A expressão “Taxonomias Verdes” brotou no mundo das Finanças ASG há cerca de 5 anos, depois que o Grupo de Estudos de Finanças Verdes do G20 e outras organizações-chave apontaram em alguns relatórios que precisamos delas por duas razões principais: a) para medir os fluxos financeiros para a Economia Verde e, portanto, monitorar o progresso ao longo do tempo; b) para garantir aos agentes financeiros (e outras partes interessadas) que certas atividades e projetos podem ser considerados “verdes”, ou seja, com saldo ambiental positivo. Esta última função é de suma importância para viabilizar a expansão de novas tecnologias, que podem ser consideradas muito arriscadas pelos bancos ou investidores tradicionais, mas que são exatamente o que precisamos para se alcançar uma economia verde ou sustentável. A avaliação por especialistas do valor/viabilidade técnica dessas tecnologias fornece as bases e a segurança para que o mercado lhes dê escala, especialmente se, ao mesmo tempo, os reguladores financeiros começarem a exigir que as instituições financeiras divulguem o percentual de suas carteiras que está alinhado com as taxonomias verdes e os reguladores dos mercados de capitais exigirem que as empresas divulguem o percentual de sua produção de suas receitas (ou ambos) que está alinhado com elas.
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Mesmo antes disso, entretanto, alguns reguladores financeiros, como o regulador bancário da China (em 2012), já haviam definido, pelo menos de forma genérica [1], quais atividades consideravam enquadráveis no “crédito verde” e, na China, até mesmo foi constatado, após os primeiros anos, que a taxa de inadimplência é muito mais baixa para elas do que para as operações de crédito tradicionais. Um estudo acadêmico publicado em 2018 analisando 72% do mercado bancário chinês (24 bancos) também concluiu que a taxa de inadimplência era menor nas carteiras dos bancos com uma proporção maior de crédito verde.
No mercado de investimentos, também já havia oferta de fundos de investimento com algum tipo de foco ASG (seja para evitar danos ambientais e sociais ou para proporcionar impactos positivos) – e a abordagem de investimentos de impacto já havia desenvolvido indicadores para medir o impacto ambiental ou social positivo que se pretende alcançar, tais como o Investment Reporting Impact Standard (IRIS), criado pela Global Impact Investing Network (GIIN). Por outro lado, autorregulações para Títulos Verdes também já existiam anteriormente a esta discussão de taxonomias e agora progrediram para incluir Títulos Sociais e Sustentáveis, Títulos Vinculados à Sustentabilidade (e Crédito Verdes, no caso do mercado de crédito). Na verdade, estes padrões não exploram muito a definição de “atividades verdes, sociais ou sustentáveis”, algumas vezes listando apenas exemplos [2] e focando mais nos procedimentos pré e pós-emissão. Nos últimos anos, muitos reguladores financeiros[3] também abordaram o tema (às vezes apenas para títulos soberanos) e, ao fazê-lo, muitos definiram o tipo de atividade verde/social/sustentável que pode ser financiada através destes títulos, nunca com muito detalhe, mas com um propósito semelhante a uma taxonomia.
Desde então, a UE decidiu elaborar uma Taxonomia Verde para investimentos (a ser estendida à divulgação de informações ASG por empresas), e está desenvolvendo também os primeiros passos de uma Taxonomia Social. A estratégia utilizada pela UE foi produzir legislação em vez de apenas regulação financeira abordando o tema e dividiu a estratégia verde em seis objetivos. Esta divisão parecia uma boa ideia inicialmente, para deixar claros os diferentes benefícios ambientais esperados (mitigação e adaptação às mudanças climáticas, conservação e restauração de ecossistemas, conservação e restauração de cursos d’água, economia circular e prevenção e combate à poluição), mas acabou se tornando um grande problema uma vez que o formato da abordagem por etapas adotada acabou fazendo com que os objetivos relacionados ao clima fossem tratados separadamente e não de forma interligada aos demais. Apenas para ilustrar o problema, o relatório do IPCC-IPBES publicado em junho passado traz toneladas de evidências de que os objetivos climáticos e de biodiversidade (seja para evitar danos ou para criar soluções, como propõe uma taxonomia verde) não podem ser abordados separadamente – é necessária uma abordagem integrada.
