Ronan Botelho*
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, após remarcação de seu depoimento à CPI da Covid, depôs na quarta-feira (19) e quinta-feira (20) à comissão. Dias antes, procurou socorro para obtenção de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para poder ficar em silêncio em perguntas que poderiam produzir provas contra si.
Corretamente, o relator do pedido, o ministro Ricardo Lewandowski, acolheu o requerimento e concedeu a ordem de Habeas Corpus, principal e fortemente, porque o direito à não autoincriminação é direito fundamental esculpido no rol do artigo 5º da Constituição Federal.
O depoente confundiu o direito de ficar em silêncio no decorrer de sua oitiva no Senado Federal, com um suposto direito de mentir e inventar e criar conjecturas, sem receio de prisão em flagrante, para tentar livrar-se das futuras acusações e ainda, tentar, livrar seus comparsas.
Analisamos com mais atenção. O Habeas Corpus garantiu direito ao depoente de ficar em silêncio, sem que incorra neste ato como motivos ensejadores de ordem de prisão em flagrante. Não é concessão de carta de alforria. A concessão teve fato certo e determinado.
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Não há o que falar, portanto, em um pretenso direito de mentir decorrente do direito ao silêncio ou do Nemo Tenetur se Detegere. A faculdade de faltar com a verdade no interrogatório é relacionada com a inexigibilidade do acusado em falar a verdade (a falta do dever legal em dizer a verdade), pois este não faz juramento para prestar depoimento e também não existe punição prevista para a mentira, mas isso está muito distante de uma pretensa legalização de um “Direito de Mentir”.
Carlos Haddad (2005, p. 178) afirma que há “uma grande disparidade entre admitir que o acusado possa, no exercício da autodefesa, apresentar os fatos de forma a não produzir uma autoincriminação, ainda que não condizentes com a realidade, e a consagração do direito de mentir em nosso ordenamento.”
Na decisão final da CPI e nas futuras movimentações no Poder Judiciário, este Habeas Corpus concedido tem o mesmo efeito da cloroquina contra a covid: nenhum. E pior, tudo que foi dito e inventado será utilizado para a elaboração do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito, que poderá contrapor a realidade com as fantasias ditas e confirmadas perante o colegiado reunido.
Frisa-se, o habeas corpus não afasta a responsabilidade do ex-ministro, pelo contrário, ao conceder a ordem, Lewandowski indicou indiretamente que o depoente de agora, tem reais chances de se tornar investigado e réu amanhã.
Isto porque uma CPI tem a mesma característica do Processo Penal, que busca sempre o princípio da realidade real dos fatos.
O professor Luiz Flávio Gomes classificou com maestria tal instituto e escreveu no seu blog jurídico:
“O princípio da verdade real, informa que no processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos. Diferentemente do que pode acontecer em outros ramos do Direito, nos quais o Estado se satisfaz com os fatos trazidos nos autos pelas partes, no processo penal (que regula o andamento processual do Direito penal, orientado pelo princípio da intervenção mínima, cuidando dos bens jurídicos mais importantes), o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deve buscar que o ius puniendi seja concretizado com a maior eficácia possível.”
Como se vê, novamente, Pazuello foi tecnicamente mal assessorado. É cristalino o seu desdém com a verdade. Certamente foi à CPI imaginando que estaria livre de responsabilidades futuras caso fosse contraditado pelos senadores. O que não é verdade. Não pode ser preso em flagrante, mas no futuro, não poderá negar tudo que disse para tentar evitar a prisão e responsabilização por contribuir categoricamente com o agravamento da pandemia no Brasil.
*Ronan Botelho é advogado, filósofo e criador do Movimento Reforma Brasil.
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