundo o Radar do Congresso. Brito tem aproximadamente 89% de presença em votações, enquanto Aguiar tem 92%. Em 2019, eles apresentaram respectivamente, 7 e 216 proposições, cada um, mas nenhum projeto de lei. Juntas, a grande maioria das matérias desses deputados foram emendas em comissões (215), e o restante, requerimentos, substitutivos e indicações.Em relação ao ano de 2019, Sérgio Brito esclareceu que precisou se ausentar mais da Câmara até meados de novembro pois foi nomeado Secretário de Desenvolvimento Urbano do governo da Bahia no início do ano. “Mas mesmo assim, ainda consegui apresentar 7 propostas no ano retrasado. Já desde 2020, quando começou a pandemia, que foi um ano totalmente atípico, eu realmente não tenho ido a Brasília e não consegui me adaptar bem a esse sistema remoto de apresentar propostas, essa participação legislativa online. É muito complicado isso, realmente não é fácil e eu não estava acostumado, assim como ninguém, eu acredito”, explicou.
Sérgio Brito também reforçou que já presidiu diversas comissões permanentes na Câmara em outros períodos de seus mandatos, como a comissão de Defesa do Consumidor, de Minas e Energia, de Educação, e a comissão de Fiscalização Financeira e Controle. “Sou um deputado que participa das comissões quando os trabalhos estão normais. Nós não estamos nos trabalhos normais, e acho até que o Congresso deve voltar o mais rápido possível presencialmente, logo que passar a pandemia, logo que os deputados e a população brasileira forem devidamente vacinados”, disse. Ao total, Brito já apresentou 475 propostas na Câmara até hoje, sendo 23 Projetos de Lei e 30 Propostas de Emenda à Constituição.
Já a assessoria do deputado Stefano Aguiar informou que ele “sempre pautou a redação dos seus projetos pela escuta da população em audiências públicas e comissões temáticas, principalmente de Meio Ambiente”. “Com a suspensão desses trabalhos devido a pandemia, não foi possível o debate costumeiro nas comissões”, disse. “Aguiar atuou em 2020 destinando emendas para municípios, ouvindo a população, atuando em votações para projetos prioritários como o auxílio-emergencial, PEC da Guerra e outros que visam a recuperação econômica”, reforçou a assessoria de Aguiar.Outros problemas de saúde
Já o deputado federal Nilson Pinto (PSDB-PA), que também não apresentou propostas legislativas no ano passado, está em seu quinto mandato consecutivo. Com 89% de governismo e aproximadamente 86% de presença em votações, em 2019 o deputado apresentou 155 propostas, sendo a maioria emendas em comissões (116), e o restante, requerimentos e indicações. Até hoje, no total, já apresentou 1.737 propostas, sendo 11 projetos de lei e 313 Propostas de Emenda à Constituição.
No entanto, o parlamentar explicou ao Congresso em Foco que sua participação na Câmara no ano passado foi prejudicada por motivos de saúde. “Em março (2020) sofri um infarto agudo do miocárdio, que levou à minha internação, à implantação do sétimo ‘stent’ em meu coração e a longo período de recuperação. Foi o terceiro infarto no intervalo de sete anos, que me deixou com insuficiência cardíaca como sequela permanente”, disse o deputado, que também foi hospitalizado para o tratamento de covid-19 em outubro. “Em resumo, passei cerca de 70 dias internado em 2020, e o resto do tempo em casa, por necessidade de recuperação e por conta da pandemia. Consegui participar da maioria das votações plenárias, que eram virtuais, mas infelizmente não tive condições físicas de elaborar novos projetos”, acrescentou.Sem resposta
Os deputados Junior Lourenço (PL-AM) e Jefferson Campos (PSB-SP) também não apresentaram proposições legislativas no ano passado, mas não retornaram após as tentativas de contato do Congresso em Foco. A reportagem também tentou contato telefônico e via email, mais de uma vez, com o gabinete pessoal dos parlamentares, mas não houve retorno de nenhum dos dois até a publicação da reportagem.
Ambos deputados estão alinhados à base governista na Câmara em, respectivamente, 95% e 85% das votações em Plenário. Em níveis de assiduidade, Lourenço e Campos marcaram presença em, respectivamente, 77% e 89% das sessões deliberativas do plenário, segundo o Radar do Congresso.
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