O princípio de “não causar danos” (as atividades incluídas na taxonomia para um objetivo ambiental não podem prejudicar nenhum dos outros cinco objetivos de forma significativa) e as “salvaguardas sociais” (também incluídas na taxonomia da UE), embora corretíssimas, estão longe de ser suficientes. O foco inicial no clima significou que não houve qualquer consideração de potenciais sinergias com outros benefícios ambientais, tais como a redução de resíduos (resultantes da energia do biogás derivada do lixo doméstico ou da costura) ou a conservação dos ecossistemas – e as soluções baseadas na natureza são justamente o foco do momento para se combinar benefícios climáticos e de biodiversidade. O que vemos da taxonomia da UE no setor energético, até agora, leva a concluir que o princípio de “não causar danos” não está sendo levado a sério – a energia nuclear, por exemplo, tem enormes riscos e/ou impactos negativos; uma abordagem de ciclo de vida deve ser adotada para a energia solar, cujos paineis dependem das atividades de mineração e seu destino final é uma questão muito relevante; etc. Outro exemplo fácil da necessidade de uma abordagem integrada, para além da agenda climática, é a reciclagem de resíduos, que contribui para a prevenção e controle da poluição, mas também pode utilizar água e energia, de modo que e o saldo ambiental final precisa ser considerado no contexto de cada tipo de resíduo, a fim de avaliar quando ela deve ser incluída ou não na taxonomia.
Outro erro brutal é o fato de que a taxonomia verde da UE é totalmente binária, colocando no mesmo nível, voltando aos exemplos do setor energético, a energia eólica offshore (com custos mais baixos e impactos ambientais e sociais negativos muito menores e emissões de GEE muito baixas), o biogás (com impactos ambientais e sociais muito baixos e benefícios para a prevenção e controle da poluição e para a economia circular) e, de acordo com os planos recentes, a energia nuclear! A taxonomia outrora considerada um exemplo para o mundo, devido à sua promessa de fundamentos técnicos, está se afastando cada vez mais desse paradigma…
Ao invés de taxonomias binárias, precisamos de taxonomias que considerem o grau de benefícios ambientais (não é suficiente ser relevante, como exigido na taxonomia da UE, precisamos saber quão relevantes), e também sua abrangência (pois muitas atividades geram inclusive mais de um benefício), e quão baixos são os riscos e impactos negativos ambientais e sociais inevitáveis. Precisamos de diferentes “tons de verde”, como já foi feito pela consultoria norueguesa CICERO há muitos anos para os Green Bonds.
E uma boa maneira de desenvolver taxonomias é começar com tópicos/atividades que trazem apenas benefícios ambientais, tais como tecnologias/atividades que proporcionam eficiência hídrica, eficiência energética, eficiência no uso de matérias-primas ou outros insumos, aumento dos níveis de segurança para os trabalhadores, comunidades afetadas e/ou consumidores, redução da poluição, conservação e restauração de ecossistemas. Não faz o menor sentido gastar muita energia (humana) discutindo se o gás natural ou a energia nuclear é “verde” – como está acontecendo neste momento na UE, enquanto as atividades mais óbvias, como a agroflorestação/agricultura regenerativa, tecnologias de prevenção e detecção de incêndios florestais e muitas outras ligadas aos outros objetivos ambientais ainda não têm um “rótulo verde”! É bem difícil entender porque se foca a discussão em polêmicas quando aquilo que é evidente está desatendido…
Além disso, é fácil compreender que não resolveremos problemas ambientais e sociais em nenhum lugar do mundo se financiarmos impactos positivos e, ao mesmo tempo, continuarmos financiando danos ambientais e sociais. Infelizmente, o fato de, por exemplo, a geração de energia renovável se expandir não implica que a energia de origem fóssil diminua em números absolutos (de modo que, no final das contas, o total de emissões de GEE permanece o mesmo). Já houve, no Nordeste brasileiro, projetos mal planejados onde a geração de energia eólica foi financiada sem se assegurar que a distribuição desta energia estaria disponível… E todos nós conhecemos muito bem o mito do crescimento econômico eterno (que obviamente é a causa da degradação dos ecossistemas e das mudanças climáticas), que levam a políticas macroeconômicas cujo foco é o crescimento do PIB ao invés do bem-estar da população e da sustentabilidade ambiental. É perfeitamente possível que o fornecimento de energia renovável aumente enquanto, ao mesmo tempo, a energia e os combustíveis fósseis permaneçam do mesmo tamanho (se não aumentarem também!) – os subsídios de impostos fósseis ainda não estão sendo eliminados, como demonstram estes dados recentes, e todos nós lemos sobre quantos bancos e carteiras de investidores ainda estão financiando energia e combustíveis fósseis, incluindo novos projetos de infra-estrutura. Também não há garantia de que os carros elétricos (cujos combustíveis emitem menos GEE) serão sempre alimentados com energia limpa. O que é garantido, infelizmente, é que eles usam baterias feitas de lítio, cuja extração tem um enorme impacto ambiental e social negativo. E o mesmo pode ser dito sobre a proteção de ecossistemas – podemos investir muito em atividades de restauração, mas se sua degradação (através da poluição ou do desmatamento) ainda estiver sendo financiada da mesma forma, não faremos progresso algum. Isso é matemática.
