Malu Ribeiro e Gustavo Veronesi*
Os rios refletem como espelhos a condição ambiental das cidades e das suas bacias hidrográficas. Se estão contaminados, fétidos e com águas impróprias para o uso é porque as políticas públicas de habitação, saneamento, meio ambiente e uso do solo não estão sendo devidamente executadas.
O Brasil tem 83.450 quilômetros de rios poluídos, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA) divulgados em 2019. Esse cálculo foi realizado com base nos trechos de rios que apresentam índices de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), indicador utilizado para medir a poluição da água, acima de 10 mg/L.
As variações climáticas, o desmatamento e as dinâmicas socioeconômicas nas bacias hidrográficas impactam diretamente na qualidade da água dos rios, o que leva a crer que essa situação pode ter se agravado ainda mais.
Desde 1993, a Fundação SOS Mata Atlântica monitora a qualidade da água do maior rio paulista, o rio Tietê, por meio do programa Observando os Rios, e utiliza o Índice de Qualidade da Água (IQA) para mensurar a mancha de poluição ao longo de sua extensão. A mensuração da mancha permite apresentar a condição ambiental do rio de forma didática e ilustrativa para a sociedade.
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Os dados são divulgados anualmente no Dia do Rio Tietê, celebrado em 22 de setembro. No relatório de 2021, a mancha de poluição (água com qualidade ruim) se estendia por um trecho de 85 quilômetros do rio Tietê –correspondente a 14,7% dos 576 quilômetros monitorados, da nascente do rio, em Salesópolis, até o município de Barra Bonita, a jusante da eclusa, na hidrovia Tietê-Paraná.
Esse resultado vem melhorando a cada ciclo de monitoramento, em razão dos avanços nos índices de coleta e tratamento de esgoto na região metropolitana de São Paulo e nos municípios das bacias hidrográficas do Tietê.
Em setembro de 2020, a mancha de poluição atingia 150 quilômetros do rio e em 2010 chegava a 256 quilômetros de extensão. O monitoramento da qualidade ambiental dos rios brasileiros é um instrumento de cidadania e pressão em prol de água limpa para todos.
Resultados positivos como os obtidos em trechos do rio Tietê e em rios urbanos altamente poluídos como o Pinheiros e o riacho do Ipiranga, em São Paulo, comprovam que é possível recuperar a qualidade da água com programas de saneamento ambiental, desde que essas ações sejam executadas por meio de projetos de Estado. Ou seja, de duração continuada, com investimentos garantidos, metas progressivas de qualidade da água, transparência e participação social.
Despoluir rios não é tarefa para um único governo, mas deve ser prioridade dos futuros governantes daqui para frente.
A enorme extensão de trechos de rios contaminados apontada pela ANA, com água imprópria para uso no Brasil, resulta de outra cruel realidade: a de que 45% da população brasileira não têm acesso aos serviços de coleta de esgoto e que 70% das nossas cidades não conta com estações de tratamento.
Essa situação é agravada com eventos climáticos extremos, com a escassez, quando os rios e mananciais perdem a capacidade de diluir os remanescentes de efluentes tratados e não tratados que recebem diariamente. O marco regulatório do saneamento e a política nacional de recursos hídricos têm instrumentos de gestão e governança capazes de promover a recuperação dos mananciais e dos rios brasileiros.
Cabe aos futuros governantes e aos parlamentares garantir a implementação da Lei das Águas do Brasil (9433/2007) fortalecendo os Comitês de Bacias Hidrográficas e os instrumentos de gestão: Planos de Bacia, Cobrança pelo Uso da Água, Outorga e Enquadramento das Classes de Água.
Editar normas que levem o país a adotar metas progressivas de qualidade da água, com o fim do enquadramento de rios na Classe 4 – aqueles que recebem poluentes-, para garantir os usos múltiplos da água, como abastecimento público, e promover segurança hídrica.
Para completar, é urgente reconhecer e incluir o acesso à água potável dentre os direitos fundamentais dos brasileiros e brasileiras com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 06/2021.
O texto de autoria do então senador Jorge Viana (PT – AC) foi aprovado por unanimidade no Senado Federal em 2021 e está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, com parecer favorável do relator, o deputado federal Geninho Zuliani (DEM-SP), e precisa ser levado à votação em Plenário.
Desde 28 de Julho de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução A/RES/64/292, declarou o acesso à água limpa e segura e o saneamento como direito humano essencial para a vida e condição para alcançar todos os outros direitos humanos.
O Brasil não pode continuar atrasado no reconhecimento desse direito fundamental, essencial à vida, sobretudo neste momento de emergência climática.
*Malu Ribeiro e Gustavo Veronesi são, respectivamente, diretora de Políticas Públicas e coordenador do programa Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica.
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