*Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Hochstetler
Os Senadores da Comissão de Infraestrutura do Senado e a sociedade precisam estar em alerta total sobre a tramitação de um Projeto de Decreto Legislativo que trata de tema bastante relevante para os consumidores de eletricidade do Brasil.
Estamos falando do PDL 365, que trata da forma de rateio dos custos de transmissão de energia embutidos na conta de luz. Este projeto não deveria nem existir porque o próprio Congresso Nacional explicitamente incumbiu a Aneel, por meio da Lei 9427/96, da obrigação de definir o critério do rateio dos custos de transmissão observando o chamado ´sinal locacional´, termo técnico para expressar um conceito bem simples: os usuários que mais oneram o sistema de transmissão de eletricidade devem arcar com uma parcela maior dos custos de transmissão do que os usuários que oneram menos o sistema.
Os chamados ´usuários do sistema de transmissão´ são os geradores e consumidores de eletricidade, que rateiam o pagamento dos custos da transmissão de eletricidade por meio de encargos de transmissão em suas contas de luz. Como a regra anterior de rateio promovia distorções alocativas (ou seja, usuários que oneravam mais o sistema não estavam pagando encargos proporcionais, onerando injustamente a conta de usuários que oneravam menos o sistema), a Aneel estabeleceu, cumprido todo o rito regulatório, uma regra que gradualmente – ao longo de 5 anos – introduz a nova sistemática de rateio.
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Na audiência pública no Senado sobre o tema – que aconteceu no dia 5 de julho por requerimento do Senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) – ficou evidente a opinião dos especialistas, que confirmaram tecnicamente o sentido do chamado sinal locacional: quem usa mais a rede de transmissão precisa pagar mais por isso com tarifas mais altas. Isso é essencial para que haja incentivos para uma expansão eficiente.
O inusitado PDL 365 tem o objetivo de revogar resoluções da Aneel desde 2009, ocasionando uma disrupção regulatória e o prolongamento das distorções alocativas atuais. Este Projeto de Decreto Legislativo é de autoria do Deputado Federal Danilo Forte (União/CE) e no Senado Federal tem relatoria do Senador Otto Alencar (PSD/BA), que defende sua aprovação. Paradoxalmente, ambos foram eleitos por cidadãos nordestinos que terão aumento em suas contas de luz se o PDL 365 for aprovado.
PublicidadeAs novas regras que foram definidas pela Aneel contrariam interesses de alguns geradores eólicos no Nordeste e têm sofrido ataques sem base técnica. O próprio parecer do relator do PDL 365 contém vários erros técnicos que são resumidos nos pontos abaixo:
- O autor da matéria na Câmara dos Deputados alega que a alteração promovida pela agência reguladora desestabilizaria as tarifas de uso do sistema de transmissão de forma imediata e sem transição. Este argumento não reflete a realidade: a solução estabelecida pela Aneel é uma solução de compromisso (combinando 50% da metodologia anterior e 50% da metodologia nova) e que será implementada de forma gradual ao longo de 5 anos.
- O parecer do PDL 365 no Senado argumenta que o PDL está dentro das competências exclusivas do Congresso Nacional (inciso V do art. 49 da Constituição Federal), que incumbe os parlamentares de sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder. No entanto, o parecer escolhe ignorar que a Lei 9.427/1996, em seu artigo 3º, determina que a Aneel defina a tarifa de uso do sistema de transmissão utilizando ´sinal locacional visando a assegurar maiores encargos aos usuários que mais onerem o sistema de transmissão´.
- O parece do PDL 365 cita ´estudos apresentados pela ANEEL na Análise de Impacto Regulatório 02/2021´, com ´previsão de um aumento médio nas tarifas de 13%. A geração enfrentaria um aumento médio de 24%, enquanto as distribuidoras teriam um aumento de 5%, e apenas os consumidores livres teriam uma redução média de 16%´. Este argumento não tem lógica tarifária: a tarifa locacional não eleva o custo, apenas altera a forma de repartição dos custos de transmissão entre os agentes. Além disso, o efeito da regra que reforça o sinal locacional não é uniforme para todos os agentes da geração, distribuição e consumo, pois o impacto depende de onde cada usuário está localizado: assim como há geradores que sofrerão elevação de tarifa, haverá outros que terão redução. O mesmo vale para os consumidores.
