*Leandro Grass
“Quem melhor conhece a verdade é mais capaz de mentir”.
Esta frase, atribuída ao filósofo Sócrates, serve bem para compreender o que aconteceu na política do Distrito Federal nas últimas semanas. A primeira prisão de um secretário de Saúde no exercício de sua função em toda história da capital do país levou 13 deputados distritais a assinarem o pedido de uma comissão para investigar denúncias de possíveis crimes cometidos pela gestão Ibaneis Rocha (MDB). Entre eles, superfaturamento na construção dos hospitais de campanha, na compra de testes rápidos e na contratação de leitos de UTI, desvios de respiradores e outros insumos, nepotismo e fraudes na divulgação de dados. Tudo isso durante a pandemia do novo coronavírus, que já levou mais de 3 mil pessoas à morte no Distrito Federal.
A chamada CPI da Pandemia foi assinada por deputados da base governista, independentes e de oposição. Foi defendida pelos parlamentares do Distrito Federal de diferentes partidos e ideologias no Congresso Nacional. Diversas entidades da sociedade civil, entre elas OAB, Conselho de Saúde, sindicatos, centros acadêmicos e associações, manifestaram apoio às investigações. Em poucos momentos da história do DF houve uma união tão ampla e diversa. Mas por que, apesar disso tudo, ela ainda não aconteceu?
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Segundo o regimento da Câmara Legislativa, cabe ao presidente da Casa – hoje o deputado Rafael Prudente do MDB, partido do governador Ibaneis Rocha – instalar as CPIs propostas. Até a prisão de Francisco Araújo, só havia sido instalada a do Feminicídio, deixando espaço para que uma outra pudesse ocorrer com o número mínimo exigido de assinaturas, no caso oito. Pelas regras, só podem funcionar duas CPIs ao mesmo tempo, a não ser que a partir da terceira haja o apoio da maioria dos parlamentares. Essa instalação segue uma ordem cronológica, conforme a data de apresentação dos requerimentos.
PublicidadeLembro que ainda em março de 2019 o deputado Rodrigo Delmasso (Republicanos) protocolou uma proposta para investigar os maus tratos de animais. Porém, mais de um ano se passou sem que ela fosse instalada. Em abril deste ano, o deputado Hermeto (MDB) apresentou outro pedido para investigar denúncias de fake news. Até que em julho, veio o requerimento da CPI da Pandemia, naquele momento com oito assinaturas.
O que deveria ter sido feito, segundo o regimento? O presidente deveria ter instalado a CPI dos Maus Tratos de Animais junto com a CPI da Pandemia que, mesmo sendo a quarta da fila, alcançou as 13 assinaturas no mês de agosto. Mas não foi o que aconteceu. Pela primeira vez na história da CLDF, a presidência resolveu consultar a Procuradoria da CLDF para avaliar se o requerimento preenchia os óbvios requisitos necessários.
A consulta se arrastou por cinco dias e o parecer opinou que o requerimento não tinha “fato determinado” para a investigação, apesar de todas as denúncias apresentadas na justificativa. Mesmo tendo afirmado que instalaria a CPI quando ela alcançasse as 13 assinaturas, o deputado Rafael Prudente, que também é presidente do MDB-DF, decidiu que só faria isso após uma consulta aos líderes de blocos em plenário, apesar do regimento não exigir. Em seis sessões seguidas, curiosamente a base do governo não compareceu. Em uma delas, marcada para a tal consulta, nem o próprio presidente da Câmara Legislativa se fez presente.
No último domingo (13), o deputado Roosevelt Vilela (PSB) propôs uma nova CPI para investigar os últimos 10 anos de gestão da Saúde no DF, muito embora a CPI da Saúde de 2017 tenha abarcado os governos Agnelo e Rollemberg com um relatório em separado que apontou diversas irregularidades. Ela foi assinada por deputados da base governista e alguns do chamado Centrão, entre eles Daniel Donizet (PL), que decidiu retirar a assinatura da CPI da Pandemia sob a justificativa de desejar uma “investigação mais ampla”.