Desenvolver as Taxonomias Verdes também é certamente positivo para criar novas oportunidades de negócios (o mercado está interessado nelas, naturalmente), mas, se levamos realmente a sério os objetivos ambientais, precisamos abordar profundamente também o outro lado da equação, que é a clara identificação de onde estão os impactos indesejáveis. É evidente que a solução radical seria simplesmente proibir certas atividades econômicas – e isso já é o caso de uma grande parte da poluição e do desmatamento, por exemplo, mas a efetividade dessas proibições é deficiente em muitos lugares. Entretanto, isso não pode acontecer antes que a “nova economia” esteja “pronta”, com fornecimento suficiente de energia limpa para todos. Deve-se lembrar que em muitos países a universalização da energia ainda não existe, portanto, há uma imensa oportunidade de fazê-lo desde o início, fornecendo as energias mais limpas possíveis para aqueles que agora não têm nenhuma. Portanto, precisamos também de uma “etiqueta”, como foi feito recentemente pela primeira vez por um regulador financeiro (o indonésio) para as atividades que, mesmo que ilegais, devem ser restringidas e, se possível, descontinuadas – a Indonésia emitiu um regulamento para as atividades “Verdes”, “Amarelas” e “Vermelhas”. O ideal é estabelecer também “tons de amarelo e vermelho”. E precisamos que os impactos sociais também sejam considerados.
Finalmente, é essencial lembrar que qualquer taxonomia séria deve considerar também a localização das atividades econômicas. Um projeto pode ser “verde” em uma área e “amarelo” ou mesmo “vermelho” em outra, porque afeta negativamente um hotspot de biodiversidade, uma comunidade indígena, uma bacia hidrográfica importante e assim por diante… Esse relatório do UNEP-WCMC publicado em 2020 ilustra muito claramente porque é útil considerar (usando uma abordagem integrada, como dito anteriormente) a localização das atividades tanto para evitar emissões de carbono provenientes do desmatamento quanto para preservar a biodiversidade – economiza espaço, tempo e dinheiro, uma vez que existem muitos locais cuja conservação é capaz de trazer benefícios para ambos os objetivos – é preciso explorar essas singergias.
Uma vez que os reguladores forneçam esta estrutura geral, considerando as atividades/ tecnologias a serem incluídas em uma taxonomia e mapeando os locais de acordo com a sensibilidade ambiental e social, é papel dos agentes financeiros avaliar individualmente cada empresa potencial a ser financiada (ou já incluída em suas carteiras), de acordo com indicadores-chave de desempenho ambiental e social apropriados para cada setor.
A propósito, indicadores consistentes para cada setor econômico também devem ser o ponto de partida para qualquer taxonomia que adote uma estratégia semelhante à da UE, que tomou como ponto de partida os setores e, em seguida, mapeou as tecnologias verdes para cada um – além de mapear as tecnologias transversais (como é o caso da eficiência energética). Se entendermos os riscos ambientais mais relevantes e os impactos (positivos e negativos) de cada indústria, mesmo a mitigação do risco ou a redução de um impacto negativo pode ser incluída em uma taxonomia “verde/social”, especialmente quando ainda não há tecnologia disponível que elimine completamente o risco ou o impacto negativo. Portanto, cada indicador-chave pode ilustrar o risco em si e a oportunidade de mitigar esse risco. O desafio a este respeito é desenvolver um conjunto sólido de indicadores por setor, já que os mais utilizados, tais como SASB e EFFAS ESG KPIs, e também aqueles desenvolvidos por associações setoriais específicas, muitas vezes oferecem um desses problemas: a) indicadores-chave óbvios não estão incluídas (como o gerenciamento de rejeitos na mineração; os padrões/indicadores disponíveis simplesmente abordam o tópico como se a única questão envolvida fosse a segurança das barragens, enquanto existem muitas outras tecnologias mais seguras de gerenciamento de rejeitos disponíveis e já adotadas por empresas de mineração), outro exemplo: um tópico chave como o fechamento de minas não está incluído na EFFAS para o setor de mineração; b) os indicadores não são relevantes – a EFFAS, por exemplo, menciona, para cada indústria, “eficiência energética”, quando na verdade requer a divulgação de valores absolutos de consumo de energia, sem qualquer correlação com a produção (para medir eficiência, precisamos relacionar energia com produção, da mesma forma que precisamos relacionar distância com tempo para medir velocidade); c) tópicos-chave são mencionados, mas não traduzidos em indicadores reais; d) nenhum peso é atribuído a cada indicador [4]. Portanto, construir um conjunto consistente de indicadores ambientais e sociais para cada setor econômico (começando por aqueles com os riscos e impactos negativos mais relevantes) é um primeiro passo necessário para uma taxonomia ambiental e social sólida que vai do extremo negativo (riscos e impactos negativos inevitáveis) para o extremo positivo (benefícios).
