Vilson Antonio Romero*
Oficialmente em solo brasileiro desde a edição do Decreto n° 4.682, em 24 de janeiro de 1923 (aliás, Lei Eloy Chaves), a Previdência Social tem sido abalada por sucessivas mudanças.
Em nenhum momento, essas alterações, sejam constitucionais ou infraconstitucionais, trouxeram melhores condições de recebimento dos benefícios ou mais flexibilidade para que o trabalhador, seja ele da iniciativa privada ou do serviço público, tivesse um pouco mais de dignidade ao fim da sua vida laboral.
A última reforma foi aprovada a fórceps com o apoio do chamado “Centrão” político-partidário e do conjunto de forças conservadoras, liberais e privatizantes eleitas no turbilhão antipetista “renovador” de 2018.
> Reforma da Previdência: veja a íntegra do texto aprovado pelo Congresso
A Emenda Constitucional 103/19, de 13 de novembro do ano passado, completa seu primeiro ano de vigência ainda com muitas incompletudes, a não ser o encolhimento do recurso que chega ao bolso do aposentado e pensionista.
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Essa reforma sempre escancarou seu objetivo cruel: fazer os cidadãos trabalharem muito mais, pagar mais contribuição (com raras exceções) para obter sua aposentadoria e receber um benefício com valores bem menores e muito mais tarde.
A chamada “Nova Previdência” colocou por terra parâmetros consolidados há décadas, instituiu idade mínima para os trabalhadores em geral, reduziu benefícios como pensão por morte e outros, aumentou a contribuição para a maioria dos segurados e não trouxe nenhuma medida para reduzir o caos na administração, situação agravada pela pandemia.
A ameaça de militarizar seus quadros de fato aconteceu parcialmente, com a seleção de 1.969 militares inativos e quase 3.300 servidores aposentados do seguro social e de outras áreas, para revisar pedidos de aposentadoria.
Mesmo assim, ainda permaneciam no final de setembro mais de 1,8 milhão de benefícios “represados”, com centenas de milhares de segurados reclamando da burocracia, da falta de inclusão digital que impossibilita o acesso à plataforma digital do “Meu INSS”, da demora ou da falta de atendimento dos médicos peritos e um desrespeito incomensurável aos direitos dos cidadãos, em especial dos mais pobres, de menos posses e recursos que precisam desesperadamente do dinheirinho minguado do INSS.
Por outro lado, inúmeras providências complementares à reforma seguem pendentes, passado um ano da promulgação da Emenda Constitucional.
Melhorar as condições para agilizar a cobrança dos grandes devedores, um dos quatro pilares da reforma apresentada pela equipe econômica, no início de 2019, não avançou um milímetro sequer.
Pelos relatórios da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), havia em 31 de dezembro de 2019, R$ R$ 543.122.526.364,62 (números exatos) de débitos previdenciários não cobrados, dinheiro suficiente para pagar os mais de 35 milhões de beneficiários por quase um ano.
Uma série de outras questões ainda permanece no limbo da chamada PEC paralela que não ata nem desata nos corredores do Congresso neste período de calamidade pública, inclusive se perpetua o eterno desequilíbrio nas contas da previdência do subsistema rural, onde se arrecadou R$ 8,37 bilhões e foram pagos R$ 130,06 bilhões em 2019.
A única coisa que evoluiu depois de novembro passado foi a proposta de reforma dos militares (que nem eram mudanças constitucionais e traziam embutidas novas vantagens salariais ao setor), bem como a do pente-fino nos benefícios do INSS, com o objetivo de coibir fraudes.
O governo também apresentou um projeto de lei que cria regras especiais de aposentadoria para profissionais expostos à alta periculosidade, como vigilantes armados e guardas noturnos, por exemplo. Mas o projeto está com a tramitação travada no Congresso pela falta de acordo no texto da matéria.
Por outro lado, segue a desoneração da folha de pagamentos que, nos últimos cinco anos, retirou mais de R$ 75 bilhões dos cofres previdenciários.
Alguns setores, inclusive, já avaliam, com apoio de economistas renomados e de analistas do mercado financeiro, que a reforma aprovada, apesar de ampla, não é suficiente para equilibrar as contas da Previdência e, por isso, uma nova reestruturação terá de ser feita nos próximos anos.
Há clamores muito evidentes também pela capitalização, sonho dourado do Senhor Mercado, onde a regra é “cada um por si”, e talvez uma hecatombe financeira como ocorreu no Chile.
O que parece é que não percebem que a pandemia escancarou ainda mais a desigualdade existente no país e que a previdência social brasileira segue sendo um dos grandes instrumentos de redistribuição de renda e mitigação desta chaga social que deixa milhões de brasileiros ao desalento.
Fiquemos atentos, defendendo esse nosso inigualável amortecedor das mazelas sociais, pois somente desta forma seguiremos defendendo aqueles que já contribuíram por tanto tempo para a nação brasileira: os aposentados e pensionistas que todos um dia queremos ser.
*Vilson Antonio Romero é auditor fiscal aposentado, jornalista, ex-presidente da Anfip e conselheiro da ABI.
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