- O parecer do PDL 365 afirma que ´A nova sistemática de cálculo da TUST da Aneel, que inclui o sinal locacional, encarece o custo de geração de energia nas regiões Norte e Nordeste e parte do Centro-Oeste (onde estão os melhores potenciais para projetos de energias renováveis) e barateia o custo de geração no Sul e Sudeste. Como efeito teríamos uma migração de projetos de geração, apesar de nossos melhores recursos renováveis estarem no Norte e Nordeste e parte do Centro-Oeste. É uma política ineficiente do ponto de vista de utilização dos nossos recursos naturais e equivocada. E, como política, não deveria ser formulada pela Aneel.´ Aqui o parecer revela explicitamente os interesses dos grupos contrariados pelo sinal locacional, criando narrativa perigosa e divisiva ao jogar Norte/Nordeste contra Sul/Sudeste, e convenientemente não revelando o mais importante: o PDL 365 beneficia geradores do Norte e Nordeste, mas aumenta a tarifa dos consumidores do Norte e Nordeste. Além disso, o alegado argumento de ´eficiência´ ignora (talvez por desconhecimento técnico) que o que importa é o custo final para o consumidor a partir da soma de custos de geração e transmissão: uma tarifa de transmissão que reflete melhor os custos de transmissão associados à geração em determinado local melhora as decisões de investimento e é, portanto, eficiente.
Mas há espaço para certo otimismo quando observamos alguns senadores que dedicaram o tempo adequado para entender o problema criado pelo PDL 365. O Senador Luis Carlos Heinze, por exemplo, submeteu no dia 29 de agosto um voto separado na tramitação do PDL que expressa uma visão mais alinhada aos objetivos e impactos do sinal locacional. Além de fazer um histórico abrangente do cuidadoso e longo rito regulatório seguido pela Aneel para definir as novas regras de rateio dos custos de transmissão, o Senador faz o contraponto objetivo de alguns dos argumentos do parecer do PDL 365 quando:
- rebate o alegado prejuízo para Norte e Nordeste lembrando que, como o sinal locacional induz à eficiência alocativa, haverá custos menores para o Brasil e redução da tarifa de uso da transmissão para os usuários, ´redução que pode, no médio prazo, inclusive, servir de agente propulsor para atrair a indústria para os estados em que as tarifas de transmissão são reduzidas, como o Nordeste e o Norte´;
- alega que ´não lhe parece correto afirmar que a mudança na metodologia aprovada pela ANEEL inviabilizará os empreendimentos eólicos e solares: os relatórios públicos dos últimos leilões de energia nova não demonstraram esse efeito e tiveram como ganhadores usinas solares e eólicas com deságios consideráveis, mostrando que os empreendimentos em questão continuam, e continuarão, competitivos´;
- relembra que, ´como se não bastassem os argumentos jurídicos que demonstram que a Aneel, em nenhuma hipótese, exorbitou suas competências na edição das regras combatidas pelo PDL 365, resta incontroverso que a norma editada alcança ganhos efetivos para o setor elétrico como um todo, dá o sinal adequado à tarifa de transmissão e dispõe de uma transição adequada para sua total implementação´; e
- conclui que ´no quesito de constitucionalidade, o PDL simplesmente olvida de observar que, de fato e de efeito, não há inovação alguma a ser sustada, mas apenas o desejo de grupos de interesse de, por meios tortos, manter ganhos a partir de meticulosas tramas da estrutura regimental que, acertadamente, foram aperfeiçoadas pela agência dentro do que manda a lei e a boa prática regulatória.´
É crucial que os senadores se mobilizem para que o PDL 365 não avance na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado e que, de forma serena e transparente, dediquem o tempo adequado para entender, com base em evidências e argumentos técnicos, que este projeto nem deveria existir.
Mas se isto não acontecer – e sabendo que se PDL 365 for aprovado haverá aumento das contas de luz no Norte e Nordeste e distorção das tarifas de transmissão que ocasionará sobrecustos para todos os consumidores – precisamos pelo menos ter a esperança de que a maioria dos senadores defenderá os cidadãos que os elegeram…
*Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Hochstetler são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)
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