*Paulo Dalla Nora Macedo
“A verdade é grande, mas maior ainda, do ponto de vista prático, é o silêncio sobre a verdade”, Aldous Huxley.
Relutei em publicar este artigo, não porque tenho dúvida das posições que nele defendo, mas pelos ares que hoje infestam o nosso Brasil. Lembro-me de ter publicado em 2006, no Diário de Pernambuco, um artigo muito duro contra o ex-presidente Lula e o mensalão e de o fazer sem receio. Foi esse sentimento de medo que ao fim me empurrou para a publicação, lembrando Alexandre Dumas: “Por vezes é penoso cumprir o dever, mas nunca é tão penoso como não cumpri-lo.”
Primeiramente, esclareço que a minha posição é absolutamente pessoal e não representa, de nenhuma forma, as organizações sociais e cívicas de que participo e/ou participei. Além disso ela foi bastante refletida, levando-se em consideração a importância do instituto do impeachment como um mecanismo de defesa do Estado de Direito, processo este que só deve ser usado em última instância, mas que não se constitui golpe. Como resultado, entendo que o atual momento é muito grave, devido à conjuntura e aos fatores explicitados a seguir.
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Acredito ser imperativo defender a abertura de um processo de impedimento, diante dos seguidos possíveis crimes de responsabilidade que Bolsonaro vem cometendo: as suas repetidas participações e/ou apoio às manifestações antidemocráticas e com referências incivilizatórias, a relação com uma estrutura de geração e distribuição de fake news e a sua possível interferência na administração pública para proteger a família. É importante ressaltar que todos esses casos são alvos de ações no Supremo Tribunal Federal e deles transbordam personagens, diálogos e idéias grotescas. Processualmente, Bolsonaro terá ampla oportunidade de se defender, e os parlamentares, como representantes do povo, farão o seu julgamento sobre o impedimento. Não me cabe aqui apontar o momento político ideal para a abertura do processo, entretanto penso que não o fazer denotaria falta de compromisso com a democracia. Os alertas sobre a encruzilhada civilizatória histórica em que o mundo se encontra estão mais que evidentes.
PublicidadeDefendo que maturidade política requer o entendimento de que a corrupção do mandato não é resumida ao recebimento de vantagem financeira, sob pena de diminuirmos o escopo da responsabilidade dos governantes e transformarmos o engajamento político em um concurso de ativistas de uma (primária) suposta moral. Já vimos aonde isso, nada surpreendentemente, nos trouxe: a uma tese supostamente “liberal” na economia e pré-iluminista nos costumes. Por “costumes” entende-se, inclusive, vedar direitos democráticos; claro de quem discordar. Acredito que existam réguas morais e nelas, o protofacismo, que é a corrupção da alma, não pode ser considerado menos nefasto que corrupção financeira, sem dúvida, indesejável. Pelo menos deveria ser assim para quem teve a chance estudar. Infelizmente, a verdade é que não é assim para todos, por isso muitas admirações ficaram pelo caminho quando se destampou essa caixa de Pandora por aqui. São as amarguras da vida.
É importante destacar que a minha posição pela instalação neste momento leva em conta a emergência do enfrentamento da pandemia do coronavírus. A lógica da instalação está alinhada com o quase consenso da comunidade científica, que aponta para uma convivência com os desafios do vírus por até dois anos e com várias ondas de contaminação, as quais exigirão respostas constantes dos governantes. Portanto, é irresponsável deixar que interesses econômicos imediatos e interesses eleitorais para 2022 se sobreponham a essa realidade de crise constitucional e humanitária. Esse engajamento, sem espera calculada, precisa ser de todos os que nutrem respeito pela nossa Constituição. A terceirização de responsabilidade é uma forma lamentável de omissão, que será cobrada pela história. Várias democracias consolidadas do mundo, como a alemã, já nos mostraram que não se combate o risco do enraizamento protofacista na sociedade com “eloquente silêncio”, cinicamente evocando o “direito á liberdade de expressão”. Essa postura lembra-me um bloco carnavalesco de Olinda: “Simpatia é Quase Amor”. É como ficarão marcados os que silenciam diante do fascismo digital, que pouco a pouco transborda para o mundo real.
O apoio à abertura do processo de impedimento não significa que não me preocupam as ideias e postura do vice-presidente, como as expressas recentemente em um artigo no Estado de São Paulo. Quem defende a democracia não pode aceitar que seja implantado um projeto de redesenho da nossa Federação e do equilíbrio de Poderes, por alguém sem a legitimidade de ter levado esse projeto nas eleições. Se esse é o projeto do vice-presidente, que cumpra o mandato atual dentro do modelo que temos e coloque o seu projeto nas eleições de 2022.
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Um eventual processo de impedimento também não pode apagar o exame do processo de tutela da política, com atos que tiveram direta e inegável influência eleitoral e, portanto, no corrompimento da nossa democracia, por agentes que não têm o direito constitucional. Acrescento a esse dano principal o colateral efeito do reducionismo do debate político, disseminado por emergentes e contemporâneos grupos especializados em memes. Esse processo tem o núcleo ideológico e de poder na Lava Jato. A positiva e louvável ação de combate à corrupção não exime essa responsabilidade, portanto é imperativo que quem defende a democracia e o Estado de Direito cobre esse acerto histórico, sob o risco dele se repetir.
Preocupa-me agudamente o alto custo humano do longo enfrentamento dessa crise cruel e complexa se continuarmos a ter à frente do país uma liderança que, além de flertar com o azedume no ar, desdenha da ciência e do direito à vida e leva um pesar insuportável para as milhares de famílias que têm perdido os seus entes queridos. O desastre que se avizinha mantido o caminho que estamos trilhando, mostram vários estudos científicos, será na casa de algumas centenas de milhares de mortos no ciclo completo da pandemia. Provavelmente e, infelizmente, você vai perder alguém conhecido. Será um pesar insuportável constatar que muitos desses mortos poderiam ter sido evitados com liderança pelo exemplo, coordenação da mensagem e racionalidade de ações.
“A vida é cheia de problemas, e o cara ao morrer se livra deles todos. O insuportável é o sofrimento, a decrepitude. Até a palavra decrepitude é horrível”, disse o escritor Sérgio Sant’Anna, que morreu dia 10 de maio, vitimado pelo coronavírus. A decrepitude moral dos vivos que adoram a morte é a mais decrépita de todas.
Acredito e defendo o debate político há mais de duas décadas de militância na sociedade civil, em entidades, como Centro Pernambucano de Debates Políticos e Sociais, o Movimento Pensar Pernambuco, a Ação Empresarial pela Cidadania e o Instituto Política Viva. Por isso, acredito que a política é a forma que a humanidade tem de se organizar para garantir a continuação da vida. Não podemos deixar que ela vire a celebração da morte.
*Paulo Dalla Nora Macedo é empreendedor privado e social