Além disso (e isso deveria ser óbvio), o mercado financeiro deve parar de financiar violações às regras ambientais! Infelizmente, a realidade não poderia estar mais longe disso – um relatório recém publicado pela Finance for Biodiversity explora as ligações entre o mercado financeiro e os crimes ambientais (a forma mais grave de violação, mas não a única) e deixa claro como as diligências do mercado financeiro a este respeito estão muito longe de ser suficientes. As diligências devem abranger toda a cadeia de valor, por exemplo, inclusive para evitar a lavagem de dinheiro. Um exemplo fácil é a extração de ouro no Brasil: o estudo aqui mencionado ilustra uma quantidade de ouro envolvida em forte suspeita de ilegalidade que é igual à metade da produção de ouro do país no período mencionado.
Nada disso é fácil, mas certamente há alguns pontos inequívocos para começar (que são ao mesmo tempo mais relevantes e mais fáceis): priorizar a inclusão de atividades que trazem os mais relevantes e múltiplos benefícios ambientais e sociais em taxonomias “verdes” (não entendido o verde como “ambiental” apenas, mas sim como “vá em frente!”) e colocando uma “etiqueta vermelha escura” naquelas atividades que provavelmente serão proibidas num futuro próximo, devido aos danos incontroversos que causam (impossibilitando sua inclusão em qualquer trajetória de transição). Isto não é, no entanto, o que estamos vendo em toda parte – Taxonomias Verdes estão sendo desenvolvidas em muitos países em todo o mundo neste momento, mas esta não é a lógica comum – basta olhar para a União Europeia. Esperemos que os reguladores e tomadores de decisão em políticas públicas comecem a agir de forma mais sábia! A abordagem integrada e abrangente que se requer certamente não é algo que podemos esperar apenas do mercado – na verdade, o mercado precisa de um framework (que deverá sempre ser atualizado conforme o desenvolvimento tecnológico) para que possa avançar na direção exigida por uma sociedade que depende da natureza para satisfazer, ao fim e ao cabo, todas as nossas necessidades.
Ainda, vale lembrar que uma taxonomia consistente de atividades econômicas quanto a seus impactos ambientais e sociais pode e deve também ser utilizada para fins tributários, realinhando subsídios e reduzindo a carga tributária de atividades que geram impactos positivos, ao mesmo tempo que se aumenta a daquelas que produzem impactos negativos evitáveis.
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[1] Gestão de resíduos, eficiência energética, eficiência hídrica, energias renováveis, restauração de ecossistemas, etc.
[2] Esse é o caso dos prinícipios desenvolvidos pela International Capital Markets Association (ICMA), ao passo que a Climate Bonds Initiative (CBI) tem desenvolvido inclusive padrões específicos por setor econômico para atividades financiáveis por Títulos Verdes.
[3] Argentina (2019 – verdes, sociais, sustentáveis), Chile (2020 – sustentáveis), China (2015/2020 – verdes), Colômbia (2020 – verdes), República Dominicana (2020 – verdes, sociais, sustentáveis), Egito (2019 – verdes), UE (2020 – verdes), India (2017 – verdes), Indonésia (2017 – verdes), Japão (2017 – verdes), Kênia (2019 – verdes), Marrocos (2018 – verdes, sociais, sustentáveis; 2021 – gender), Nigéria (2018 – verdes), Paquistão (2021 – verdes), Paraguai (2020 – ODS), Peru (2019 – sustentáveis), Filipinas (2019 – verdes, sociais, sustentáveis), Tailândia (2020 – verdes, sociais, sustentáveis), Vietnã (2021 – verdes, sociais, sustentáveis)
[4] Um primeiro passo nessa direção é dado pela ENCORE, que classifica cada impacto ambiental relevante como muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. Mas uma classificação final deveria necessariamente considerar a localização.
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