Vale lembrar que uma investigação na CLDF tem 180 dias para ocorrer, podendo ser prorrogada por mais 90. Isso exige foco e muita responsabilidade dos membros da Comissão para tomar decisões eficientes que possam esclarecer fatos complexos. Isso para que ela não se transforme em “pizza” sem dar resultados para a sociedade.
Nesse percurso, chama a atenção a enorme quantidade de nomeações publicadas no Diário Oficial do DF. Poucas vezes vimos tantas mudanças de cargos em administrações regionais, secretarias de Estado e coordenações regionais de ensino. O fato é que na última quarta-feira (16), o presidente Rafael decidiu instalar a CPI dos Maus Tratos e devolver o requerimento da CPI da Pandemia, naquele momento com 12 assinaturas.
Essa decisão pessoal poderia ter sido diferente, já que o regimento permite a mudança da ordem cronológica de instalação das CPIs com menos de 13 signatários, caso haja consenso entre os líderes de blocos. Todos eles estavam em plenário, mas o presidente seguiu determinado a não permitir que a CLDF cumprisse o seu papel fiscalizador, suprimindo o direito dos 12 deputados que querem esclarecer a verdade quanto às denúncias gravíssimas sobre gestão Ibaneis na Saúde.
Isso nos leva a perguntar: quem tem medo da CPI da Pandemia? Por que tem? O que levou o governo a mobilizar sua base para impedir as investigações? O que está por trás das manobras regimentais? A quem serve a Câmara Legislativa? Ao povo ou ao governador? O que está em jogo nisso tudo?
A denúncia do MPDFT, que indicia 15 pessoas da gestão Ibaneis e aponta para os crimes na compra de testes rápidos suscita um conjunto de novas perguntas que a CPI da Pandemia pode ajudar a esclarecer. Por exemplo, quem também participou da suposta organização criminosa chefiada por Francisco Araújo? O governador estava consciente disso tudo? Outros secretários sabiam? Parlamentares sabiam? Além do ex-governador Arruda, o secretário André Clemente e das deputadas Flávia Arruda e Celina Leão, quem mais estava na lista VIP que furava a fila dos testes rápidos que faltam à população em geral? Esse esquema também era feito nas compras de leitos de UTI e na construção dos hospitais de campanha? O que explica a empresa que foi a 7ª colocada no levantamento de preços ter sido escolhida para fazer a obra do hospital do Mané Garrincha? Além dos R$18 milhões apontados pelo MP, há mais dinheiro desviado? Para onde ele foi? Quem estava ganhando às custas da população?
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Essas e outras questões ainda podem ser esclarecidas pelo trabalho da CPI da Pandemia, mediante convocações de servidores e autoridades para serem ouvidos, quebras de sigilo e parcerias com os órgãos de controle. Por enquanto, a CLDF é a única instituição fiscalizadora que não se comprometeu em investigar o governo Ibaneis Rocha. Muito embora seja chamada de “casa do povo”, hoje está mais próxima de ser chamada de “casa do governador”. Uma espécie de “puxadinho do Buriti”, que tem deixado a desejar no papel de cobrar explicações do poder executivo. Essa cortina de fumaça precisa ser desfeita. Temos a oportunidade de ajudar na recuperação de um dinheiro supostamente desviado, antes que ele vire caixa dois de campanha ou mansões e automóveis de criminosos.
A população precisa permanecer atenta aos seus representantes, cobrando explicações e uma postura responsável diante desse momento difícil que estamos passando. É lamentável que o governador ainda não tenha vindo a público demonstrar apoio à CPI da Pandemia. Afinal, quem não deve não teme. É assustador pensar que pessoas estejam usando uma pandemia para enganar a população e enriquecer às custas da morte de milhares de brasilienses. Por essas e outras, seguiremos perseguindo a verdade.
*Leandro Grass é deputado distrital pela REDE Sustentabilidade, professor, sociólogo, mestre em desenvolvimento sustentável e gestor cultural pela OEI.
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